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sexta-feira, setembro 08, 2023

Alves dos Reis, o segundo mais famoso aldrabão português, nasceu há 126 anos

   
  
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de setembro de 1896Lisboa, 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.
   
 
Início
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar engenharia. Efetivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa comercial do pai faliu. Em 1916, emigrou para Angola, para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia, geologia, geometria, física, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia elétrica e mecânica, mecânica e física aplicadas, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das ações da companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.
  
Caso Ambaca
De volta a Lisboa em 1922, compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.
  
As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em 27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o seu contrato fosse validado pelos consulados da Inglaterra, da Alemanha e França. Traduziu o contrato em francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efetivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em 4 de dezembro de 1924, Marang explicou a Sir William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das discrições. O alegado objetivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. Cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang. Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama chapa 2, com a data de 17 de novembro de 1922. O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de 1925, curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500 escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole em Junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (atualmente o edifício em Lisboa do British Council) ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em joias e roupas caras para a sua mulher quando das estadias em Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma atriz holandesa. Compraram uns fantásticos Hispano-Suiza. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O objetivo de Alves dos Reis era afinal comprar ações, e conseguir controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925, diretamente ou através de diversos "testa-de-ferro", comprou sete mil ações do Banco de Portugal. No final de setembro já tinha nove mil ações, e no final de novembro dez mil. Seriam necessárias 45 mil ações para controlar o banco central.
   
Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafação dos bancos não detetaram nenhuma nota que parecesse falsa. A partir de 23 de novembro de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de O Século, o mais importante diário português de então. O que os jornalistas tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma tática alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia angolana.
A burla é publicamente revelada em 5 de dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspetor do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detetar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.
   
Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde 6 de dezembro de 1925 até 8 de maio de 1930. Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objetivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em maio de 1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu de ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em 9 de junho de 1957, sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11 meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os seus dias, muito rico, em Cannes.
     

quinta-feira, setembro 08, 2022

Alves dos Reis, um dos maiores burlões (não políticos) de sempre do nosso país, nasceu há 126 anos

(imagem daqui)
     
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de setembro de 1896Lisboa, 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.
   
 
Início
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar engenharia. Efectivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa comercial do pai faliu. Em 1916, emigrou para Angola, para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia, geologia, geometria, física, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia eléctrica e mecânica, mecânica e física aplicadas, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.
  
Caso Ambaca
De volta a Lisboa em 1922, compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.
  
As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em 27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o seu contrato fosse validado pelos consulados da Inglaterra, da Alemanha e França. Traduziu o contrato em francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efectivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em 4 de dezembro de 1924, Marang explicou a sir William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das discrições. O alegado objectivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. Cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang. Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama chapa 2, com a data de 17 de novembro de 1922. O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de 1925, curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500 escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole em Junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (actualmente o edifício em Lisboa do British Council) ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em jóias e roupas caras para a sua mulher quando das estadias em Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma actriz holandesa. Compraram uns fantásticos Hispano-Suiza. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O objectivo de Alves dos Reis era afinal comprar acções, e conseguir controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925, directamente ou através de diversos "testa-de-ferro", comprou sete mil acções do Banco de Portugal. No final de setembro já tinha nove mil acções, e no final de novembro dez mil. Seriam necessárias 45 mil acções para controlar o banco central.
   
Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafacção dos bancos não detectaram nenhuma nota que parecesse falsa. A partir de 23 de novembro de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de O Século, o mais importante diário português de então. O que os jornalistas tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma táctica alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia angolana.
A burla é publicamente revelada em 5 de dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.
   
Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde 6 de dezembro de 1925 até 8 de maio de 1930. Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em maio de 1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu de ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em 9 de junho de 1957, sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11 meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os seus dias, muito rico, em Cannes.
   

quarta-feira, agosto 24, 2022

Notícia triste para quem gosta de astronomia...

Famoso manuscrito de Galileu não passava de uma falsificação do século XX

   

   

O manuscrito era um dos bens mais preciosos da biblioteca da Universidade do Michigan, mas descobriu-se agora que era uma falsificação. Os especialistas suspeitam que o seu autor terá sido Tobia Nicotra, um famoso forjador italiano.

Desde 1938 que um dos objetos mais valiosos da biblioteca da Universidade do Michigan é um raro manuscrito de Galileu Galilei datado de 24 de agosto de 1609 e que estava relacionado com a sua famosa descoberta de que a Terra não estava no centro do Universo.

Galileu tinha primeiramente ouvido falar sobre um novo instrumento que “via coisas ao longe como se estivessem perto” e depois de ter ficado desiludido com a capacidade dos instrumentos disponíveis, decidiu arregaçar as mangas e construir o seu próprio telescópio, tendo até aprendido a fazer as suas lentes.

O manuscrito incluía o rascunho de uma carta onde Galileu descrevia a sua criação e desenhos sobre as posições das luas em torno de Júpiter.

No entanto, após uma investigação interna, a biblioteca concluiu agora que o documento é uma falsificação e que muito provavelmente partiu da habilidosa mão de um famoso forjador de documentos.

“Foi muito angustiante quando soubemos inicialmente que o nosso Galileu não era verdadeiramente um Galileu”, revela Donna L. Hayward, reitora interina da Universidade, ao The New York Times.

A denúncia partiu de Nick Wilding, um historiador da Universidade da Geórgia, que está a escrever uma biografia de Galileu e já descobriu outros trabalhos do astrónomo que eram forjados.

“Pareceu-me estranho. Isto são supostamente dois documentos diferentes que acontecem estar numa folha de papel. Por que é que têm a mesma cor castanha?”, explica. O historiador decidiu acabar de vez com estas suspeitas e contactou a biblioteca para pedir uma imagem da marca de água do manuscrito, que poderia indicar onde e quando o papel foi feito.

O documento apareceu pela primeira vez num leilão em 1934, tendo sido comprado por um empresário de Detroit, que o doou à Universidade do Michigan em 1938, após a sua morte.

Pablo Alvarez, um dos curadores da biblioteca, admite que temeu logo o pior quando viu o nome de Wilding no email, por já saber da sua reputação para a descoberta de documentos forjados.

Wilding começou por descobrir que os arquivos italianos não tinham qualquer registo da existência deste manuscrito, mas foi mesmo a marca de água, composta por um círculo com um trevo de três folhas e o monograma “AS/BMO”, que acabou por ser a pista que resolveu o mistério.

A leiloeira que vendeu o manuscrito alegava que a sua autenticidade tinha sido verificada pelo Cardeal Pietro Maffi, que morreu em 1931 e o terá comparado a dois outros documentos autografados por Galileu na sua coleção.

Wilding descobriu que esses dois documentos tinham sido dados ao Cardeal por Tobia Nicotra, um italiano oriundo de Milão que era famoso pelo seu talento para falsificar documentos. “Quando ouvi o nome Nicotra, o meu sexto sentido começou a formigar”, revela.

E não era para menos. Nicotra foi várias vezes descrito pelos seus contemporâneos como o forjador mais inteligente até então conhecido. Não se sabe muito sobre a sua vida, mas terá começado a vender documentos falsos nos anos 20, supostamente para conseguir dinheiro para sustentar a sua esposa e as sete amantes que tinha.

Terá sido o autor de entre 500 e 600 documentos falsos e Galileu Galilei esteve longe de ser o seu único alvo, já que Nicotra também criou manuscritos forjados atribuídos a outras figuras como Cristóvão Colombo, George Washington, Martinho Lutero, Mozart ou Leonardo da Vinci. O seu talento para a falsificação acabou por lhe sair caro, já que foi condenado a dois anos de prisão a 9 de novembro de 1934.

Apesar de o papel e a tinta do manuscrito parecerem genuínos e serem contemporâneos de Galileu, o historiador descobriu que o “BMO” se referia à cidade italiana de Bérgamo e que a marca de água coincidia com documentos datados de 1790 — 150 anos depois de Galileu ter feito as descobertas, o que acabou por ser o último prego no caixão que enterrou as esperanças de o documento ser verdadeiro.

A revelação foi dececionante, mas a biblioteca prefere ver o lado positivo: “No futuro, pode servir para a investigação, aprendizagem e ensino na área das falsificações, uma disciplina intemporal que nunca foi tão relevante“.

 

 in ZAP

quarta-feira, setembro 08, 2021

Alves dos Reis, o segundo mais famoso aldrabão português, nasceu há 125 anos...!

   
  
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de setembro de 1896Lisboa, 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.
   
 
Início
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar engenharia. Efectivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa comercial do pai faliu. Em 1916, emigrou para Angola, para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia, geologia, geometria, física, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia eléctrica e mecânica, mecânica e física aplicadas, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.
  
Caso Ambaca
De volta a Lisboa em 1922, compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.
  
As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em 27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o seu contrato fosse validado pelos consulados da Inglaterra, da Alemanha e França. Traduziu o contrato em francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efectivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em 4 de dezembro de 1924, Marang explicou a sir William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das discrições. O alegado objectivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. Cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang. Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama chapa 2, com a data de 17 de novembro de 1922. O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de 1925, curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500 escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole em Junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (actualmente o edifício em Lisboa do British Council) ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em jóias e roupas caras para a sua mulher quando das estadias em Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma actriz holandesa. Compraram uns fantásticos Hispano-Suiza. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O objectivo de Alves dos Reis era afinal comprar acções, e conseguir controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925, directamente ou através de diversos "testa-de-ferro", comprou sete mil acções do Banco de Portugal. No final de setembro já tinha nove mil acções, e no final de novembro dez mil. Seriam necessárias 45 mil acções para controlar o banco central.
   
Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafacção dos bancos não detectaram nenhuma nota que parecesse falsa. A partir de 23 de novembro de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de O Século, o mais importante diário português de então. O que os jornalistas tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma táctica alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia angolana.
A burla é publicamente revelada em 5 de dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.
   
Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde 6 de dezembro de 1925 até 8 de maio de 1930. Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em maio de 1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu de ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em 9 de junho de 1957, sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11 meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os seus dias, muito rico, em Cannes.
   

quinta-feira, setembro 03, 2020

Um dos maiores burlões (não políticos) de sempre do nosso país nasceu há 122 anos

(imagem daqui)
   
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 3 de setembro de 1898 - 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.
  
Início
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar engenharia. Efectivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa comercial do pai faliu. Em 1916, emigrou para Angola, para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia, geologia, geometria, física, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia eléctrica e mecânica, mecânica e física aplicadas, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.
  
Caso Ambaca
De volta a Lisboa em 1922, compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.
  
As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em 27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o seu contrato fosse validado pelos consulados da Inglaterra, da Alemanha e França. Traduziu o contrato em francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efectivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em 4 de dezembro de 1924, Marang explicou a sir William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das discrições. O alegado objectivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. Cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang. Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama chapa 2, com a data de 17 de novembro de 1922. O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de 1925, curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500 escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole em Junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (actualmente o edifício em Lisboa do British Council) ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em jóias e roupas caras para a sua mulher quando das estadias em Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma actriz holandesa. Compraram uns fantásticos Hispano-Suiza. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O objectivo de Alves dos Reis era afinal comprar acções, e conseguir controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925, directamente ou através de diversos "testa-de-ferro", comprou sete mil acções do Banco de Portugal. No final de setembro já tinha nove mil acções, e no final de novembro dez mil. Seriam necessárias 45 mil acções para controlar o banco central.
   
Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafacção dos bancos não detectaram nenhuma nota que parecesse falsa. A partir de 23 de novembro de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de O Século, o mais importante diário português de então. O que os jornalistas tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma táctica alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia angolana.
A burla é publicamente revelada em 5 de dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.
   
Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde 6 de dezembro de 1925 até 8 de maio de 1930. Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em Maio de 1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu de ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em 9 de junho de 1957, sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11 meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os seus dias, muito rico, em Cannes.
   

domingo, setembro 08, 2019

Alves dos Reis nasceu há 123 anos

   
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de setembro de 1896Lisboa, 9 de junho de 1955) foi um criminoso português. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925. Além disso, também falsificou documentos de ensinos politécnicos do estrangeiro, comprou ações de forma ilegal, além de também ter passado cheques sem provisão.
  

segunda-feira, setembro 03, 2018

Um dos maiores burlões (não políticos) de sempre nasceu há 120 anos

(imagem daqui)
  
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 3 de setembro de 1898 - 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.
  
Início
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar engenharia. Efectivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa comercial do pai faliu. Em 1916, emigrou para Angola, para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia, geologia, geometria, física, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia eléctrica e mecânica, mecânica e física aplicadas, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.
  
Caso Ambaca
De volta a Lisboa em 1922, compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.
  
As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em 27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o seu contrato fosse validado pelos consulados da Inglaterra, da Alemanha e França. Traduziu o contrato em francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efectivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em 4 de dezembro de 1924, Marang explicou a sir William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das discrições. O alegado objectivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. Cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang. Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama chapa 2, com a data de 17 de novembro de 1922. O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de 1925, curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500 escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole em Junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (actualmente o edifício em Lisboa do British Council) ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em jóias e roupas caras para a sua mulher quando das estadias em Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma actriz holandesa. Compraram uns fantásticos Hispano-Suiza. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O objectivo de Alves dos Reis era afinal comprar acções, e conseguir controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925, directamente ou através de diversos "testa-de-ferro", comprou sete mil acções do Banco de Portugal. No final de setembro já tinha nove mil acções, e no final de novembro dez mil. Seriam necessárias 45 mil acções para controlar o banco central.
  
Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafacção dos bancos não detectaram nenhuma nota que parecesse falsa. A partir de 23 de novembro de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de O Século, o mais importante diário português de então. O que os jornalistas tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma táctica alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia angolana.
A burla é publicamente revelada em 5 de dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.
  
Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde 6 de dezembro de 1925 até 8 de maio de 1930. Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em Maio de 1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu de ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em 9 de junho de 1957, sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11 meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os seus dias, muito rico, em Cannes.
  

quarta-feira, setembro 03, 2014

Alves dos Reis nasceu há 116 anos

(imagem daqui)
 
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 3 de setembro de 1898 - 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.

terça-feira, setembro 03, 2013

Um dos maiores burlões (não políticos) de sempre do nosso país nasceu há 115 anos

(imagem daqui)

Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 3 de setembro de 1898 - 9 de julho de 1955) foi certamente o maior burlão da história portuguesa até ao surgimento do Caso BPN e, possivelmente, um dos maiores do Mundo. Foi o cabecilha da maior falsificação de notas de banco da História: as notas de 500 escudos, efígie Vasco da Gama, em 1925.

Início
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar engenharia. Efectivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa comercial do pai faliu. Em 1916, emigrou para Angola, para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia, geologia, geometria, física, metalurgia, matemática pura, paleografia, engenharia eléctrica e mecânica, mecânica e física aplicadas, engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral, design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.

Caso Ambaca
De volta a Lisboa em 1922, compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no Porto, em julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.

As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em 27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de António Bandeira, o embaixador português em Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira, obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o seu contrato fosse validado pelos consulados da Inglaterra, da Alemanha e França. Traduziu o contrato em francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efectivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em 4 de dezembro de 1924, Marang explicou a sir William Waterlow que, por razões políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas deveriam ser feitos com a maior das discrições. O alegado objectivo das notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de Angola. Cartas do Banco de Portugal para a Waterlow & Sons Limited foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang. Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500 escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama chapa 2, com a data de 17 de novembro de 1922. O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de 1925, curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500 escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel Marang e ligações ao cônsul da Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro fundou o Banco de Angola e Metrópole em Junho de 1925. Para obter o alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras falsificações. Investiu na bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (actualmente o edifício em Lisboa do British Council) ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em jóias e roupas caras para a sua mulher quando das estadias em Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma actriz holandesa. Compraram uns fantásticos Hispano-Suiza. Tentou também comprar o Diário de Notícias.
O objectivo de Alves dos Reis era afinal comprar acções, e conseguir controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925, directamente ou através de diversos "testa-de-ferro", comprou sete mil acções do Banco de Portugal. No final de setembro já tinha nove mil acções, e no final de novembro dez mil. Seriam necessárias 45 mil acções para controlar o banco central.

Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os especialistas de contrafacção dos bancos não detectaram nenhuma nota que parecesse falsa. A partir de 23 de novembro de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de O Século, o mais importante diário português de então. O que os jornalistas tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma táctica alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia angolana.
A burla é publicamente revelada em 5 de dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a 6 de dezembro, quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.

Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde 6 de dezembro de 1925 até 8 de maio de 1930. Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude, tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi libertado em Maio de 1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu de ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em 9 de junho de 1957, sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11 meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os seus dias, muito rico, em Cannes.