Cidadão de uma enorme coragem, o Padre Felicidade (como era conhecido
também nos meios antifascistas não católicos), foi uma das figuras
centrais da oposição dos católicos à ditadura, sobretudo a partir de
meados da década de 60.
Nas suas homilias abordava temas incómodos ao regime do Estado Novo e
às hierarquias eclesiásticas, tais como a guerra colonial, a
perseguição política e problemas sociais. Envolveu-se militantemente nos
combates contra a Ditadura e na renovação da Igreja Católica, o que
determinou a sua prisão e julgamento. Foi afastado das funções de pároco
pelo então cardeal patriarca de Lisboa, Cardeal Cerejeira e, mais
tarde, tomou conhecimento da sua excomunhão.
José da Felicidade Alves nasceu em 11 de março de 1925 em Vale da
Quinta, freguesia de Salir de Matos, Caldas da Rainha, sendo filho de
Joaquim Alves e Maria Felicidade.
Após a instrução primária entrou para o seminário, com 11 anos. Em
1948 foi ordenado sacerdote. Destacando-se desde logo pela sua
inteligência, foi colocado como professor no Seminário de Almada, e
depois no Seminário dos Olivais.
Em 1956 foi nomeado pároco de Santa Maria de Belém, em Lisboa, onde
se evidenciou pelo conteúdo das suas homilias. Foi no trabalho da
paróquia que se foi dando conta de que o país real era muito diferente
do que pensava e, a partir de 1967, as suas intervenções começaram a
causar incómodo ao regime e à Igreja Católica.
Solidário com o grupo de católicos mais progressistas, o percurso de
Felicidade Alves ficou definitivamente marcado após a comunicação que
proferiu ao Conselho Paroquial de Belém, em 19 de abril de 1968, na
presença de muitas dezenas de pessoas.
Sob o tema «Perspetivas atuais de transformação nas estruturas da
Igreja», a comunicação de Felicidade Alves punha em causa a forma como a
Igreja se apresentava à sociedade, a sua organização, e o modo como
eram transmitidos os ensinamentos cristãos e era abordada a própria
figura de Deus.
Defendendo uma profunda renovação da Igreja e das suas estruturas, as
ideias de Felicidade Alves desagradaram ao cardeal Cerejeira. Em
consequência, foi-lhe movido um longo processo que determinou, em
Novembro de 1968, o afastamento das suas funções de pároco em Santa
Maria de Belém, e, mais tarde, a suspensão das suas funções sacerdotais,
terminando, em 1970, com a sua excomunhão.
Após o afastamento da paróquia de Belém, Felicidade Alves tornou-se o
grande impulsionador, em conjunto com Nuno Teotónio Pereira e o padre
Abílio Tavares Cardoso, da publicação dos Cadernos GEDOC, de que saíram
onze números, entre 1969 e 1970. Abordando criticamente questões ligadas
à hierarquia católica e à guerra colonial, a publicação foi condenada
pelo Cardeal Cerejeira e considerada ilegal pela PIDE, sendo instaurado
um processo aos seus responsáveis, de que resultará, em 19 de maio de
1970, a prisão de Felicidade Alves por «atividades contrárias à
segurança do Estado». Acusado de incitar à violência e à luta armada,
foi julgado e absolvido. Porém, para lá da questão do colonialismo, para
a qual acordara lentamente, havia a situação da Igreja em Portugal, com
que se confrontava diariamente.
Em 1969 Felicidade Alves publicou a obra «Católicos e Política - de
Humberto Delgado a Marcello Caetano», na qual coligiu inúmeros
documentos sobre as relações entre os católicos, a Igreja e o Estado,
desde a campanha do general Humberto Delgado, em 1958, até à chegada ao
poder de Marcello Caetano (1969).
Em 1970 redigiu as obras «Pessoas Livres» e «É Preciso Nascer de
Novo». Nesta última Felicidade Alves reflete sobre o casamento, pouco
antes de tomar a decisão de se casar civilmente. Em 1 de agosto daquele
ano casou com Maria Elisete Alves, nas Caldas da Rainha.
Depois do 25 de abril de 1974, Felicidade Alves aderiu ao PCP,
partido em que se manteve até morrer. Nunca deixou de ser católico,
tivera de casar civilmente em 1970, mas pôde realizar o seu casamento
pela Igreja em 10 de junho de 1998, a poucos meses do seu falecimento
Foi na sequência de longo processo junto do Vaticano que o ato foi
celebrado pelo Cardeal Patriarca de então, D. José Policarpo.
A produção literária de José da Felicidade Alves é ampla e variada.
De entre as publicações de natureza teológica e pastoral avultam:
Católicos e Política (1969), Pessoas Livres (1970), É Preciso Nascer de
Novo (1970) e, sobretudo, Jesus de Nazaré (Livros Horizonte, 1994). Foi
também em Livros Horizonte que publicou a extensa bibliografia premiada
pela Academia Nacional de Belas Artes, que o fez académico em 1994.
Redigiu uma série de estudos originais sobre o Mosteiro dos Jerónimos
(três volumes publicados entre 1989 e 1994); coordenou e anotou a
coleção «Francisco de Holanda» (seis obras entre 1984 e 1989) e a
coleção «Cidade de Lisboa» (cinco obras, entre 1987 e 1990).
Afastado da Igreja, Felicidade Alves irá trabalhar em diversas
empresas, como o Anuário Comercial e a editora Livros Horizonte, e
prossegue a sua produção literária, publicando estudos de natureza
teológica e pastoral, mas também de carácter histórico: coordenou uma
coleção relativa à obra de Francisco de Holanda e uma outra edição de
textos históricos sobre a cidade de Lisboa. A sua atividade
bibliográfica foi premiada pela Academia Nacional de Belas Artes, que o
tornou seu académico em 1994.
Em 10 de junho de 1994, foi agraciado com a Comenda da Ordem da
Liberdade pelo então Presidente da República Mário Soares. No ano
seguinte recebeu o prémio Júlio de Castilho de Olisopografia, atribuído
pela Câmara Municipal de Lisboa.
José da Felicidade Alves morreu no dia 14 de dezembro de 1998, com 73 anos.