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quinta-feira, maio 09, 2024

Baptista-Bastos morreu há sete anos...


Armando Baptista-Bastos (Lisboa, 27 de fevereiro de 1933 – Lisboa, 9 de maio de 2017) foi um jornalista e escritor português

 
Biografia
Nascido no Bairro da Ajuda, ficou órfão de mãe precocemente, aos seis anos de idade. A profissão do pai, tipógrafo - viria a ser chefe de tipografia em O Século - despertará em Baptista-Bastos um interesse pela imprensa e, reflexamente, pela literatura, que o acompanhará pela vida fora. Contudo, na infância, Baptista-Bastos aspirava tornar-se arquiteto, tendo frequentado com esse intuito a Escola de Artes Decorativas António Arroio, em Lisboa. Também estudou francês no Liceu Francês Charles Lepierre.
Aos 14 anos publicou os seus primeiros contos na secção infantil do Diário Popular. Aos 19 entrou como estagiário para a redação d' O Século, instituição conhecida à época no meio da imprensa por «universidade» do jornalismo. O chefe de redação, Acúrsio Pereira foi decisivo nos primeiros anos de Baptista-Bastos como jornalista, fazendo-o trabalhar em rotatividade em todas as secções do jornal. Em 1953 tornou-se subchefe de redação da revista O Século Ilustrado, assinando uma coluna de crítica, comentário de cinema, e iniciando, assim, um estilo jornalístico próprio, inovador, mas frequentemente tido como controverso e polémico.
Baptista-Bastos participou na Revolta da Sé em 1959, e embora não tenha sido sequer julgado, foi despedido d'O Século em abril de 1960, dada a inconveniência para o jornal em manter um opositor declarado do regime salazarista na sua redação. Desempregado e sob o controlo da polícia política, chegou a pensar exilar-se em Paris, mas conseguiu subsistir, na clandestinidade. Sob o pseudónimo de Manuel Trindade, redigiu notícias para a RTP e colaborou em diversos documentários da estação pública, realizados por Fernando Lopes (Cidade das Sete Colinas, Os Namorados de Lisboa, Este século em que vivemos) e Baptista Rosa (O Forcado, a que ficaria associada a imagem de Augusto Cabrita e a música Scketchs of Spain, de Miles Davies).
Em fevereiro de 1962, Baptista-Bastos vai com Fernando Lopes durante um mês para a Ericeira, para fazer a adaptação do romance Domingo à tarde, de Fernando Namora. Foi lá que escreveu a primeira versão do seu primeiro livro de ficção, O Secreto Adeus, uma crítica ao jornalismo que existia na altura. A associação a Fernando Lopes levaria ainda Baptista-Bastos a colaborar com o realizador no primeiro filme da autoria deste, Belarmino, obra-chave do Cinema Novo Português, como autor da entrevista a Belarmino Fragoso.
Proibido de colaborar na RTP por ordem direta do diretor do Secretariado Nacional de Informação, César Moreira Baptista, ficou mais uma vez no desemprego, passando sazonalmente pela redação da Agence France Press, em Lisboa. Pouco tempo depois, entrou para o jornal República. No entanto, resolveu aceitar o convite de Raúl Solnado, que então procurava lançar-se como ator no Brasil, e que tinha sido contratado pela TV Rio, e acompanhá-lo na qualidade de seu secretário. Por coincidência, quando o jornalista chegou ao Brasil deu-se o golpe militar contra o presidente Goulart, fazendo Batista-Bastos a cobertura dos acontecimentos subsequentes, redigindo notícias para o jornal República, que nunca chegarão a ser publicadas, por impedimento da censura.
Volvidos oito meses, de regresso a Portugal, Baptista-Bastos regressa ao República, mas não por muito tempo, pois é convidado para integrar o Diário Popular. Neste matutino irá permanecer por cerca de duas décadas, mais precisamente, 23 anos, desde 1965 até 1988, ficando para sempre associado a este jornal, onde assinou centenas de peças, entre reportagens, entrevistas e crónicas. Foi também aí que teve oportunidade de viajar e escrever sobre Portugal e muitos outros países europeus, americanos, africanos, e contactar e entrevistar inúmeras personalidades, da política, à cultura e ao desporto, mas sem deixar de revelar a opinião e o sentimento do povo anónimo.
Fez ainda parte das redações do Europeu, de João Soares Louro, e de O Diário, bem como das revistas Almanaque, Gazeta Musical e Todas as Artes, Época e Sábado.
Como cronista, teve igualmente uma extensa colaboração; com o Jornal de Notícias, A Bola, Diário de Notícias, Jornal de Negócios e a revista Tempo Livre, editada pelo INATEL. Também na rádio leu as suas crónicas na Antena 1 e na Rádio Comercial.
Foi um dos fundadores do semanário O Ponto, periódico onde registou uma série de entrevistas semanais, entre outros textos e reportagens, posteriormente editadas no livro O Homem em Ponto.
Apresentou na televisão o programa de entrevistas Conversas Secretas, emitido na SIC. A convite do jornal Público, realizou também uma série de 16 célebres entrevistas, com o título «Onde é que você estava no 25 de Abril?», posteriormente editadas em CD-ROM, uma pergunta que se tornou icónica da imagem de Baptista-Bastos e recorrente em entrevistas de caráter biográfico, por outros jornalistas.
Faleceu a 9 de maio de 2017, aos 84 anos de idade, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde se encontrava internado há várias semanas.
  

sábado, maio 04, 2024

Carl von Ossietzky morreu há 86 anos...


 

Foi agraciado com o Nobel da Paz em 1935. Morreu de tuberculose, num campo de concentração nazi, por ser pacifista e ser contra os interesses do regime.

Em 1912, Ossietzky juntou-se à sociedade alemã de paz, mas foi conscrito no exército e serviu durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1920 tornou-se secretário da sociedade, em Berlim. Ossietzky ajudou a fundar a organização Nie Wieder Krieg (Chega de Guerra), em 1922 e tornou-se editor do Weltbühne, um semanário político liberal, em 1927, onde numa série de artigos desmascarou preparativos secretos dos líderes do Reichswehr (exército alemão) para o rearmamento. Acusado de traição, Ossietzky foi condenado em novembro de 1931 a prisão por 18 meses , mas foi-lhe concedida amnistia em dezembro de 1932.

Ossietzky era contra o militarismo alemão e o extremismo político de esquerda ou de direita. Quando Adolf Hitler chegou a Chanceler da Alemanha, em janeiro de 1933, Ossietzky tinha retomado  a sua direção, em que atacou intransigentemente os nazis. Firmemente, recusando-se a fugir da Alemanha, ele foi preso em 28 de fevereiro de 1933 e enviado para um campo de concentração em Esterwegen-Papenburg. Depois de três anos de prisão e tortura, Ossietzky foi transferido em maio de 1936 para um hospital da prisão em Berlim pelo governo alemão.

Em 24 de novembro de 1936, Ossietzky recebeu o Prémio Nobel da Paz de 1935, enquanto estava detido. O prémio foi interpretado como uma expressão de censura aos nazis em todo o mundo. Hitler considerou a atribuição do prémio a Ossietzky como um ato ofensivo e a sua resposta foi um decreto proibindo os alemães de aceitar qualquer Prémio Nobel. Morreu de tuberculose em 4 de maio de 1938, ainda preso, num Hospital de Berlim, sem ter recebido o valor do prémio, que desapareceu nas mãos de um advogado de Berlim.

 
  



  
  
À morte de um lutador pela paz
(in memoriam de Carl von Ossietzky)
   
  

O que não se rendeu
Foi abatido
O que foi abatido
Não se rendeu.
 
A boca que admoestava
Foi tapada por terra.
A aventura sangrenta
Começa.
Sobre a cova do amigo da paz
Calcam os batalhões.
 
Foi então vã a luta?
 
Se aquele que não lutou sozinho, foi abatido,
O inimigo
Inda não venceu. 

 
 
 
Bertold Brecht

segunda-feira, abril 29, 2024

Fernando Pessa deixou-nos há vinte e dois anos...

(imagem daqui)

Fernando Luís de Oliveira Pessa (Vera Cruz, Aveiro, 15 de abril de 1902 - Lisboa, 29 de abril de 2002) foi o mais idoso jornalista português.
  
(...)
  
Depois da notoriedade enquanto repórter de guerra na BBC, realizou a primeira emissão em direto da RTP, em 7 de março de 1957, na Feira Popular de Lisboa. Entrou para os quadros da RTP apenas a 1 de janeiro de 1976, já com 74 anos.
A célebre expressão “E esta, hein?” marcou a sua carreira como repórter televisivo. A expressão surgiu como substituto dos palavrões que tinha vontade de dizer quando denunciava situações menos agradáveis do quotidiano do país nos seus "bilhetes postais". Neste contexto, era por vezes criticado por privilegiar nas suas sátiras os políticos cuja ideologia não partilhava, poupando em geral os que pudessem ser conotados com a esquerda.
Pelo seu trabalho como correspondente da Segunda Guerra Mundial, Fernando Pessa foi distinguido com a Ordem do Império Britânico. E, em Portugal, a 10 de junho de 1981, o Presidente da República, Ramalho Eanes, atribui-lhe o título de comendador.

Reformou-se em 1995, com 93 anos de idade. Fernando Pessa faleceu a 29 de abril de 2002, no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, poucos dias depois de completar cem anos.

segunda-feira, abril 15, 2024

Fernando Pessa nasceu há 122 anos...

(imagem daqui)
  
Fernando Luís de Oliveira Pessa (Vera Cruz, Aveiro, 15 de abril de 1902 - Lisboa, 29 de abril de 2002) foi o mais velho jornalista português no ativo.
A mãe era natural de São Tomé. O pai era médico militar mas, devido à falta de dinheiro, pediu licença do exército e partiu para a colónia de São Tomé e Príncipe, deixando a mulher e os três filhos em Portugal.
Fernando Pessa viveu em Aveiro até aos dois anos. Foi em Penela, vila do distrito de Coimbra, que o jornalista recebeu a instrução primária. Fez o exame da 4ª classe em 1911, em Coimbra, onde viveu até 1921.
Concluídos os estudos secundários, em que se preparara para os exames de admissão à "Escola de Guerra", tentou o ingresso na carreira militar como oficial de Cavalaria. Porém, como resultado da Primeira Guerra Mundial, havia oficiais em excesso e só era admitido quem frequentasse o Colégio Militar de Lisboa.
Antes de embarcar na carreira jornalística, trabalhou numa companhia de seguros e num banco, ainda em Coimbra, onde esteve pouco tempo. Em 1926 foi trabalhar para outra companhia de seguros, no Brasil, de onde regressou em 1934.
Em 1934 candidatou-se aos quadros da recém criada Emissora Nacional, tendo ficado classificado em segundo lugar e, como gostava de sublinhar, “sem cunhas”. Iniciou, assim, uma carreira que nunca tinha pensado seguir. E assim transformou-se no primeiro locutor da Emissora Nacional.
Com uma semana de rádio, Pessa fez a sua primeira reportagem: a cobertura de um festival de acrobacia área na antiga Porcalhota, atual Amadora.
Após quatro anos na Emissora Nacional, foi convidado para trabalhar na BBC, em Londres. Começou por trabalhar com sotaque na secção brasileira e só quando um colega português adoeceu foi chamado para ler o noticiário. Neste ambiente sofreu os bombardeamentos alemães sobre Londres e se profissionalizou e notabilizou como correspondente durante a Segunda Guerra Mundial.
A censura e a restrição das liberdades civis da ditadura de António de Oliveira Salazar acabaram por contribuir para o crescendo de popularidade das transmissões em português da BBC.
Conheceu a sua esposa, Simone Alice Roufier, uma brasileira de ascendência inglesa e norte-americana, em Londres. Casou-se em 1947, no novo regresso a Portugal.
No regresso a Lisboa, em 1947, a sua reentrada na rádio Emissora Nacional foi vedada por influência do regime, sendo forçado a voltar ao ramo dos seguros. Nesta época também fez dobragens de filmes e documentários, nomeadamente O Último Temporal - Cheias do Tejo e Portugal já faz automóveis, do cineasta Manoel de Oliveira. Acabou por participar do Plano Marshall de ajuda económica à Europa, quando Portugal se envolveu.
Depois da notoriedade enquanto repórter de guerra na BBC, realizou a primeira emissão em direto da RTP, em 7 de março de 1957, na Feira Popular de Lisboa.
Entrou para os quadros da RTP apenas a 1 de janeiro de 1976, já com 74 anos.
A célebre expressão “E esta, hein?” marcou a sua carreira como repórter televisivo. A expressão surgiu como substituto dos palavrões que tinha vontade de dizer quando denunciava situações menos agradáveis do quotidiano do país nos seus "bilhetes postais". Neste contexto, era por vezes criticado por privilegiar nas suas sátiras os políticos cuja ideologia não partilhava, poupando em geral os que pudessem ser conotados com a esquerda.
Pelo seu trabalho como correspondente da Segunda Guerra Mundial, Fernando Pessa foi distinguido com a Ordem do Império Britânico. E, em Portugal, a 10 de junho de 1981, o Presidente da República, Ramalho Eanes, atribui-lhe o título de da Ordem do Infante D. Henrique.
Reformou-se em 1995, com 93 anos de idade.
Fernando Pessa faleceu a 29 de abril de 2002, no Hospital Curry Cabral, em Lisboa, poucos dias depois de completar 100 anos.
      

sábado, abril 13, 2024

Eduardo Galeano morreu há nove anos...



Eduardo Hughes Galeano (Montevidéu, 3 de setembro de 1940 – Montevidéu, 13 de abril de 2015) foi um jornalistaescritor uruguaio. Foi o autor de mais de 40 livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. As suas obras transcendem géneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História. Galeano é considerado um dos principais expoentes do Antiamericanismo e Anticapitalismo na América Latina no Século XX.

 

in Wikipédia

 

ESTRANGEIRO

 

Num jornal do bairro do Raval, em Barcelona, uma mão anónima escreveu:

O teu deus é judeu, a tua música é negra, o teu carro é japonês, a tua pizza é italiana, o teu gás é argelino, a tua democracia é grega, os teus números são árabes, as tuas letras são latinas.

Eu sou teu vizinho. E ainda me chamas estrangeiro?

 

 Eduardo Galeano

sexta-feira, março 08, 2024

João de Deus, poeta e pedagogo, nasceu há 194 anos

  
João de Deus de Nogueira Ramos (São Bartolomeu de Messines, 8 de março de 1830 - Lisboa, 11 de janeiro de 1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico e pedagogo, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objeto das mais variadas homenagens. Foi considerado o poeta do amor e encontra-se sepultado no Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa.
    

 

Melancolia

 

Oh dôce luz! oh lua!
Que luz suave a tua,
E como se insinua
Em alma que fluctua
De engano em desengano!
   Oh creação sublime!
A tua luz reprime
As tentações do crime,
E á dôr que nos opprime
Abres-lhe um oceano!

É esse céo um lago,
E tu, reflexo vago
D'um sol, como o que eu trago
No seio, onde o afago,
No seio, onde o aperto?
   Oh luz orphã do dia!
Que mystica harmonia
Ha n'essa luz tão fria,
E a sombra que me guia
N'este areal deserto!

Embora as nuvens trajem
De dia outra roupagem,
O sol, de que és imagem,
Não tem essa linguagem
Que encanta, que namora!
   Fita-te a gente, estuda,
(Sem mêdo que se illuda)
Essa linguagem muda...
O teu olhar ajuda...
E a gente sente e chora!

Ah! sempre que descrevas
A orbita que levas,
Confia-me o que escrevas
De quanto vês nas trevas,
Que a luz do sol encobre!
   As victimas, que escutas,
De traças mais astutas
Que as d'essas féras brutas...
E as lastimas, as luctas
Da orphã e do pobre!

 

João de Deus

Poesia (cantada...) adequado à data...

 

 

 

LÁGRIMA CELESTE

 

Lágrima celeste,

pérola do mar,

tu que me fizeste

para me encantar!

 

Ah! se tu não fosses

lágrima do céu,

lágrimas tão doces

não chorava eu.

 

Se eu nunca te visse,

bonina do vale,

talvez não sentisse

nunca amor igual.

 

Pomba debandada,

que é dos filhos teus?

Luz da madrugada,

luz dos olhos meus!

 

Meu suspiro eterno,

meu eterno amor,

de um olhar mais terno

que o abrir da flor.

 

Quando o néctar chora

que se lhe introduz

ao romper da aurora

e ao raiar da luz!

 

Esta voz te enleve,

este adeus lá soe,

o Senhor to leve

e Deus te abençoe.

 

O Senhor te diga

se te adoro ou não,

minha doce amiga

do meu coração!

 

Se de ti me esqueço

ou já me esqueci,

ou se mais lhe peço

do que ver-te a ti!

 

A ti, que amo tanto

como a flor a luz,

como a ave o canto,

e o Cordeiro a Cruz;

 

A campa o cipreste,

a rola o seu par,

lágrima celeste,

pérola do mar.

 

Lágrima celeste,

pérola do mar,

tu que me fizeste

para me encantar?

 


in Campo de Flores (1868) - João de Deus

terça-feira, fevereiro 20, 2024

Vitorino Nemésio morreu há 46 anos...

Obra artística realizada na Escola Secundária Vitorino Nemésio
 
Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (Praia da Vitória, 19 de dezembro de 1901 - Lisboa, 20 de fevereiro de 1978) foi um poeta, escritor e intelectual de origem açoriana que se destacou como romancista, autor de Mau Tempo no Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
  
Biografia
Filho de Vitorino Gomes da Silva e Maria da Glória Mendes Pinheiro, na infância a vida não lhe correu bem em termos de sucesso escolar, uma vez que foi expulso do Liceu de Angra e reprovou no 5.º ano, facto que o levou a sentir-se incompreendido pelos professores. Do período do Liceu de Angra, apenas guardou boas recordações de Manuel António Ferreira Deusdado, professor de História, que o introduziu na vida das Letras.
Com 16 anos de idade, Nemésio desembarcou pela primeira vez na cidade da Horta para se apresentar a exames, como aluno externo do Liceu Nacional da Horta. Acabou por concluir o Curso Geral dos Liceus, em 16 de julho de 1918, com a qualificação de dez valores.
A sua estadia na Horta foi curta, de maio a agosto de 1918. A 13 de agosto o jornal O Telégrafo dava notícia de que Nemésio, apesar de ser um fedelho, um ano antes de chegar à Horta, havia enviado um exemplar de Canto Matinal, o seu primeiro livro de poesia (publicado em 1916), ao diretor de O Telégrafo, Manuel Emídio.
Apesar da tenra idade, Nemésio chegou à Horta já imbuído de alguns ideais republicanos, pois em Angra do Heroísmo já havia participado em reuniões literárias, republicanas e anarco-sindicalistas, tendo sido influenciado pelo seu amigo Jaime Brasil, cinco anos mais velho (primeiro mentor intelectual que o marcou para sempre) e por outras pessoas tal como Luís da Silva Ribeiro, advogado, e Gervásio Lima, escritor e bibliotecário.
Em 1918, ao final da Primeira Guerra Mundial, a Horta possuía um intenso comércio marítimo e uma impressionante animação noturna, uma vez que se constituía em porto de escala obrigatória, local de reabastecimento de frotas e de repouso da marinhagem. Na Horta estavam instaladas as companhias dos Cabos Telegráficos Submarinos, que convertiam a cidade num "nó de comunicações" mundiais. Esse ambiente cosmopolita contribuiu, decisivamente, para que ele viesse, mais tarde a escrever uma obra mítica que dá pelo nome de Mau Tempo no Canal, trabalhada desde 1939 e publicada em 1944, cuja ação decorre nas ilhas Faial, Pico, São Jorge e Terceira, sendo que o núcleo da intriga se desenvolve na Horta.
Este romance evoca um período (1917-1919) que coincide em parte com a sua permanência na ilha do Faial e nele aparecem pessoas tais como o Dr. José Machado de Serpa, senador da República e estudioso, o padre Nunes da Rosa, contista e professor do Liceu da Horta, e Osório Goulart, poeta.
Em 1919 iniciou o serviço militar, como voluntário na arma de Infantaria, o que lhe proporcionou a primeira viagem para fora do arquipélago. Concluiu o liceu em Coimbra (1921) e inscreve-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Três anos mais tarde, Nemésio trocou esse curso pelo de Ciências Histórico Filosóficas, da Faculdade de Letras de Coimbra, e, em 1925, matriculou-se no curso de Filologia Românica.
Na primeira viagem que faz à Espanha, com o Orfeão Académico, em 1923, conheceu Miguel Unamuno, escritor e filósofo espanhol (1864-1936), intelectual republicano e teórico do humanismo revolucionário antifranquista, com quem trocará correspondência anos mais tarde.
A 12 de fevereiro de 1926 desposou, em Coimbra, Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes, com quem teve quatro filhos: Georgina (novembro de 1926), Jorge (abril de 1929), Manuel (julho de 1930) e Ana Paula (dezembro de 1931).
Em 1930 transferiu-se para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde, no ano seguinte, concluiu o curso de Filologia Românica, com elevadas classificações, começando desde logo a lecionar literatura italiana. A partir de 1931 deu inicio à carreira académica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde lecionou Literatura Italiana e, mais tarde, Literatura Espanhola.
Em 1934 doutorou-se em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio.
Entre 1937 e 1939 lecionou na Universidade Livre de Bruxelas, tendo regressado, neste último ano, ao ensino na Faculdade de Letras de Lisboa.
Em 1958 lecionou no Brasil.
A 19 de julho de 1961 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e a 17 de abril de 1967 Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.
A 12 de setembro de 1971, atingido pelo limite legal de idade para exercício de funções públicas, profere a sua última lição na Faculdade de Letras de Lisboa, onde ensinara durante quase quatro décadas.
Foi autor e apresentador do programa televisivo Se bem me lembro, que muito contribuiu para popularizar a sua figura e dirigiu ainda o jornal O Dia entre 11 de dezembro de 1975 a 25 de outubro de 1976.
Foi um dos grandes escritores portugueses do século XX, tendo recebido em 1965, o Prémio Nacional da Literatura e, em 1974, o Prémio Montaigne.
Faleceu a 20 de fevereiro de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF, e foi sepultado em Coimbra. Pouco antes de morrer, pediu ao filho para ser sepultado no cemitério de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Mas pediu mais: que os sinos tocassem o Aleluia, em vez do dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.
A 30 de agosto de 1978 foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, a título póstumo.

 

 

 
Tenho uma Saudade tão Braba

Tenho uma saudade tão braba
Da ilha onde já não moro,
Que em velho só bebo a baba
Do pouco pranto que choro.

Os meus parentes, com dó,
Bem que me querem levar,
Mas talvez que nem meu pó
Mereça a Deus lá ficar.

Enfim, só Nosso Senhor
Há-de decidir se posso
Morrer lá com esta dor,
A meio de um Padre Nosso.

Quando se diz «Seja feita»
Eu sentirei na garganta
A mão da Morte, direita
A este peito, que ainda canta.


in Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga (2003) - Vitorino Nemésio

 

terça-feira, fevereiro 06, 2024

José Craveirinha faleceu há vinte e um anos...

 

  
José João Craveirinha (Lourenço Marques, 28 de maio de 1922 - Maputo, 6 de fevereiro de 2003) é considerado o poeta maior de Moçambique. Em 1991, tornou-se o primeiro autor africano galardoado com o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa.
Utilizou os seguintes pseudónimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. Foi presidente da Associação Africana na década de 50.
Esteve preso, entre 1965 e 1969, por fazer parte de uma célula da 4.ª Região Político-Militar da Frelimo.
Foi o primeiro presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, entre 1982 e 1987. Em sua homenagem, a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), em parceria com a HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa), instituiu em 2003, o Prémio José Craveirinha de Literatura.
  


Quero Ser Tambor
 
Tambor está velho de gritar

Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
  
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
 
Nem nada!
 
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
 
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
  
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

 

José Craveirinha

quinta-feira, fevereiro 01, 2024

Fernando Assis Pacheco nasceu há 87 anos...

(imagem daqui)
    
Fernando Santiago Mendes de Assis Pacheco (Coimbra, 1 de fevereiro de 1937 - Lisboa, 30 de novembro de 1995) foi um jornalista, crítico, tradutor e escritor português.
Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, viveu nesta cidade até iniciar o serviço militar, em 1961. Filho de pai médico e de mãe doméstica, era seu avô materno galego (e casado com uma lavradeira da Bairrada) e seu avô paterno era roceiro em São Tomé.
Enquanto jovem, foi ator de teatro (TEUC e CITAC) e redator da revista Vértice, o que lhe permitiu privar de perto com o poeta neo-realista Joaquim Namorado e com poetas da sua geração, como Manuel Alegre e José Carlos de Vasconcelos.
Cumpriu parte do serviço militar em Portugal entre 1961 e 1963, tendo seguido como expedicionário para Angola, onde esteve até 1965. Inicialmente integrado num batalhão de cavalaria, viria a ser reciclado nos serviços auxiliares e colocado no Quartel-General da Região Militar de Angola.
Publicou a primeira obra em Coimbra, com o patrocínio paterno, não obstante se encontrar, na altura, em África. Cuidar dos Vivos é o título do livro de estreia - poemas de protesto político e cívico, com afloramento dos temas da morte e do amor. Em apêndice, dois poemas sobre a guerra em Angola, que terão sido dos primeiros publicados sobre este conflito. O tema da guerra em África voltaria a impor-se em Câu Kiên: Um Resumo (1972), ainda que sob "camuflagem vietnamita", livro que, em 1976, conheceria a sua versão definitiva: Katalabanza, Kilolo e Volta.
Memória do Contencioso (1980) reúne "folhetos" publicados entre 1972 e 1980, e Variações em Sousa (1987) constitui um regresso aos temas da infância e da adolescência, com Coimbra como cenário, e refinando uma veia jocosa e satírica já visível nos poemas inaugurais. A novela Walt (1978) comprova-o exuberantemente. Era notável em Assis Pacheco a sua larga cultura galega, aliás sobejamente explanada em alguns dos seus textos jornalísticos e no seu livro Trabalhos e Paixões de Benito Prada. Em A Musa Irregular (1991) reuniu toda a sua produção poética.
Nunca conheceu outra profissão que não fosse o jornalismo: deixou a sua marca de grande repórter no Diário de Lisboa, na República, no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, no Musicalíssimo e no Se7e, onde foi diretor-adjunto. Foi também redator e chefe de Redação de O Jornal, semanário onde durante dez anos exerceu crítica literária, e colaborador da RTP.
Traduziu para português obras de Pablo Neruda e Gabriel García Márquez.
Casou a 4 de fevereiro de 1963 com Maria do Rosário Pinto de Ruella Ramos (nascida a 27 de julho de 1941), filha de João Pedro de Ruella de Almeida Ramos e de sua mulher, Germana Marques Vieira Pinto, e de quem teve cinco filhas e um filho.

 

 
Seria o Amor Português
  
Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.
  
Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.
  
Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.
  
Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.
  
Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta? 

  
  

in A Musa Irregular (1991) - Fernando Assis Pacheco

terça-feira, janeiro 16, 2024

Susan Sontag nasceu há noventa e um anos...

   
Susan Sontag
(Nova Iorque, 16 de janeiro de 1933 - Nova Iorque, 28 de dezembro de 2004) foi uma premiada escritora, ensaista, cineasta, filósofa, professora, crítica de arte e ativista dos Estados Unidos. Escreveu extensivamente sobre fotografia, cultura e media e atuou nas causas anti-guerra, em prol dos direitos humanos e campanhas sobre a SIDA. Além de posicionada ideologicamente no campo da esquerda, Sonstag era bissexual. Os seus ensaios normalmente repercutiam bastante e ela foi descrita como "uma das críticas mais influentes de sua geração".
Formou-se na Universidade de Harvard. Escreveu, sobretudo, ensaios, mas também publicou romances. A sua primeira grande obra foi o ensaio Notes on 'Camp', em 1964. As suas obras mais conhecidas são Contra a interpretação (1966), A vontade radical (1968), Sobre a Fotografia (1977), A doença como metáfora (1978), bem como as obras de ficção The Way We Live Now (1986), The Volcano Lover (1992) e In America (1999), pelo qual recebeu em 2000 um dos mais importantes prémios do seu país, o National Book Award.

Teve intensa participação em periódicos, publicando artigos em revistas como The New Yorker e The New York Review of Books e no jornal The New York Times.

Também é conhecida pelo seu ativismo, tendo viajado para áreas de conflito, incluindo a Guerra do Vietnã e o Cerco de Sarajevo. Escreveu extensivamente sobre fotografia, cultura e media, SIDA e doenças, direitos humanos. Foi descrita como "uma das críticas mais influentes de sua geração".

Em um de seus últimos artigos, publicado em maio de 2004 no jornal The New York Times, Sontag afirmou que "a história recordará a Guerra do Iraque pelas fotografias e vídeos das torturas cometidas pelos soldados americanos na prisão de Abu Ghraib".

Faleceu aos 71 anos de idade de síndrome mielodisplásica seguida de uma leucemia mielóide aguda, em 28 de dezembro de 2004. 

 

Percurso

Sontag nasceu, com o nome de Susan Rosenblatt, na cidade de Nova Iorque, filha do judeu norte-americano Jack Rosenblatt e da sua esposa, Mildred Jacobsen, ambos judeus de ascendência lituana e polaca. O seu pai administrava um negócio de comércio de peles na China, onde morreu de tuberculose em 1939, quando Susan tinha cinco anos. Sete anos depois, a mãe de Sontag casou-se com o capitão do Exército dos EUA, Nathan Sontag. Susan e sua irmã, Judith, adotaram o sobrenome do padrasto, embora ele não as tenha adotado formalmente. Sontag não teve uma educação religiosa e disse que não entrou numa sinagoga até meados dos 20 anos.

Sontag morou em Long Island, Nova York, depois em Tucson, Arizona, e mais tarde em San Fernando Valley, no sul da Califórnia, onde se formou na North Hollywood High School aos 15 anos. Ela começou os seus estudos de graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley, mas transferiu-se para a Universidade de Chicago. Em Chicago, dedicou-se aos estudos de filosofia, história antiga e literatura. Ela formou-se em Artes aos 18 anos e foi eleita para Phi Beta Kappa. Enquanto estava em Chicago,  tornou-se amiga do então colega estudante Mike Nichols. Em 1951, um seu trabalho foi publicado pela primeira vez na edição de inverno da Chicago Review.

Apesar de ter se tornado consciente da sua atração por mulheres no início da adolescência, casou-se aos 17 com Philip Rieff em Chicago após um namoro de dez dias. O casamento duraria oito anos, durante os quais ela trabalhou no ensaio Freud: The Mind of the Moralist, que seria atribuído unicamente a Philip Rieff, no âmbito do acordo no divórcio que ocorreu entre ambos em 1958. O casal teve um filho, David Rieff, que seria mais tarde o editor da obra da mãe e escritor ele próprio.

Em 1952 e 1953, Sontag seria professora de inglês na Universidade de Connecticut. Também frequentou a Universidade de Harvard para a pós-graduação, inicialmente estudando literatura com Perry Miller e Harry Levin, antes de entrar na filosofia e teologia com Paul Tillich, Jacob Taubes, Raphael Demos e Morton White. Depois de completar Mestrado em filosofia, Sontag iniciou a sua pesquisa de doutoramento em metafísica, ética, filosofia grega e filosofia continental e teologia, na mesma instituição.

O filósofo Herbert Marcuse viveu com Sontag e Rieff durante um ano enquanto escrevia Eros and Civilization.

Premiada com uma bolsa de estudos da American Association of University Women's para o ano académico de 1957-1958 no St. Anne's College, na Universidade de Oxford, teve aulas com Iris Murdoch, Stuart Hampshire, A. J. Ayer e H. L. A. Hart, enquanto também participava dos seminários B. Phil de J. L. Austin e das palestras de Isaiah Berlin. Apesar da bolsa, transfere-se para a Universidade de Paris (a Sorbonne). Em Paris, Sontag encontrou artistas e académicos expatriados, incluindo Allan Bloom, Jean Wahl, Alfred Chester, Harriet Sohmers e María Irene Fornés.

Ela mudou-se para Nova York em 1959 para viver com Fornés pelos próximos sete anos, recuperando a custódia de seu filho e lecionando em universidades enquanto a sua reputação literária crescia.

  

quinta-feira, janeiro 11, 2024

João de Deus morreu há 128 anos...

  
João de Deus de Nogueira Ramos (São Bartolomeu de Messines, 8 de março de 1830 - Lisboa, 11 de janeiro de 1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico e pedagogo, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objeto das mais variadas homenagens. Foi considerado o poeta do amor e encontra-se sepultado no Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa.

 

Beijo

 

Beijo na face
Pede-se e dá-se:
             Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
             Vá!

Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
             Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
             Vá!

Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
             Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
             Vá!

Guardo segredo,
Não tenha medo...
             Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
             Dê!

*

Como ele é doce!
Como ele trouxe,
             Flor,
Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
             Amor!

Saciar-me? louco...
Um é tão pouco,
             Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
             Amor!

Talvez te leve
O vento em breve,
             Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
             Amor!

Guardo segredo,
Não tenhas medo
             Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
             Dois...

*

Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
             Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
             Três!

Três é a conta
Certinho, e justa...
             Vês?
E que te custa?
Não sejas tonta!
             Três!

Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
             Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes;
             Três.

As folhas santas
Que o lírio fecham,
             Vês?
E não o deixam
Manchar, são... quantas?
             Três!