D.
Pedro I (12 de outubro de 1798 – 24 de setembro de 1834), alcunhado
o Libertador, foi o
fundador e primeiro monarca do
Império do Brasil. Como Rei Dom
Pedro IV, ele
reinou brevemente em Portugal, onde também ficou conhecido como
o Libertador e também como
o Rei Soldado. Nascido em
Lisboa, Pedro I foi o quarto filho do Rei Dom
João VI de Portugal e da Rainha
Carlota Joaquina, e assim membro da
Casa de Bragança. Quando seu país foi invadido por tropas francesas em 1807, ele e sua família emigraram para o Brasil, a maior e mais rica colónia portuguesa.
A deflagração da
Revolução liberal de 1820 em Lisboa obrigou o pai de Pedro I a retornar a Portugal em abril de 1821, deixando-o para governar o Brasil como regente. Ele teve que lidar com as ameaças de revolucionários e da insubordinação de tropas portuguesas, todas das quais ele subjugou. A tentativa do governo português de retirar a autonomia política que o Brasil gozava desde 1808 foi recebida com descontentamento geral. Pedro I escolheu o lado brasileiro e declarou a
independência do Brasil de Portugal em 7 de setembro de 1822. Em 12 de outubro ele foi aclamado imperador brasileiro e por março de 1824 ele já havia derrotado todos os exército leais a Portugal. Poucos meses depois, Pedro I esmagou a breve
Confederação do Equador, uma tentativa frustrada de secessão de rebeldes provinciais na região nordeste do Brasil.
Uma rebelião separatista na província sulista da
Cisplatina no início de 1826, e a tentativa subsequente de sua anexação pela
Províncias Unidas do Rio da Prata levaram o império a
Guerra da Cisplatina. Em março de 1826, Pedro I se tornou brevemente rei de Portugal antes de abdicar em favor de sua filha mais velha, Dona Maria II de Portugal. A situação piorou em 1828 quando a guerra do sul resultou na perda da Cisplatina. Nesse mesmo ano, em Lisboa, o trono de Maria II foi usurpado pelo príncipe Dom
Miguel, irmão mais novo de Pedro I. O relacionado sexual escandaloso e concorrente com uma cortesã maculou a reputação do imperador. Outras dificuldades surgiram no parlamento brasileiro, onde o conflito sobre se o governo e suas políticas seriam escolhidos pelo monarca ou pela legislatura dominaram os debates políticos de 1826 à 1831. Incapaz de lidar com os problemas do Brasil e de Portugal ao mesmo tempo, em 7 de abril de 1831 Pedro I abdicou e favor de seu filho Dom
Pedro II e partiu para a Europa.
Pedro I invadiu Portugal à frente de um exército em julho de 1832. Frente ao que parecia inicialmente uma guerra civil nacional, ele logo se envolveu num conflito em escala muito maior que abrangeu toda a
península Ibérica numa luta entre os defensores do
Liberalismo e aqueles que procuravam o retorno ao
Absolutismo. Pedro I morreu de
tuberculose em 24 de setembro de 1834, apenas poucos meses após ele e os liberais terem emergido vitoriosos. Ele foi consagrado por contemporâneos e pela posteridade como uma figura chave que ajudou a propagar os ideais liberais que permitiram ao Brasil e a Portugal a se moverem de regimes autoritários à formas de governo representativo.
Infância
D. Pedro de Alcântara nasceu em
Queluz, Portugal, em 12 de outubro de 1798 sendo filho de D.
João VI de Portugal, rei de Portugal, Brasil e Algarves e Dona
Carlota Joaquina de Bourbon,
infanta da Espanha. Seus avós paternos eram D.
Pedro III, Rei de Portugal e Algarves e
dona Maria I, Rainha de Portugal e Algarves, enquanto seus avós maternos eram D.
Carlos IV, rei da Espanha e dona
Maria Luísa de Bourbon, princesa de Parma. Era o quarto filho, e segundo varão de seus pais, e não era esperado que um dia viesse a ascender ao trono.
O falecimento de seu irmão mais velho,
D. António de Bragança, em 1801, tornou-o o herdeiro de seu pai, então regente em nome de dona Maria I.
O príncipe passou a infância no
Palácio de Queluz, onde também nascera, e convivera com a avó paterna, que estava completamente insana. Sua mãe não lhe dava muita atenção, preferindo voltar-se para seu irmão mais novo, D. Miguel. Seu pai o estimava muito, considerando-o o filho predileto, mas por ser reservado e sofrer de
depressão, mantinha pouco contato com o seu
herdeiro.
D. Pedro e seu irmão D. Miguel compartilhavam a aparência, o temperamento e afeições. Ambos possuíam uma relação de amor e ódio um com o outro, e brincavam e lutavam quando crianças. Na infância, os dois irmãos criavam pequenos regimentos formados por amigos que se combatiam simulando batalhas entre exércitos.
A predileção de D. Pedro pela vida
militar não se restringiu apenas à infância, e mesmo como adulto manteve o gosto pela carreira. Anos mais tarde, em 1825, um estrangeiro diria que não havia no Brasil pessoa melhor que o então imperador no manejo com armas.
As principais atividades do herdeiro da coroa portuguesa até os seus dezasseis anos de idade foram os exercícios físicos, a
equitação e a
marcenaria. O seu interesse pelos
cavalos não se restringia a apenas montar, mas também cuidava dos mesmos, arreando, dando banho e até mesmo os ferrando.
Na mocidade divertia-se indo às tabernas do Rio de Janeiro, que frequentava em companhia dos empregados do palácio, mas sempre disfarçado para que não fosse reconhecido. Em uma dessas andanças noturnas conheceu
Francisco Gomes da Silva, que mais tarde se tornaria um dos seus mais fiéis amigos e seria conhecido como o "
Chalaça".
Educação
Além do seu
português nativo, D. Pedro sabia ler, escrever e falar em
francês e
latim, e compreendia o
inglês e o
alemão.
O príncipe sabia tocar instrumentos musicais como:
piano,
flauta,
fagote,
trombone,
violino,
clarinete,
violão,
lundu e
cravo. Tinha grande interesse por atividades que requeressem uma certa habilidade física, como
pintura,
litografia,
escultura e frequentou constantemente as aulas de
desenho da
Academia de Belas-Artes.
Era também um excelente
mecânico,
marceneiro e
torneiro, além de desprender bastante tempo a exercícios físicos,
equitação e
caça.
Apesar da visão costumeira que se trata nos livros escolares, D. Pedro não era o semi-analfabeto que sempre se imaginou. De facto não recebeu a educação esperada para um futuro Chefe de Estado, mas ainda assim fora muito melhor do que a recebida pela maior parte dos seus contemporâneos e mesmo atualmente. A instrução deficiente que recebeu não o impediu de sempre buscar aprimorar seus conhecimentos e o príncipe fora na realidade um autodidata. Se tivesse sido educado conforme a sua posição como herdeiro do trono exigia, teria
"sido um príncipe quase perfeito". Napier diria a seu respeito:
"As suas boas qualidades eram propriamente suas; as más, devido à falta de educação; e homem nenhum conhecia melhor este defeito do que ele mesmo".
D. Pedro tinha clara noção da falha em sua educação e buscava aconselhar tantos os seus filhos legítimos como os ilegítimos a estudarem e não cometerem o mesmo erro que ele próprio cometera. Sabia também do valor da educação e uma de suas primeiras medidas como regente fora a extinção de qualquer
tributação sobre
livros importados e a abolição da censura prévia. Criou cursos jurídicos e relegou ao Estado a obrigação de manter escolas primárias.
Casamento
Em 1818, quando tinha 19 anos,
casa com a
Arquiduquesa Dona Leopoldina, filha do Imperador
Francisco I da Áustria, e de sua segunda esposa,
Maria Teresa de Bourbon, princesa das
Duas Sicílias, de um ramo dos
Bourbons franceses. Francisco I e Maria Teresa foram os últimos imperadores do
Sacro Império Romano Germânico e os primeiros da Áustria. Leopoldina era sobrinha-neta da rainha
Maria Antonieta e irmã da segunda imperatriz dos franceses
Maria Luísa da Áustria.
A cerimónia foi realizada na
Igreja de Santa Ifigênia, na
Rua da Alfândega, tendo o cortejo nupcial desfilado pelo que é hoje a
Rua Primeiro de Março. Nela, dizem os historiadores que se dançou pelas ruas o
Catupé, variedade de
congo, antigamente ligado a festejos religiosos e, depois, ao
carnaval. Do enlace nasceram, entre outros filhos,
D. Maria da Glória (1819),
Rainha de Portugal como
Dona Maria II, e
D. Pedro de Alcântara (1825), sucessor do pai como
Imperador do Brasil com o título de D. Pedro II.
Viúvo desde 11 de dezembro de 1826, em agosto de 1829 contrai segundas núpcias por procuração com
Amélia de Beauharnais,
princesa da
Baviera,
Duquesa de Leuchtenberg, neta da
Imperatriz Josefina da França, esposa repudiada de
Napoleão Bonaparte.
Independência do Brasil
D. Pedro I contou, naturalmente, com o apoio do "povo" e, de volta ao Rio de Janeiro, em 12 de outubro, foi proclamado imperador e "defensor perpétuo do Brasil". Em 1 de dezembro foi sagrado e coroado. A
Independência do Brasil foi contestada em território brasileiro por tropas do
Exército Português, especialmente nas regiões onde, por razões estratégicas, elas se concentravam, a saber, nas então Províncias
Cisplatina, da
Bahia, do
Piauí, do
Maranhão e do
Grão-Pará (
Guerra da Independência do Brasil). A Independência foi oficialmente reconhecida por
Portugal e pelo
Reino Unido somente em 1825.
Abdicação
A indecisão entre o Brasil e Portugal contribuiu para minar a popularidade e o prestígio de D. Pedro I. Os problemas do Imperador agravaram-se a partir de 1825, quando, no plano interno, fracassavam as forças brasileiras na
Campanha Cisplatina (1825 - 1827). O Imperador chegou a ir ao
Rio Grande do Sul, a fim de participar pessoalmente da campanha, no final de 1826. A notícia da morte da
Imperatriz Leopoldina obrigou-o a mudar os planos e retornar ao Rio de Janeiro.
Além do malogro militar, da perda da
província da Cisplatina (em 1828), e dos constantes atritos com a Assembleia, a vida privada do Imperador também contribuía para o desgaste de sua imagem. Era notório seu relacionamento com
Domitila de Castro Canto e Melo, a quem fez
viscondessa e depois
marquesa de Santos. O romance teve início em 1822 e durou até o segundo casamento de D. Pedro I, em 1829, com
Amélia de Beauharnais,
duquesa de Leuchtenberg. O
marquês de Barbacena, encarregado de encontrar uma noiva para o Imperador que atendesse às exigências de
nobreza, formosura, virtude e educação, enfrentara humilhantes recusas por parte de várias casas reais europeias que viam com horror o relacionamento do Imperador com a
Marquesa de Santos, e o sofrimento que este causara na
Imperatriz Leopoldina.
Tudo isso, ao lado das dificuldades financeiras, provocaram o protesto das elites brasileiras. Apesar da renúncia, sua relação com os assuntos internos de Portugal o tornaram cada vez mais impopular no Brasil. O constante declínio de seu prestígio e a crise provocada pela dissolução do gabinete, em 1830, fez o Imperador sofrer oposição dos liberais e ocasionar uma reação popular, levando-o a
abdicar, em favor do filho
D. Pedro II (que tinha apenas cinco anos de idade), em 7 de abril de 1831.
Guerras Liberais
D. Pedro I retorna à Europa onde assume a liderança da luta para restaurar os direitos da filha, usurpados por D. Miguel. Desembarca inicialmente na
Normandia em 10 de junho de 1831 chegando a
Cherbourg, onde permanece até 24 de junho, quando parte para a
Inglaterra. Há ecos de sua estada nos jornais locais.
Em Portugal vivia-se as
Guerras Liberais entre os miguelistas, partidários do absolutismo defendido por Miguel, que usurpara a Coroa de
D. Maria II, Rainha em título, e os liberais, defensores do constitucionalismo. Após conseguir os apoios financeiros necessários e organizar os liberais imigrados, chega aos
Açores em 1832, onde assume a regência na qualidade de
Duque de Bragança, nomeia um Ministério composto por
Mouzinho da Silveira,
Marquês de Palmela e
Agostinho José Freire (do qual se destaca o primeiro pela legislação que vai promulgando, que viria a alterar a estrutura jurídica e social do país), e prepara força expedicionária para invadir Portugal e colocar a sua filha no trono.
Em junho a expedição militar parte para o norte do país, vindo a desembarcar no
Pampelido em
8 de julho no que ficou conhecido como
Desembarque do Mindelo, e seguindo depois para o
Porto. As tropas chegam à cidade no
dia seguinte e, ao contrário do que tinham inicialmente previsto, sofrem um longo e penoso
cerco, dando-se início a uma guerra civil. Em 24 de julho de 1834, depois da
batalha de Lisboa, ganha pelo marechal-duque da Terceira, os liberais derrotam os miguelistas.
Morte
As cortes de agosto de 1834 confirmam a regência de D. Pedro I, que repõe a filha no trono português. Apesar de ter reconquistado o trono português para sua filha, D. Pedro I voltou
tuberculoso da campanha e morreu em 24 de setembro de 1834, pouco depois da
Convenção de Évoramonte (que selara a vitória da causa liberal, de que se fizera paladino), no
palácio de Queluz, no mesmo quarto e na mesma cama onde nascera 35 anos antes. Ao seu lado, na hora da morte, estavam D. Amélia e D. Maria II.
Foi sepultado no
Panteão dos Braganças, na
Igreja de São Vicente de Fora em Lisboa. O seu
coração foi doado, por decisão
testamentária, à cidade do
Porto, encontrando-se conservado na
Igreja da Lapa, no
Porto, como relíquia, num
mausoléu na capela-mor da igreja, ao lado do
Evangelho. Em 1972, no sesquicentenário da
Independência, seus despojos foram trasladados do panteão de São Vicente de Fora para a cripta do
Monumento à Independência, localizado no
Museu do Ipiranga em São Paulo, Brasil.
Legado brasileiro
Durante muitos anos, D. Pedro I foi visto pelos brasileiros como um déspota arbitrário e absolutista que estava mais preocupado com as diversas amantes do que com o Brasil. Esta visão foi fruto da propaganda realizada primeiramente pelos liberais federalistas contra o monarca e seguida mais tarde pelos republicanos para desacreditarem o período monárquico brasileiro. Tal quadro viria a se modificar somente na década de 1950, quando o historiador Otávio Tarqüínio de Souza lançou em 1952 a obra biográfica "
A vida de D. Pedro I". Sobre a visão histórica a respeito do primeiro Imperador brasileiro Oliveira Lima afirmou que:
"Foi até moda, que só passou com a República, difamar D. Pedro I e zombar o mais possível do bom Rei D. João VI, a quem o Brasil deve sua organização autónoma, suas melhores fundações de cultura e até seus devaneios de grandeza". […] "De D. Pedro I mil coisas se inventaram, entre elas uma deslealdade tão consumada que só parecia roubada aos tiranetes [pequenos tiranos] da Itália da Renascença".
No entanto, ao abdicar em 1831, o Brasil que D. Pedro deixou era a maior potência latino-americana. O Exército, com cerca de 24 mil homens, era tão bem equipado e preparado quanto os seus equivalentes europeus, apesar da diferença numérica. A Marinha detinha mais de oitenta modernos navios de guerra. As demais nações republicanas da América Latina sofriam com intermináveis guerras civis, golpes de Estado, ditaduras, desmembramentos territoriais e caudilhos disputando o poder pelas forças das armas. O Brasil recebeu os seus primeiros investimentos em indústria, tendo o Estado criado incentivos governamentais em 1826.
Havia plena liberdade de imprensa, respeito às garantias individuais e as eleições ocorriam periodicamente sem interrupções. A Constituição promulgada em 1824 sofreu uma única grande modificação em 1834 e perdurou por todo o Império e ao ser extinta em 1889, era a terceira mais antiga ainda em vigor no mundo. Após a revolta da Confederação do Equador em 1824 e apesar das disputas entre as facções políticas, pelos próximos sete anos de reinado de D. Pedro I houve paz interna. Armitage afirmou que apesar
"de todos os erros do Imperador, o Brasil durante os dez anos de sua administração fez certamente mais progressos em inteligência [desenvolvimento]
do que nos três séculos decorridos do seu descobrimento à proclamação da Constituição portuguesa de 1820".
Contudo, o maior legado de D. Pedro I foi ter garantido a integridade territorial de um Império de proporções continentais, permitindo aos habitantes de regiões longínquas do norte na nascente do rio Ailã em Roraima, ao sul no arroio Chuí no Rio Grande do Sul, ao leste em Ponta do Seixas na Paraíba e a oeste na nascente do rio Moa no Acre considerarem-se hoje pertencentes a uma única nacionalidade: a brasileira.