O Curso de Geologia de 85/90 da Universidade de Coimbra escolheu o nome de Geopedrados quando participou na Queima das Fitas.
Ficou a designação, ficaram muitas pessoas com e sobre a capa intemporal deste nome, agora com oportunidade de partilhar as suas ideias, informações e materiais sobre Geologia, Paleontologia, Mineralogia, Vulcanologia/Sismologia, Ambiente, Energia, Biologia, Astronomia, Ensino, Fotografia, Humor, Música, Cultura, Coimbra e AAC, para fins de ensino e educação.
Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul,
numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o
idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros
poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como "Whitman
renascido", e o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores
da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa mas também
da inglesa.
Das quatro obras que publicou em vida, três foram na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês (v.g. de Shakespeare e Edgar Poe) para o português, e obras portuguesas (nomeadamente de António Botto e Almada Negreiros) para o inglês.
Enquanto poeta, escreveu sob múltiplas personalidades – heterónimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro
–, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua
vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz: "outros modernistas como
Yeats, Pound, Elliot inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas inteiros."
(...)
Morte
Pessoa foi internado no dia 29 de novembro de 1935, no Hospital de São
Luís dos Franceses, em Lisboa, com diagnóstico de "cólica hepática"
causada por cálculo biliar, associado a cirrose hepática,
diagnóstico que é hoje contestado por estudos médicos, embora o
excessivo consumo de álcool ao longo da sua vida seja consensualmente
considerado como um importante fator causal. Segundo um desses estudos,
Pessoa não revelava alguns dos sintomas mais típicos de cirrose
hepática, tendo provavelmente sido vítima de uma pancreatite aguda. Morreu no dia 30 de novembro, com 47 anos de idade. A sua última frase foi escrita na cama do hospital, em inglês, com a data de 29 de novembro de 1935: "I know not what tomorrow will bring" ("Não sei o que o amanhã trará").
O espólio de Pessoa: a célebre arca, contendo mais de 25.000 páginas, e a «biblioteca inglesa».
Legado
Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterónimos,
o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela
sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se
Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjectivos
e usar a heteronímia, torna-se enigmático ao extremo. Este facto é o
que move grande parte das buscas para estudar a sua obra. O poeta e
crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa".
Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de
morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer
que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas
próprias palavras do heterónimo Bernardo Soares, "a minha pátria (sic) é a língua portuguesa". O mesmo empenho é patente no seguinte poema:
Agora,
tendo visto tudo e sentido tudo, tenho o dever de me fechar em casa no
meu espírito e trabalhar, quanto possa e em tudo quanto possa, para o
progresso da civilização e o alargamento da consciência da humanidade
Fernando Pessoa, carta a Armando Côrtes-Rodrigues - 19.01.1915.
Analogamente a Pompeu, que disse que "navegar é preciso; viver não é preciso", Pessoa diz, no poema Navegar é Preciso,
que "viver não é necessário; o que é necessário é criar". Outra
interpretação comum deste poema diz respeito ao fato de a navegação ter
resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegação
exigiria uma precisão que a vida poderia dispensar.
O poeta mexicano Octavio Paz,
laureado com o Nobel de Literatura, diz que "os poetas não têm
biografia. A sua obra é a sua biografia" e que, no caso de Fernando
Pessoa, "nada na sua vida é surpreendente - nada, exceto os seus
poemas". Em The Western Canon, Harold Bloom incluiu-o entre os cânones ocidentais, no capítulo Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português (pg. 451, 1995).
Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi trasladado para o Mosteiro dos Jerónimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.
Senhor, a noite veio e a alma é vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam-nos hoje, no silêncio hostil, O mar universal e a saudade. Mas a chama, que a vida em nós criou, Se ainda há vida ainda não é finda. O frio morto em cinzas a ocultou: A mão do vento pode erguê-la ainda. Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia — Com que a chama do esforço se remoça, E outra vez conquistaremos a Distância — Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Na década de 50
foi considerada "menina-prodígio", começou a cantar desde muito cedo,
com 11 anos de idade, em espetáculos de beneficência, estreando-se no fado aos 13 anos.
Assinou contrato com a editora RCA, em 1962, para a gravação do primeiro disco.
Algumas das suas canções mais conhecidas são "Mouraria", "Deixa
Que Te Cante Um Fado", "Fado, Dor e Sofrimento", "Passeio à Mouraria" ou
"Saudade, Silêncio e Sombra".
Teresa Tarouca atuou em vários países como Dinamarca, Bélgica, Espanha, Estados Unidos da América ou Brasil.
Após alguns afastamento das lides artísticas, Teresa Tarouca teve uma participação especial em 2008 no musicalFado... Esse Malandro Vadio! de João Núncio, com encenação de Francisco Horta.
Publicada apenas um ano antes da morte do autor, a obra trata do glorioso passado de Portugal
de forma apológica e tenta encontrar um sentido para a antiga grandeza
e a decadência existente na época em que o livro foi escrito.
Glorifica acima de tudo o estilo camoniano e o valor simbólico dos heróis do passado, como os Descobrimentos portugueses.
É apontando as virtudes portuguesas que Fernando Pessoa acredita que o
país deva se "regenerar", ou seja, tornar-se grande como foi no
passado através da valorização cultural da nação. O poema mais famoso
do livro é Mar Português.
O título original do livro era Portugal.
Influenciado por um amigo, Pessoa considera "Mensagem" um título mais
apropriado, pelo nome "Portugal" se encontrar "prostituído" no mais
comum dos produtos. Pessoa constrói a palavra "mensagem" a partir da
expressão latina: Mensagitat molem, isto é, "A mente move a matéria", frase da história de Eneida, de Virgílio,
dita pela personagem Anquises quando explica a Enéias o sistema do
Universo. Pessoa não utiliza o sentido original da frase, que denotava a
existência de um princípio universal de onde emanavam todos os seres.
Segundo uma carta datada de 13 de janeiro de 1935 a Adolfo Casais Monteiro, Mensagemfoi o primeiro livro que o poeta conseguiu completar. Pessoa mesmo
explica que esse facto demonstra o porquê de não ter publicado outro
livro como a prosa de um de seus heterónimos ou a poesia em seu próprio nome.
Numa carta de 1932 de Pessoa a João Gaspar Simões, o seu primeiro biógrafo, vemos que a intenção do poeta era publicar primeiramente a Mensagem para somente mais tarde divulgar outras obras como o Livro do Desassossego, do semi-heterónimo Bernardo Soares, e a poesia dos heterónimos.
Foi publicado primeiramente a 1 de dezembro de 1934, com edição da Parceria António Maria Pereira, em Lisboa. A segunda edição, de 1941, possui correções feitas por Pessoa à primeira edição e foi editada pela Agência Geral das Colónias.
Um mês após a sua primeira publicação,
ganhou o prémio na segunda categoria do Secretariado de Propaganda
Nacional (SPN) que o premiou com o mesmo valor em dinheiro da primeira
categoria.
A nau de um deles tinha-se perdido No mar indefinido. O segundo pediu licença ao Rei De, na fé e na lei Da descoberta, ir em procura Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.
Tempo foi. Nem primeiro nem segundo Volveu do fim profundo Do mar ignoto à pátria por quem dera O enigma que fizera. Então o terceiro a El-Rei rogou Licença de os buscar, e El-Rei negou.
*
Como a um cativo, o ouvem a passar Os servos do solar. E, quando o vêem, vêem a figura Da febre e da amargura, Com fixos olhos rasos de ânsia Fitando a proibida azul distância.
*
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome - O Poder e o Renome - Ambos se foram pelo mar da idade À tua eternidade; E com eles de nós se foi O que faz a alma poder ser de herói.
Queremos ir buscá-los, desta vil Nossa prisão servil: É a busca de quem somos, na distância De nós; e, em febre de ânsia, A Deus as mãos alçamos.
Era filho natural de Joaquina de Queirós, filha natural de Maria de Jesus de Almeida Queirós, de Lagos, Odiáxere, filha natural de Gertrudes de Almeida dos Reis Calado. A sua mãe era irmã de Gertrudes de Queirós, de Ofélia Queiroz (que teve um romance com Fernando Pessoa), e de Francisco de Paula de Queirós.
Casou-se com Guilhermina Maria Correia Manoel de Aboim Borges (Loures, Loures, 20 de dezembro de 1907 - Lisboa, 18 de outubro de 1975), sobrinha materna do 1.º Visconde de Idanha e sobrinha-neta do 1.º Visconde de Vila-Boim, de quem teve cinco filhos.
Desempenhou um importante papel na ligação entre o primeiro modernismo português da geração da revista Orpheu e o segundo modernismo da Presença. É Carlos Queirós que, por volta de 1927, estabelece a ligação entre Fernando Pessoa e a revista coimbrã Presença, dirigida por Gaspar Simões, José Régio e Branquinho da Fonseca, na qual Pessoa veio a publicar diversos textos. Foi no número 5 da Presença (1927) que Carlos Queirós, juntamente com Fernando Pessoa e Almada Negreiros, iniciou a sua participação neste periódico.
David Mourão-Ferreira, no prefácio do primeiro volume da Obra Poética de Carlos Queirós, refere que entre 1927 e 1937, ano em que Carlos Queirós deixou de colaborar com a Presença,
terá publicado nas edições que vão do n.º 5 ao n.º 49 cerca de 49
poemas e dois textos em prosa, constituindo-se como um dos nomes de
referência e de continuidade desta publicação.
É Carlos Queirós, num número especial da Presença de homenagem a Fernando Pessoa,
que dá a conhecer os amores de Fernando Pessoa por Ofélia Queirós, a
sua tia, publicando nesse número diversas cartas de amor de Pessoa
escritas a Ofélia.
A participação literária de Carlos Queirós não se circunscreveu somente à celebre revista Presença. Publicou em diversas revistas e folhas literárias, tendo uma obra poética espalhada por diversas revistas: Ocidente, Atlântico, Revista de Portugal, Momento, Aventura, Vamos Ler e a revista Litoral, que foi dirigida pelo próprio. Conhecem-se, ainda, colaborações suas nas revistas Contemporânea (1915-1926), Ilustração (1926-) e Sudoeste (1935) e na revista de poesia Altura (1945).
Carlos Queirós publicou dois livros em vida. O primeiro, intitulado Desaparecido
e editado em 1935, tendo à data o poeta 28 anos de idade, foi alvo dos
maiores elogios. Destaca-se a crítica publicada por Pessoa na Revista de Portugal. Pessoa escreve no primeiro parágrafo do seu texto crítico:
"A beleza do livro começa pelo livro. A edição é lindíssima. A
beleza do livro continua pelo livro fora; os poemas são admiráveis." Mais à frente no seu texto Pessoa prossegue: "Não
se pode dizer deste livro o que é vulgar dizer-se, elogiosamente, de
um primeiro livro, sobretudo de um jovem: - que é uma bela promessa. O
livro de Carlos Queirós não é uma promessa, porque é uma realização" (in Revista de Portugal n.º 2 Coimbra, janeiro de 1938).
O segundo livro publicado em vida foi Breve Tratado de Não Versificação, editado em 1948.
Entre 1945 e 1949, colaborou com Victor Buescu na tradução para português de uma seleção da obra poética de Mihai Eminescu, que veio a lume apenas em 1950.
A obra poética de Carlos Queirós, pouco divulgada, está atualmente
editada em dois livros pela Editora Ática. O primeiro livro tem como
data de publicação 1984 e intitula-se Desaparecido – Breve Tratado de Não Versificação,
sendo a compilação dos dois livros publicados em vida por Carlos
Queirós; o segundo tem como data de publicação 1989 e intitula-se Epístola aos Vindouros e Outros Poemas,
sendo constituído por uma coletânea de poemas dispersos, por diversas
publicações da época e alguns inéditos recolhidos por David
Mourão-Ferreira, com a ajuda de uma das filhas do Poeta.
Desaparecido Sempre que leio nos jornais: «De casa de seus pais desapar’ceu...» Embora sejam outros os sinais, Suponho sempre que sou eu. Eu, verdadeiramente jovem, Que por caminhos meus e naturais, Do meu veleiro, que ora os outros movem, Pudesse ser o próprio arrais. Eu, que tentasse errado norte; Vencido, embora, por contrário vento, Mas desprezasse, consciente e forte, O porto do arrependimento. Eu, que pudesse, enfim, ser eu! - Livre o instinto, em vez de coagido. «De casa de seus pais desapar’ceu...» Eu, o feliz desaparecido!
Crowley também era mago, hedonista, utilizador recreacional de drogas e crítico social. Em muita das suas façanhas ele "iria contra os valores morais e religiosos do seu tempo", defendendo o libertarianismo baseado em sua regra de "Faz o que tu queres".
Por causa disso, ganhou larga notoriedade na sua vida e foi declarado
pela imprensa do tempo como "O homem mais perverso do mundo." Além de
suas atividades esotéricas, era também um bom jogador de xadrez, alpinista, poeta e dramaturgo. Em 2001, um inquérito da BBC descrevia Crowley como sendo o septuagésimo terceiro maior britânico de todos os tempos, por influenciar e ser referenciado por numerosos escritores, músicos e cineastas, incluindo Fernando Pessoa, Jimmy Page, Alan Moore, Bruce Dickinson, Ozzy Osbourne, Raul Seixas, Marilyn Manson e Kenneth Anger.
Ele também foi citado como influência principal de muitos grupos
esotéricos e de pessoas, incluindo figuras como
Kenneth Grant e Gerald Gardner.
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo O plantador de naus a haver, E ouve um silêncio múrmuro consigo: É o rumor dos pinhais que, como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver. Arroio, esse cantar, jovem e puro, Busca o oceano por achar; E a fala dos pinhais, marulho obscuro, É o som presente desse mar futuro, É a voz da terra ansiando pelo mar.
Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, 19 de janeiro de 1809 - Baltimore, 7 de outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário americano que fez parte do movimento romântico americano. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos sendo considerado o inventor do género ficção policial, também recebendo crédito por contribuição ao emergente género de ficção científica.
Ele foi o primeiro escritor americano conhecido a tentar ganhar a vida
através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira
financeiramente difícil.
Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts;
quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai
abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido
John Allan, de Richmond, Virginia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia durante um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e
mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com o seu pai adotivo e
fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante
dois anos antes de ser dispensado, depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. A sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anónima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).
Poe mudou o seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando
para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo
de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a mudar para diversas
cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia e Nova York. Em Baltimore, em 1835, casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em janeiro de 1845, Poe publicou seu poema The Raven, que foi um sucesso instantâneo. a sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planear a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém morreu antes que pudesse ser produzido. Em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, Poe morreu em Baltimore; a causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças do coração, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.
Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia.
Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura,
música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como
museus atualmente.
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste, Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais, E já quase adormecia, ouvi o que parecia O som de alguém que batia levemente a meus umbrais «Uma visita», eu me disse, «está batendo a meus umbrais. .............. É só isso e nada mais.»
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro, E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais. Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada P'ra esquecer (em vão) a amada, hoje entre hostes celestiais — Essa cujo nome sabem as hostes celestiais, .............. Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais! Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo, «É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais; Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais. .............. É só isso e nada mais».
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante, «Senhor», eu disse, «ou senhora, decerto me desculpais; Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo, Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais, Que mal ouvi...» E abri largos, franquendo-os, meus umbrais. .............. Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando, Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais. Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita, E a única palavra dita foi um nome cheio de ais — Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais. .............. Isto só e nada mais.
Para dentro estão volvendo, toda a alma em mim ardendo, Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais. «Por certo», disse eu, «aquela bulha é na minha janela. Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.» Meu coração se distraía pesquisando estes sinais. .............. «É o vento, e nada mais.»
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais. Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento, Mas com ar solene e lento pousou sobre meus umbrais, Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais. .............. Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura Com o solene decoro de seus ares rituais. «Tens o aspecto tosquiado», disse eu, «mas de nobre e ousado, Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais! Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.» .............. Disse-me o corvo, «Nunca mais».
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro, Inda que pouco sentido tivessem palavras tais. Mas deve ser concedido que ninguém terá havido Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais, Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais, .............. Com o nome «Nunca mais».
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto, Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais. Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento Perdido, murmurei lento, «Amigo, sonhos — mortais Todos — todos lá se foram. Amanhã também te vais». .............. Disse o corvo, «Nunca mais».
A alma súbito movida por frase tão bem cabida, «Por certo», disse eu, «são estas vozes usuais. Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais, E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais .............. Era este «Nunca mais».
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura, Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais; E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais, Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais, .............. Com aquele «Nunca mais».
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo À ave que na minha alma cravava os olhos fatais, Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais, Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais, .............. Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-me então o ar mais denso, como cheio dum incenso Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais. «Maldito!», a mim disse, «deu-te Deus, por anjos concedeu-te O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais, O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!» .............. Disse o corvo, «Nunca mais».
«Profeta», disse eu, «profeta — ou demónio ou ave preta! Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais, Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais, Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!» .............. Disse o corvo, «Nunca mais».
«Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!, eu disse. «Parte! Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais! Não deixes pena que ateste a mentira que disseste! Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!» .............. Disse o corvo, «Nunca mais».
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais. Seu olhar tem a medonha dor de um demónio que sonha, E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais, E a minh'alma dessa sombra, que no chão há mais e mais, .............. Libertar-se-á... nunca mais!
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.
Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistaremos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!
Nascido em família nobre, Magalhães era inquieto por natureza: queria ver o mundo e explorá-lo. Em 1506 viajou para as Índias Ocidentais, participando de várias expedições militares nas Molucas, também conhecidas como as Ilhas das Especiarias.
Em 1517 foi a Sevilha com Rui Faleiro, tendo encontrado no feitor da "Casa de la Contratación"
da cidade um adepto do projecto que entretanto concebera: dar a
Espanha a possibilidade de atingir as Molucas pelo Ocidente, por mares
não reservados aos portugueses no Tratado de Tordesilhas e, além disso, segundo Faleiro, provar que as ilhas das especiarias se situavam no hemisfério castelhano.
Com a influência do bispo de Burgos conseguiram a aprovação do projeto por parte de Carlos V, e começaram os morosos preparativos para a viagem, cheios de incidentes; o cartógrafo de origem portuguesa Diogo Ribeiro que começara a trabalhar para Espanha em 1518, na Casa de Contratación em Sevilha participou no desenvolvimento dos mapas
utilizados na viagem. Depois da rutura com Rui Faleiro, Magalhães
continuou a aparelhagem dos cinco navios que, com 256 homens de
tripulação, partiram de Sanlúcar de Barrameda
em 20 de setembro de 1519. A esquadra tinha cinco navios e uma
tripulação total de 234 homens, com cerca de 40 portugueses entre os
quais Álvaro de Mesquita, primo co-irmão de Magalhães, Duarte Barbosa, primo da mulher de Magalhães, João Serrão, primo ou irmão de Francisco Serrão e Estevão Gomes. Seguia também Henrique de Malaca. Antonio Pigafetta,
escritor italiano que havia pago do seu próprio bolso para viajar com
a expedição, escreveu um diário completo de toda a viagem,
possibilitado pelo facto de Pigafetta ter sido um dos 18 homens a
retornar vivo para a Europa. Dessa forma, legou à posteridade um raro e
importante registo de onde se pode extrair muito do que se sabe sobre
este episódio da história.
A armada fez escala nas ilhas Canárias e alcançou a costa da América do Sul, chegando em 13 de dezembro ao Rio de Janeiro. Prosseguindo para o sul, atingiram Puerto San Julian à entrada do estreito, na extremidade da atual costa da Argentina,
onde o capitão decidiu parar. Irrompeu então uma revolta que ele
conseguiu dominar com habilidosa astúcia. Após cinco meses de espera,
período no qual a nau "Santiago" foi perdida numa viagem de
reconhecimento, tendo os seus tripulantes conseguido ser resgatados,
Magalhães encontrou o estreito que hoje leva seu nome, aprofundando-se
nele. Noutra viagem de reconhecimento, outra nau foi perdida, mas
desta vez por um motim na nau "San Antonio" onde a tripulação aprisionou
o seu capitão Álvaro de Mesquita, primo de Magalhães, e iniciou uma
viagem de volta com o piloto Estêvão Gomes (realmente estes completaram a viagem, espalhando ofensas contra Fernão de Magalhães na Espanha).
Apenas em novembro a esquadra atravessaria o Estreito, penetrando nas águas do Mar do Sul (assim batizado por Balboa), e batizando o oceano em que entravam como «Pacífico»
por contraste às dificuldades encontradas no Estreito. Depois de
cerca de quatro meses, a fome, a sede e as doenças (principalmente o escorbuto) começaram a dizimar a tripulação. Foi também no Pacífico que encontrou as nebulosas que hoje ostentam o seu nome - as nebulosas de Magalhães.
Em março de 1521, alcançaram a ilha de Ladrões, no atual arquipélago de Guam,
chegando à ilha de Cebu nas atuais ilhas Filipinas em 7 de abril.
Imediatamente começaram com os nativos as trocas comerciais; boa parte
das grandes dificuldades da viagem tinham sido vencidas. Dias depois,
porém, Fernão de Magalhães morreu, em combate com os nativos na ilha de
Mactan, atraído a uma emboscada, sendo morto pelo nativo Lapu-Lapu.
A expedição prosseguiu sob o comando de João Lopes Carvalho, deixando Cebu no início de março de 1522. Dois meses depois, seria comandada por Juan Sebastián Elcano.
Mapa da expedição: a vermelho a rota percorrida por Magalhães, a laranja a rota percorrida por Elcano
Regresso
Decidiram incendiar a nau Concepción, visto o pequeno número de
homens para operá-la, e finalmente conseguiram chegar às Molucas, onde
obtiveram o seu suprimento de especiarias. Trinidad acabou ali permanecendo para reparos e a "Victoria" voltou sozinha para casa, contornando o Índico pelo sul, a fim de não encontrar navios portugueses. A Trinidad,
após as reparações, tentou seguir uma rota pelo Pacífico até a América
Central, onde poderia contactar os espanhóis e levar sua carga, no
entanto acabou tendo de retornar às Molucas onde seus tripulantes foram
aprisionados pelos portugueses que haviam chegado. A nau "Victoria"
dobrou o Cabo da Boa Esperança em 1522, fez escala em Cabo Verde, onde alguns homens foram detidos pelos portugueses, alcançando finalmente o porto de San Lúcar de Barrameda, com apenas 18 homens na tripulação.
Uma única nau tinha completado a circum-navegação do globo ao alcançar
Sevilha em 6 de setembro de 1522. Juan Sebastián Elcano, a restante
tripulação da expedição de Magalhães e o último navio
da frota regressaram decorridos três anos após a partida. A expedição
de facto trouxe poucos benefícios financeiros, não tendo a tripulação
chegado a receber o pagamento.
Fernão de Magalhães No vale clareia uma fogueira. Uma dança sacode a terra inteira. E sombras disformes e descompostas Em clarões negros do vale vão Subitamente pelas encostas, Indo perder-se na escuridão. De quem é a dança que a noite aterra? São os Titãs, os filhos da Terra, Que dançam da morte do marinheiro Que quis cingir o materno vulto — Cingi-lo, dos homens, o primeiro —, Na praia ao longe por fim sepulto. Dançam, nem sabem que a alma ousada Do morto ainda comanda a armada, Pulso sem corpo ao leme a guiar As naus no resto do fim do espaço: Que até ausente soube cercar A terra inteira com seu abraço. Violou a Terra. Mas eles não O sabem, e dançam na solidão; E sombras disformes e descompostas, Indo perder-se nos horizontes, Galgam do vale pelas encostas Dos mudos montes.
Em 1517 foi a Sevilha com Rui Faleiro, tendo encontrado no feitor da "Casa de la Contratación"
da cidade um adepto do projecto que entretanto concebera: dar a
Espanha a possibilidade de atingir as Molucas pelo Ocidente, por mares
não reservados aos portugueses no Tratado de Tordesilhas e, além disso, segundo Faleiro, provar que as ilhas das especiarias se situavam no hemisfério castelhano.
Com a influência do bispo de Burgos conseguiram a aprovação do projeto por parte de Carlos V, e começaram os morosos preparativos para a viagem, cheios de incidentes; o cartógrafo de origem portuguesa Diogo Ribeiro que começara a trabalhar para Espanha em 1518, na Casa de Contratación em Sevilha participou no desenvolvimento dos mapas
utilizados na viagem. Depois da ruptura com Rui Faleiro, Magalhães
continuou a aparelhagem dos cinco navios que, com 256 homens de
tripulação, partiram de Sanlúcar de Barrameda em 20 de Setembro de 1519.
A esquadra tinha cinco navios e uma tripulação total de 234 homens,
com cerca de 40 portugueses entre os quais Álvaro de Mesquita, primo
co-irmão de Magalhães, Duarte Barbosa, primo da mulher de Magalhães, João Serrão, primo ou irmão de Francisco Serrão e Estevão Gomes. Seguia também Henrique de Malaca.
Antonio Pigafetta,
escritor italiano que havia pago do seu próprio bolso para viajar com a
expedição, escreveu um diário completo de toda a viagem, possibilitado
pelo fato de Pigafetta ter sido um dos 18 homens a retornar vivo para a
Europa. Dessa forma, legou à posteridade um raro e importante registo
de onde se pode extrair muito do que se sabe sobre este episódio da
história.
A armada fez escala nas ilhas Canárias e alcançou a costa da América do Sul, chegando em 13 de Dezembro ao Rio de Janeiro. Prosseguindo para o sul, atingiram Puerto San Julian à entrada do estreito, na extremidade da atual costa da Argentina,
onde o capitão decidiu hibernar. Irrompeu então uma revolta que ele
conseguiu dominar com habilidosa astúcia. Após cinco meses de espera,
período no qual a "Santiago" foi perdida numa viagem de
reconhecimento, tendo os seus tripulantes conseguido ser resgatados,
Magalhães encontrou o estreito que hoje tem o seu nome, aprofundando-se
nele. Noutra viagem de reconhecimento, outra nau foi perdida, mas
desta vez por um motim na "San Antonio" onde a tripulação aprisionou o
seu capitão Álvaro de Mesquita, primo de Magalhães, e iniciou uma viagem
de volta com o piloto Estêvão Gomes (realmente estes completaram a viagem, espalhando ofensas contra Fernão de Magalhães na Espanha).
Apenas em Novembro a esquadra atravessaria o Estreito, penetrando nas águas do Mar do Sul (assim batizado por Balboa), e batizando o oceano em que entravam como «Pacífico»
por contraste às dificuldades encontradas no Estreito. Depois de cerca
de quatro meses, a fome, a sede e as doenças (principalmente o escorbuto) começaram a dizimar a tripulação. No Pacífico que encontrou as nebulosas que hoje ostenta o seu nome - as nebulosas de Magalhães.
Em março de 1521, alcançaram a ilha de Ladrões, no arquipélago de Guam,
chegando à ilha de Cebu nas atuais ilhas Filipinas em 7 de abril.
Imediatamente começaram com os nativos as trocas comerciais; boa parte
das grandes dificuldades da viagem tinham sido vencidas. Dias depois,
porém, Fernão de Magalhães morreu em combate com os nativos na ilha de Mactan, atraído a uma emboscada.
A expedição prosseguiu sob o comando de João Lopes Carvalho, deixando Cebu no início de março de 1522. Dois meses depois, seria comandada por Juan Sebastián Elcano.
(...)
Uma única nau tinha completado a circum-navegação do globo ao alcançar
Sevilha em 6 de setembro de 1522. Juan Sebastián Elcano, a restante
tripulação da expedição de Magalhães e o último navio
da frota regressaram decorridos três anos após a partida. A expedição
de facto trouxe poucos benefícios financeiros, não tendo a tripulação
chegado a receber pagamento.
No vale clareia uma fogueira. Uma dança sacode a terra inteira. E sombras disformes e descompostas Em clarões negros do vale vão Subitamente pelas encostas, Indo perder-se na escuridão.
De quem é a dança que a noite aterra? São os Titãs, os filhos da Terra Que dançam da morte do marinheiro Que quis cingir o materno vulto- Cingi-lo, dos homens, o primeiro- Na praia ao longe por fim sepulto.
Dançam, nem sabem que a alma ousada Do morto ainda comanda a armada, Pulso sem corpo ao leme a guiar As naus no resto do fim do espaço: Que até ausente soube cercar A terra inteira com seu abraço.
Violou a Terra. Mas eles não O sabem, e dançam na solidão; E sombras disformes e descompostas, Indo perder-se nos horizontes, Galgam do vale pelas encostas Dos mudos montes.
Serenidade És Minha (À Memória de Fernando Pessoa)
Vem, serenidade! Vem cobrir a longa fadiga dos homens, este antigo desejo de nunca ser feliz a não ser pela dupla humidade das bocas.
Vem, serenidade! Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros e com que os ombros subam à altura dos lábios, faz com que os lábios cheguem à altura dos beijos. Carrega para a cama dos desempregados todas as coisas verdes, todas as coisas vis fechadas no cofre das águas: os corais, as anémonas, os monstros sublunares, as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.
Vem, serenidade, com o país veloz e virginal das ondas, com o martírio leve dos amantes sem Deus, com o cheiro sensual das pernas no cinema, com o vinho e as uvas e o frémito das virgens, com o macio ventre das mulheres violadas, com os filhos que os pais amaldiçoam, com as lanternas postas à beira dos abismos, e os segredos e os ninhos e o feno e as procissões sem padre, sem anjos e, contudo com Deus molhando os olhos e as esperanças dos pobres.
Vem, serenidade, com a paz e a guerra derrubar as selvagens florestas do instinto.
Vem, e levanta palácios na sombra. Tem a paciência de quem deixa entre os lábios um espaço absoluto.
Vem, e desponta, oriunda dos mares, orquídea fresca das noites vagabundas, serena espécie de contentamento, surpresa, plenitude.
Vem dos prédios sem almas e sem luzes, dos números irreais de todas as semanas, dos caixeiros sem cor e sem família, das flores que rebentam nas mãos dos namorados dos bancos que os jardins afogam no silêncio, das jarras que os marujos trazem sempre da China, dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam a chegada da força e da vertigem.
Vem, serenidade, e põe no peito sujo dos ladrões a cruz dos crimes sem cadeia, põe na boca dos pobres o pão que eles precisam, põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.
Vem nos bicos dos pés para junto dos berços, para junto das campas dos jovens que morreram, para junto das artérias que servem de campo para o trigo, de mar para os navios.
Vem, serenidade! E do salgado bojo das tuas naus felizes despeja a confiança, a grande confiança. Grande como os teus braços, grande serenidade!
E põe teus pés na terra, e deixa que outras vozes se comovam contigo no Outono, no Inverno, no Verão, na Primavera.
Vem, serenidade, para que se não fale nem da paz nem da guerra nem de Deus, porque foi tudo junto e guardado e levado para a casa dos homens.
Vem, serenidade, vem com a madrugada, vem com os anjos de ouro que fugiram da Lua, com as nuvens que proíbem o céu, vem com o nevoeiro.
Vem com as meretrizes que chamam da janela, o volume dos corpos saciados na cama, as mil aparições do amor nas esquinas, as dívidas que os pais nos pagam em segredo, as costas que os marinheiros levantam quando arrastam o mar pelas ruas.
Vem, serenidade, e lembra-te de nós, que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio, um sítio aonde a morte tem todos os direitos.
Lembra-te da miséria dourada dos meus versos, desta roupa de imagens que me cobre o corpo silencioso, das noites que passei perseguindo uma estrela, do hálito, da fome, da doença, do crime, com que dou vida e morte a mim próprio e aos outros.
Vem, serenidade, e acaba com o vício de plantar roseiras no duro chão dos dias, vicio de beber água com o copo do vinho milagroso do sangue.
Vem, serenidade, não apagues ainda a lâmpada que forra os cantos do meu quarto, o papel com que embrulho meus rios de aventura em que vai navegando o futuro.
Vem, serenidade! E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe, mais húmida que a pele marítima do cais, mais branca que o soluço, o silêncio, a origem, mais livre que uma ave em seu vôo, mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo, mais humana e alegre que o sorriso das noivas, do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.
De manhã, quando as carroças de hortaliça chiam por dentro da lisa e sonolenta tarefa terminada, quando um ramo de flores matinais é uma ofensa ao nosso limitado horizonte, quando os astros entregam ao carteiro surpreendido mais um postal da esperança enigmática, quando os tacões furados pelos relógios podres, pelas tardes por trás das grades e dos muros, pelas convencionais visitas aos enfermos, formam, em densos ângulos de humano desespero, uma nuvem que aumenta a vã periferia que rodeia a cidade, é então que eu te peço como quem pede amor: Vem, serenidade!
Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis, vem, serenidade!
Com as horas maiúsculas do cio, com os músculos inchados da preguiça, vem, serenidade!
Vem, com o perturbante mistério dos cabelos, o riso que não é da boca nem dos dentes mas que se espalha, inteiro, num corpo alucinado de bandeira.
Vem, serenidade, antes que os passos da noite vigilante arranquem as primeiras unhas da madrugada, antes que as ruas cheias de corações de gás se percam no fantástico cenário da cidade, antes que, nos pés dormentes dos pedintes, a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos, a revolta semeie florestas de gritos e a raiva vá partir as amarras diárias.
Vem, serenidade, leva-me num vagão de mercadorias, num convés de algodão e borracha e madeira, na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes, na carnívora concha do sono.
Leva-me para longe deste bíblico espaço, desta confusão abúlica dos mitos, deste enorme pulmão de silêncio e vergonha. Longe das sentinelas de mármore que exigem passaporte a quem passa.
A bordo, no porão, conversando com velhos tripulantes descalços, crianças criminosas fugidas à policia, moços contrabandistas, negociantes mouros, emigrados políticos que vão em busca da perdida liberdade, Vem, serenidade, e leva-me contigo. Com ciganos comendo amoras e limões, e música de harmônio, e ciúme, e vinganças, e subindo nos ares o livre e musical facho rubro que une os seios da terra ao Sol.
Vem, serenidade! Os comboios nos esperam. Há famílias inteiras com o jantar na mesa, aguardando que batam, que empurrem, que irrompam pela porta levíssima, e que a porta se abra e por ela se entornem os frutos e a justiça.
Serenidade, eu rezo: Acorda minha Mãe quando ela dorme, quando ela tem no rosto a solidão completa de quem passou a noite perguntando por mim, de quem perdeu de vista o meu destino.
Ajuda-me a cumprir a missão de poeta, a confundir, numa só e lúcida claridade, a palavra esquecida no coração do homem.
Vem, serenidade, e absolve os vencidos, regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos e dá-lhes nomes novos, novos ventos, novos portos, novos pulsos.
E recorda comigo o barulho das ondas, as mentiras da fé, os amigos medrosos, os assombros daÍndia imaginada, o espanto aprendiz da nossa fala, ainda nossa, ainda bela, ainda livre destes montes altíssimos que tapam as veias ao Oceano.
Vem, serenidade, e faz que não fiquemos doentes, só de ver que a beleza não nasce dia a dia na terra.
E reúne os pedaços dos espelhos partidos, e não cedas demais ao vislumbre de vermos a nossa idade exacta outra vez paralela ao percurso dos pássaros.
E dá asas ao peso da melancolia, e põe ordem no caos e carne nos espectros, e ensina aos suicidas a volúpia do baile, e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem, e não apagues nunca o fogo que os consome. o impulso que os coloca, nus e iluminados, no topo das montanhas, no extremo dos mastros na chaminé do sangue.
Serenidade, assiste à multiplicação original do Mundo: Um manto terníssimo de espuma, um ninho de corais, de limos, de cabelos, um universo de algas despidas e retrácteis, um polvo de ternura deliciosa e fresca.
Vem, e compartilha das mais simples paixões, do jogo que jogamos sem parceiro, dos humilhantes nós que a garganta irradia, da suspeita violenta, do inesperado abrigo.
Vem, com teu frio de esquecimento, com tua alucinante e alucinada mão, e põe, no religioso ofício do poema, a alegria, a fé, os milagres, a luz!
Vem, e defende-me da traição dos encontros, do engano na presença de Aquele cuja palavra é silêncio, cujo corpo é de ar, cujo amor é demais absoluto e eterno para ser meu, que o amo.
Para sempre irreal, para sempre obscena, para sempre inocente, Serenidade, és minha.