Filho de uma família modesta (o pai era
cangalheiro, tinha problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente) Alves Reis quis estudar
engenharia.
Efetivamente, começou o primeiro ano do curso, mas abandonou-o para
casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que a casa
comercial do pai faliu. Em
1916, emigrou para
Angola,
para tentar fazer fortuna e assim escapar às humilhações que lhe eram
impostas pela abastada família de Luísa, devido à diferença de condição
social. Começa como funcionário público nas obras públicas de esgotos.
Para ir para Angola, fez-se passar por engenheiro, depois de ter falsificado diploma de
Oxford, aliás de uma escola politécnica de engenharia que nem sequer existia: a
Polytechnic School of Engineering. De acordo com esse diploma falsificado, teria estudos de ciência da engenharia,
geologia,
geometria,
física,
metalurgia,
matemática pura,
paleografia,
engenharia elétrica e
mecânica,
mecânica e
física aplicadas,
engenharia civil geral, engenharia civil e mecânica, engenharia geral,
design mecânico e civil. Ou seja, quase tudo.
Com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das ações da companhia dos
Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola, em
Moçâmedes. Tornou-se rico e ganhou prestígio.
Caso Ambaca
De volta a Lisboa em
1922,
compra uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tenta
apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem
cobertura e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os
cheques sobre a sua conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente
de 100 mil
dólares americanos.
Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de Angola.
No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso
no
Porto, em julho de
1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de armas.
As notas Vasco da Gama
Foi durante o tempo da prisão (só esteve preso 54 dias e foi libertado em
27 de agosto de 1924, por pormenores processuais) que concebeu o seu plano mais ousado. A sua ideia era falsificar um contrato em nome do
Banco de Portugal,
o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição
parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas
impressas numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Em 1924, Alves dos Reis contactou vários cúmplices e outros
colaboradores de boa-fé para pôr o seu plano em marcha. Entre os seus
cúmplices e colaboradores encontrava-se o financeiro
holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião
alemão;
Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e especialmente José
Bandeira. Um pormenor importante era que José Bandeira era irmão de
António Bandeira, o
embaixador português em
Haia.
Alves dos Reis preparou um contrato fictício e conseguiu que este
contrato fosse reconhecido notarialmente. Através de José Bandeira,
obteve também a assinatura de António Bandeira. Conseguiu ainda que o
seu contrato fosse validado pelos consulados da
Inglaterra, da Alemanha e
França. Traduziu o contrato em
francês e falsificou assinaturas da administração do Banco de Portugal.
Através de Karel Marang, dirigiu-se a uma empresa de papel-moeda holandesa, mas esta remeteu-os para a empresa
britânica Waterlow & Sons Limited de Londres, que era efetivamente a casa impressora do Banco de Portugal. Em
4 de dezembro
de 1924, Marang explicou a
Sir William Waterlow que, por razões
políticas, todos os contactos ligados à impressão das novas notas
deveriam ser feitos com a maior das descrições. O alegado objetivo das
notas era conceder um grande empréstimo para o desenvolvimento de
Angola. Cartas do Banco de Portugal para a
Waterlow & Sons Limited
foram também falsificadas por Alves dos Reis. William Waterlow
escreveu uma carta confidencial ao governador do Banco de Portugal
Inocêncio Camacho Rodrigues em que referia os contactos com Marang.
Mas, aparentemente, a carta extraviou-se.
No caderno de encargos de impressão das notas, estipulava-se que estas viriam a ter posteriormente a sobrecarga Angola
dado que, como se disse acima, alegadamente se destinariam a circular
aí. Por essa razão, as notas tinham números de série de notas já em
circulação em Portugal.
Waterlow & Sons Limited imprimiu assim 200 mil notas de valor nominal 500
escudos (no total quase 1% do PIB português de então), efígie
Vasco da Gama chapa 2, com a data de
17 de novembro de
1922.
O número total de notas falsas de 500 escudos era quase tão elevado
como o de notas legítimas. A primeira entrega teve lugar em fevereiro de
1925,
curiosamente cerca de um ano depois das notas verdadeiras de 500
escudos, efígie Vasco da Gama terem começado a circular. As notas
passavam de Inglaterra a Portugal, com a ajuda dos seus cúmplices, José
Bandeira, que utilizava as vantagens diplomáticas de seu irmão, Karel
Marang e ligações ao cônsul da
Libéria em Londres.
Alves dos Reis, embora o mentor da fraude e o falsificador de todos os
documentos, ficava só com 25% das notas. Ainda assim, com esse dinheiro
fundou o Banco de Angola e Metrópole, em junho de 1925. Para obter o
alvará de abertura deste banco, recorreu também a diversas outras
falsificações. Investiu na
bolsa de valores e no mercado de câmbios. Comprou também o Palácio do Menino de Ouro (atualmente o edifício em Lisboa do
British Council)
ao milionário Luís Fernandes. Adquiriu três quintas e uma frota de
táxis. Além disso, gastou uma avultadíssima soma em joias e roupas caras
para a sua mulher quando das estadias em
Paris no Hotel Claridge, e para a amante de José Bandeira, Fie Carelsen, uma atriz holandesa. Compraram uns fantásticos
Hispano-Suiza. Tentou também comprar o
Diário de Notícias.
O objetivo de Alves dos Reis era afinal comprar ações, e conseguir
controlar o próprio Banco de Portugal, de forma a cobrir as
falsificações e abafar qualquer investigação. Durante o verão de 1925,
diretamente ou através de diversos "
testa-de-ferro",
comprou sete mil ações do Banco de Portugal. No final de setembro já
tinha nove mil ações, e no final de novembro dez mil. Seriam
necessárias 45 mil ações para controlar o banco central.
Descoberta da burla
Ao longo de 1925 começaram a surgir rumores de notas falsas, mas os
especialistas de contrafação dos bancos não detetaram nenhuma nota que
parecesse falsa. A partir de
23 de novembro
de 1925, Alves dos Reis e os negócios pouco transparentes do Banco de
Angola e Metrópole começam a atrair a curiosidade dos jornalistas de
O Século,
o mais importante diário português de então. O que os jornalistas
tentavam perceber era como era possível que o Banco de Angola e
Metrópole concedesse empréstimos a taxas de juro baixas, sem precisar de
receber depósitos. Inicialmente pensou-se que se tratava de uma
tática alemã para perturbar o país e obter vantagens junto da colónia
angolana.
A burla é publicamente revelada em
5 de dezembro de 1925 nas páginas de
O Século.
No dia anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto um inspetor
do Conselho do Comércio Bancário, João Teixeira Direito, para investigar
os vultosos depósitos pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de
500$00 novas na firma cambista Pinto da Cunha. Só a altas horas
conseguem detetar uma nota duplicada, com o mesmo número de série, nos
cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole. Depois, como
são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as notas em
cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais
notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da
Waterlow & Sons Limited. Alves dos Reis é preso a
6 de dezembro,
quando se encontrava a bordo do "Adolph Woerman" ao regressar de
Angola. Tinha 28 anos no momento da prisão. Adolph Hennies, que estava
consigo, fugiu. A maior parte dos seus associados foram também presos.
Julgamento
Alves dos Reis esteve preso, aguardando julgamento, desde
6 de dezembro de 1925 até
8 de maio de
1930.
Durante esse tempo conseguiu convencer um juiz de instrução que a
própria administração do Banco de Portugal estava implicada na fraude,
tendo falsificado documentos na prisão e tentado suicidar-se.
Foi finalmente julgado em Lisboa no Tribunal de Santa Clara, em maio de
1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em
alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu
objetivo era simplesmente desenvolver Angola. Na prisão, converteu-se
ao
protestantismo. Foi libertado em maio de
1945. Foi-lhe oferecido um emprego de empregado bancário; recusou. Ainda veio a ser condenado por uma burla de venda de
café de Angola, mas já não cumpre a pena. Morreu, de
ataque cardíaco, em 9 de junho de 1955, pobre.
José Bandeira teve idêntica condenação. Morreu em
9 de junho de
1957,
sem fortuna. Hennies fugiu para Alemanha. Reapareceu mais tarde, sob o
seu verdadeiro nome, Hans Döring. Morreu em 1957, sem fortuna. Karel
Marang foi preso e julgado na sua Holanda natal, mas sentenciado a 11
meses de cadeia. Posteriormente, naturalizou-se francês e terminou os
seus dias, muito rico, em
Cannes.