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terça-feira, outubro 22, 2024

A inacreditável PIDE foi fundada faz hoje 79 anos...


 

A Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) foi uma polícia existente em Portugal entre 1945 e 1969. Apesar de ser, hoje em dia, sobretudo conhecida como polícia política, as funções da PIDE eram bastante mais abrangentes, sendo especialmente importantes as suas funções nos setores dos serviços de estrangeiros, fronteiras e segurança do Estado.
 

Funções

A PIDE foi criada pelo Decreto-Lei n.º 35 046 de 22 de outubro de 1945 - em substituição da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado - sendo considerada como um organismo autónomo da Polícia Judiciária e apresentada como seguindo o modelo da Scotland Yard. A PIDE desempenharia tanto funções administrativas como funções de repressão e de prevenção criminal.
No âmbito das suas funções administrativas, competia-lhe encarregar-se dos serviços de emigração e passaportes, dos serviços de passagem de fronteiras e dos serviços de permanência e trânsito de estrangeiros em Portugal.
No âmbito das funções de repressão e de prevenção criminal, competia à PIDE a instrução preparatória dos processos respeitantes aos crimes de estrangeiros relacionados com a sua entrada ou com o regime legal da sua permanência em território nacional, às infrações relativas ao regime da passagem nas fronteiras, aos crimes de emigração clandestina e aliciamento ilícito de emigrantes e aos crimes contra a segurança exterior e interior do Estado.
   
Atividade  

No contexto das suas funções no setor da segurança do Estado, destaca-se a importância da atividade da PIDE na neutralização da oposição ao Estado Novo.

A PIDE utilizava a tortura para obter informações e foi responsável por alguns crimes sangrentos, como o assassinato de José Dias Coelho (militante do Partido Comunista Português - PCP) e do general Humberto Delgado. Este último foi atraído para uma emboscada, só possível pela introdução de informadores nas organizações que o general liderava ou na sua teia mais íntima de relações pessoais, ultrapassando mesmo as fronteiras nacionais (não só o crime foi cometido em território espanhol como os informadores se encontravam instalados no Brasil, na França e em Itália).

Durante a Guerra do Ultramar, a PIDE, até aí virtualmente ausente dos territórios africanos, assumiu nos três teatros de operações a função de serviço de informações e - constituindo, enquadrando e dirigindo milícias próprias, os Flechas, compostas por africanos, por vezes desertores das guerrilhas - colaborou com as forças militares no terreno. Neste âmbito, poderá a sua ação ter também ultrapassado as fronteiras; com efeito, são-lhe atribuídas responsabilidades, quer no atentado que vitimou o dirigente da FRELIMO Eduardo Mondlane, quer na manipulação dos descontentes do PAIGC que, num "golpe de Estado" dentro do partido, assassinaram o dirigente independentista Amílcar Cabral.

Pelo Decreto-Lei n.º 49 401, de 24 de novembro de 1969, o Governo presidido por Marcello Caetano substituiu a PIDE pela Direção-Geral de Segurança (DGS), que, por sua vez, foi extinta na sequência da revolução de 25 de abril de 1974, pelo Decreto-Lei n.º 171/74, de 25 de abril. 

     

sábado, agosto 03, 2024

Salazar caiu da cadeira há 56 anos...

    
António de Oliveira Salazar (Vimieiro, Santa Comba Dão, 28 de abril de 1889 - Lisboa, 27 de julho de 1970) foi um estadista nacionalista português que, além de chefiar diversos ministérios, foi presidente do Conselho de Ministros do governo ditatorial do Estado Novo e professor catedrático de Economia Política, Ciência das Finanças e Economia Social da Universidade de Coimbra. Foi nomeado doutor honoris causa, em 1940, pela Universidade de Oxford.
Nascido no seio de uma família humilde de pequenos proprietários agrícolas, o seu percurso no Estado português iniciou-se quando foi escolhido pelos militares para Ministro das Finanças durante um curto período de duas semanas, na sequência da Revolução de 28 de maio de 1926. Foi substituído pelo comandante Filomeno da Câmara de Melo Cabral após o golpe do general Gomes da Costa. Posteriormente, foi de novo Ministro das Finanças entre 1928 e 1932, procedendo ao saneamento das finanças públicas portuguesas. Ficou também para a história como o estadista que mais tempo governou Portugal, desempenhando funções em ditadura entre 1932 e 1933, e de forma autoritária, desde o início da segunda república até ser destituído em 1968.
Figura de destaque e promotor do Estado Novo (1933–1974) e da sua organização política, a União Nacional, Salazar dirigiu os destinos de Portugal como presidente do Ministério de forma ditatorial entre 1932 e 1933 e, como Presidente do Conselho de Ministros entre 1933 e 1968. Os autoritarismos e nacionalismos que surgiam na Europa foram uma fonte de inspiração para Salazar em duas frentes complementares: a da propaganda e a da repressão. Com a criação da Censura, da organização de tempos livres dos trabalhadores FNAT e da Mocidade Portuguesa, o Estado Novo procurava assegurar a doutrinação de largas massas da população portuguesa ao estilo do fascismo, enquanto que a sua polícia política (PVDE, posteriormente PIDE e mais tarde ainda DGS), em conjunto com a Legião Portuguesa, combatiam os opositores do regime que, eram julgados em tribunais especiais (Tribunais Militares Especiais e, posteriormente, Tribunais Plenários).
Inspirado no fascismo e apoiando-se na doutrina social da Igreja Católica, Salazar orientou-se para um corporativismo de Estado, com uma linha de ação económica nacionalista assente no ideal da autarcia. Esse seu nacionalismo económico levou-o a tomar medidas de protecionismo e isolacionismo de natureza fiscal, tarifária, alfandegária, para Portugal e suas colónias, que tiveram grandes impactos positivos e negativos durante todo o período em que exerceu funções.

(...)
 
O princípio do fim de Salazar começou a 3 de agosto de 1968, no Forte de Santo António, no Estoril. A queda de uma cadeira de lona, deixada em segredo primeiro, acabou por ditar o seu afastamento do Governo.
António de Oliveira Salazar preparava-se para ser tratado pelo calista Hilário, quando se deixou cair para uma cadeira de lona. Com o peso, a cadeira cedeu e o chefe do Governo caiu com violência, sofrendo uma pancada na cabeça, nas lajes do terraço do forte onde anualmente passava as férias, acompanhado pela governanta D. Maria de Jesus. Levantou-se atordoado, queixou-se de dores no corpo, mas pediu segredo sobre a queda e não quis que fossem chamados médicos, segundo conta Franco Nogueira. Outra testemunha, o barbeiro Manuel Marques, contraria esta tese. Segundo ele, Salazar não caiu na cadeira, que estava fora do lugar, mas tombou no chão desamparado. Segundo Marques, Salazar costumava ser distraído e tinha o hábito de «saltar para as cadeiras». Nesse dia, preparando-se para ler o jornal, caiu onde habitualmente estava uma cadeira, mas que nesse dia tinha sido movida. Ainda outra testemunha diz que Salazar não caiu de uma cadeira, e sim de uma banheira, testemunha essa que acompanhou Salazar da casa de banho até ao quarto no dia do sucedido.
A vida de António de Oliveira Salazar prosseguiu normalmente e só três dias depois é que o médico do Presidente do Conselho, Eduardo Coelho, soube do sucedido. Só 16 dias depois, a 4 de setembro, Salazar admite que se sente doente: «Não sei o que tenho». A 6 de setembro, à noite, sai um carro de São Bento. Com o médico, Salazar e, no lugar da frente, o diretor da PIDE, Silva Pais. Salazar é internado no Hospital de São José e os médicos não se entendem quanto ao diagnóstico − hematoma intra-craniano ou trombose cerebral −, mas concordam que é preciso operar, o que acontece a 7 de setembro.
Salazar foi afastado do governo em 27 de setembro de 1968, quando o então presidente da república, Américo Tomás, chamou Marcello Caetano para substituí-lo. A 4 de outubro desse ano (na véspera do 58.º aniversário da implantação da república) recebeu o grande-colar da Ordem do Infante D. Henrique. Até morrer, em 1970, continuou a receber visitas como se fosse ainda Presidente do Conselho, nunca manifestando sequer a suspeita de que já o não era − no que não era contrariado pelos que o rodeavam.
      

sábado, julho 27, 2024

Salazar morreu há cinquenta e quatro anos

    
António de Oliveira Salazar, Oliveira Salazar ou simplesmente Salazar (Vimieiro, Santa Comba Dão, 28 de abril de 1889 - Lisboa, 27 de julho de 1970) foi um estadista nacionalista português que, além de chefiar diversos ministérios, foi presidente do Conselho de Ministros e professor catedrático de Economia Política, Ciência das Finanças e Economia Social da Universidade de Coimbra.
O seu percurso no Estado português iniciou-se quando foi escolhido pelos militares para Ministro das Finanças durante um curto período de duas semanas, na sequência da Revolução de 28 de maio de 1926. Foi substituído pelo comandante Filomeno da Câmara de Melo Cabral após o golpe do general Gomes da Costa. Posteriormente, foi também Ministro das Finanças entre 1928 e 1932, procedendo ao saneamento das finanças públicas portuguesas.
Figura de destaque e promotor do Estado Novo (1933–1974) e da sua organização política, a União Nacional, Salazar dirigiu os destinos de Portugal como presidente do Ministério de forma ditatorial entre 1932 e 1933 e, como Presidente do Conselho de Ministros entre 1933 e 1968. Os autoritarismos e nacionalismos que surgiam na Europa foram uma fonte de inspiração para Salazar em duas frentes complementares: a da propaganda e a da repressão. Com a criação da Censura, da organização de tempos livres dos trabalhadores FNAT e da Mocidade Portuguesa, o Estado Novo procurava assegurar a doutrinação de largas massas da população portuguesa ao estilo do fascismo, enquanto que a sua polícia política (PVDE, posteriormente PIDE), em conjunto com a Legião Portuguesa, combatiam os opositores do regime que, eram julgados em tribunais especiais (Tribunais Militares Especiais e, posteriormente, Tribunais Plenários).
Inspirado no fascismo e apoiando-se na doutrina social da Igreja Católica, Salazar orientou-se para um corporativismo de Estado, com uma linha de ação económica nacionalista assente no ideal da autarcia. Esse seu nacionalismo económico levou-o a tomar medidas de protecionismo e isolacionismo de natureza fiscal, tarifária, alfandegária, para Portugal e suas colónias, que tiveram grandes impactos positivos e negativos durante todo o período em que exerceu funções.
  
(...)
  
No programa da RTP Os Grandes Portugueses, realizado em março de 2007, Salazar foi a mais votada das personalidades em jogo, com 42% dos votos expressos, estranhamente seguido de Álvaro Cunhal, com 19%, e de Aristides de Sousa Mendes, com 13%.
Foi Jaime Nogueira Pinto, professor universitário, que fez a sua apresentação.
O concurso é desvalorizado por alguns historiadores como José Mattoso, António Reis, António Manuel Hespanha e Fernando Rosas, que acusaram a RTP de desinformação e manipulação num texto publicado no jornal Expresso. Em declarações ao Diário de Notícias, Nuno Santos, ex-diretor de programas da RTP, considera que a acusação é de mau gosto e revela má-fé.
  
Biografia cronológica
  • 1889: Nasce em Vimieiro, Santa Comba Dão.
  • 1914: Em Coimbra, conclui o curso de Direito.
  • 1918: Professor de Ciência Económica.
  • 1926: Após o golpe de 28 de maio é convidado para Ministro das Finanças; ao fim de 13 dias renuncia ao cargo.
  • 1928: É novamente convidado para Ministro das Finanças; nunca mais abandonará o poder.
  • 1930: Nasce a União Nacional.
  • 1932: Presidente do Ministério.
  • 1933: É plebiscitada uma nova constituição que dá início ao Estado Novo. Fim da ditadura militar. É posto um fim ao nome "presidente do Ministério", passando-se a suar "presidente do Conselho de Ministros".
  • 1936: Na Guerra Civil de Espanha apoia Franco; cria a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa; abre as colónias penais do Tarrafal e de Peniche.
  • 1937: Escapa a um atentado dos anarquistas.
  • 1939: Iniciada a Segunda Guerra Mundial, Salazar conseguirá manter a neutralidade do país.
  • 1940: Exposição do Mundo Português.
  • 1943: Cede aos Aliados uma base militar nos Açores.
  • 1945: A PIDE substitui a PVDE.
  • 1949: Contra Norton de Matos, Carmona é reeleito Presidente da República; Portugal é admitido como membro da NATO.
  • 1951: Contra Quintão Meireles, Craveiro Lopes é eleito Presidente da República.
  • 1958: Contra Humberto Delgado, Américo Tomás é eleito Presidente da República; o Bispo do Porto, António Ferreira Gomes critica a política salazarista.
  • 1960: Portugal celebra a adesão ao Fundo Monetário Internacional.
  • 1961: 22/01, ataque ao navio Santa Maria por anti-salazaristas, que se asilam no Brasil logo após a posse de Janio Quadros; 04/02, assalto às prisões de Luanda; 11/03, tentativa de golpe de Botelho Moniz; 21.04, resolução da ONU condenando a política africana de Portugal; 19/12, a União Indiana invade Goa, Damão e Diu; 31 de dezembro de 1961 para 1 de janeiro de 1962, revolta de Beja.
  • 1963: O PAIGC abre nova frente de batalha na Guiné.
  • 1964: A FRELIMO inicia a luta pela independência, em Moçambique.
  • 1965: Crise académica; a PIDE assassina Humberto Delgado.
  • 1966: Salazar inaugura a ponte sobre o Tejo.
  • 1968: Na sequência de um acidente (queda de uma cadeira), Salazar fica fisicamente incapacitado para governar.
  • 1970: Morte de Salazar.
          

sexta-feira, julho 19, 2024

Aristides de Sousa Mendes nasceu há 139 anos


Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches (Carregal do Sal, Cabanas de Viriato, 19 de julho de 1885 - Lisboa, 3 de abril de 1954) foi um diplomata português. Cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha nazi na Segunda Guerra Mundial, Sousa Mendes desafiou ordens expressas do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Oliveira Salazar (cargo ocupado em acumulação com a chefia do Governo), e concedeu trinta mil vistos de entrada em Portugal a refugiados de todas as nacionalidades que desejavam fugir da França em 1940.
Aristides de Sousa Mendes salvou dezenas de milhares de pessoas do Holocausto. Chamado de "Schindler português", Sousa Mendes também teve a sua lista e salvou a vida de milhares de pessoas, das quais cerca de dez mil judeus.
     
Vida
Foi batizado Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches numa pequena aldeia do concelho do Carregal do Sal, no sul do distrito de Viseu. Aristides pertenceu a uma família aristocrática rural, católica, conservadora e monárquica (também católico e monárquico, apoiou a célebre contra-revolução a "Monarquia do Norte"). O seu pai era membro do supremo tribunal. Pelo lado materno era bisneto matrilineal, por bastardia, do 2.º Visconde de Midões e descendente de D. Fernando de Almada (2º Conde de Avranches). Pelo lado familiar "de Sousa", descendente de Madragana Ben Aloandro (de quem teve filhos El-Rei D. Afonso III de Portugal), senhora que pertencia à Comunidade Judaica de Faro e cuja ascendência provinha do próprio Rei David de Israel.
Aristides instala-se em Lisboa em 1907 após a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tal como o seu irmão gémeo César de Sousa Mendes. Ambos enveredaram pela carreira diplomática. César foi feito Comendador da Ordem Militar de Cristo a 28 de janeiro de 1925 e Grã-Cruz da Ordem Real da Estrela Polar da Suécia a 23 de setembro de 1932. Em 1909 nasceu seu primogénito, tendo ao todo 14 filhos e filhas com a sua mulher Angelina.
Aristides ocupou diversas delegações consulares portuguesas pelo mundo fora, entre elas: Zanzibar, Brasil, Estados Unidos, Guiana, entre outras.
Em 1929 é nomeado Cônsul-geral em Antuérpia, cargo que ocupa até 1938. O seu empenho na promoção da imagem de Portugal não passa despercebido. É condecorado por duas vezes por Leopoldo III, rei da Bélgica, tendo-o feito Oficial da Ordem de Leopoldo II a 6 de janeiro de 1931 e Comendador da Ordem da Coroa, a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor Maurice Maeterlinck, Prémio Nobel da Literatura, e o cientista Albert Einstein, Prémio Nobel da Física.
Depois de quase dez anos de serviço na Bélgica, Salazar, presidente do Conselho de Ministros e simultaneamente Ministro dos Negócios Estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em Bordéus, França.
  
II Grande Guerra
Aristides de Sousa Mendes permanece ainda cônsul de Bordéus quando tem início a Segunda Guerra Mundial, e as tropas de Adolf Hitler avançam rapidamente sobre a França. Salazar manteve a neutralidade de Portugal.
Pela circular 14, Salazar ordena aos cônsules portugueses espalhados pelo mundo que recusem conferir vistos às seguintes categorias de pessoas: "estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio; os apátridas; os judeus, quer tenham sido expulsos do seu país de origem ou do país de onde são cidadãos".
Entretanto, em 1940, o governo francês refugiou-se temporariamente na cidade de Vichy, fugindo de Paris antes da chegada das tropas alemãs. Milhares de refugiados que fogem do avanço nazi dirigiram-se a Bordéus. Muitos deles afluem ao consulado português desejando obter visto de entrada para Portugal ou para os Estados Unidos, onde Sousa Mendes, o cônsul, caso seguisse as instruções do seu governo, distribuiria vistos com parcimónia.
Já no final de 1939, Sousa Mendes tinha desobedecido às instruções do seu governo e emitido alguns vistos. Entre as pessoas que ele tinha então decidido ajudar encontra-se o rabino de Antuérpia, Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados judeus.
A 16 de junho de 1940, Aristides decide conceder visto a todos os que o pedissem: "A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis.
Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:
Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.
Uma vez que Salazar tomara medidas contra o cônsul, Aristides continuou a sua atividade de 20 a 23 de junho, em Baiona (França), no escritório de um vice-cônsul estupefacto, e mesmo na presença de dois outros funcionários de Salazar. A 22 de junho de 1940, a França pediu um armistício à Alemanha nazi. Mesmo a caminho de Hendaye, Aristides continua a emitir vistos para os refugiados que cruzam com ele a caminho da fronteira, uma vez que a 23 de junho, Salazar demitira-o de suas funções de cônsul.
Apesar de terem sido enviados funcionários para trazer Aristides, este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e guia-os em direção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda avisados da decisão de Madrid de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados, que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até Portugal.
     
Castigo de Salazar
A 8 de julho de 1940, Aristides, de volta a Portugal, é punido pelo governo de Salazar, que priva o diplomata das suas funções por um ano, diminuindo em metade o seu salário, antes de o enviar para a reforma. Para além disso, Sousa Mendes perde o direito de exercer a profissão de advogado. A sua licença de condução, emitida no estrangeiro, também lhe é retirada.
O cônsul demitido e a sua família, bastante numerosa, sobrevivem graças à solidariedade da comunidade judaica de Lisboa, que facilitou a alguns dos seus filhos estudos nos Estados Unidos. Dois dos seus filhos participaram no desembarque da Normandia.
Frequentou, juntamente com os seus familiares, a cantina da assistência judaica internacional, onde causou impressão, pelas suas ricas roupas e sua presença. Certo dia, teve de confirmar:
 
Nós também, nós somos refugiados.
Em 1945, Salazar felicitou-o por Portugal ter ajudado os refugiados, recusando-se no entanto a reintegrar Sousa Mendes no corpo diplomático.
A sua miséria será ainda maior: venda dos bens, morte de sua esposa em 1948, emigração dos seus filhos, com uma exceção. Após a morte da mulher, Aristides de Sousa Mendes viveu com uma amante francesa que, segundo testemunhos da época, muito contribuiu para a sua miséria.
Aristides de Sousa Mendes faleceu muito pobre, a 3 de abril de 1954, no hospital dos franciscanos em Lisboa. Não possuindo um fato próprio, foi enterrado com um hábito franciscano.
    
Pessoas que salvou
Cerca de trinta mil vistos foram emitidos pelo cônsul Sousa Mendes, dos quais dez mil a refugiados de confissão judaica.
Entre aqueles que obtiveram um visto do cônsul português contam-se:
  
Políticos:
  • Otto de Habsburgo, filho de Carlos, o último imperador da Áustria-Hungria; o príncipe Otto era detestado por Adolf Hitler, que o condenara inclusive à morte. Ele escapou com a sua família desde o exílio belga e dirigiu-se aos Estados Unidos onde participou numa campanha para alertar a opinião pública.
  • Vários ministros do governo belga no exílio.
Artistas:

Reconhecimento
Em 1966, o Memorial de Yad Vashem (Memorial do Holocausto situado em Jerusalém) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "Justo entre as nações". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores, em sua memória, nos terrenos do Museu Yad Vashem.
Em 1986, a 15 de novembro, o presidente da República Portuguesa Mário Soares reabilita Aristides de Sousa Mendes condecorando-o a título póstumo com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade e a sua família recebe desculpas públicas, dezasseis anos após a morte de Salazar.
Em 1994, o presidente português Mário Soares desvela um busto em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa comemorativa na Rua 14 Quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de Portugal em Bordéus em 1940.
Em 1995, a 23 de março, é agraciado a título póstumo pelo presidente da República Portuguesa Mário Soares com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um prémio anual com o seu nome.
Em 1996, o grupo de escuteiros de Esgueira (Aveiro) homenageou-o criando o CLÃ 25 ASM (Aristides de Sousa Mendes)
Em 1998, a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz de Mérito a título póstumo pelas suas ações em Bordéus.
Em 2005, na Grande Sala da Unesco em Paris, o barítono Jorge Chaminé organiza uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos sessenta anos da Unesco.
Em 2006 foi realizada uma ação de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.
Em 2007, um programa televisivo da RTP1, Os Grandes Portugueses, promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o primeiro lugar foi atribuído a Salazar e o segundo lugar a Álvaro Cunhal.
Em 2007 o barítono Jorge Chaminé realizou dois concertos de homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.
Em Viena, Áustria, no Vienna International Center, onde estão sediados diversos organismos da ONU, como a Agência Internacional de Energia Atómica, existe um grande passeio pedonal com o nome do ex-diplomata português, denominado Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade.
Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu país não perdoou a desobediência apesar dos seus atos de justiça e humanidade na Segunda Guerra Mundial. Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia) Chiune Sugihara e Paul Grüninger, chefe da polícia do cantão suíço de São Galo.
    

domingo, junho 23, 2024

A Exposição do Mundo Português começou há 84 anos

Bandeira da Exposição
     
A Exposição do Mundo Português (23 de junho de 1940 - 2 de dezembro de 1940) foi um evento realizado em Lisboa na época do Estado Novo, com o propósito de comemorar simultaneamente as datas da Fundação do Estado Português (1140) e da Restauração da Independência (1640), constituiu-se na maior de seu género realizada no país até à Expo 98.
    
 
A exposição foi inaugurada em 23 de junho de 1940 pelo Chefe de Estado, Marechal Carmona, acompanhado pelo Presidente do Conselho, Oliveira Salazar e pelo Ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco.
Os responsáveis pelo evento foram Augusto de Castro (Comissário-Geral), Sá e Melo (Comissário-Geral-Adjunto), José Leitão de Barros (Secretário-Geral) e Cottinelli Telmo (Arquiteto-Chefe), que incluía pavilhões temáticos relacionados com a história de Portugal, suas atividades económicas, cultura, regiões e territórios ultramarinos. Incluía ainda um pavilhão do Brasil, único país estrangeiro convidado.
O evento levou a uma completa renovação urbana da zona ocidental de Lisboa. A sua praça central deu origem à Praça do Império, uma das maiores da Europa. A maioria das edificações da exposição foi demolida no seu final, restando apenas algumas como o atual Museu de Arte Popular e o Monumento aos Descobrimentos (reconstrução, com base no original, de madeira). A exposição levou também à construção de outras infraestruturas de apoio, como o Aeroporto da Portela.
Situada entre a margem direita do rio Tejo e o Mosteiro dos Jerónimos, ocupava cerca de 560 mil metros quadrados. Centrada no grande quadrilátero da Praça do Império, esta era definida lateralmente por dois grandes pavilhões, longitudinais e perpendiculares ao Mosteiro: o Pavilhão de Honra e de Lisboa (de Luís Cristino da Silva), e do outro lado, o Pavilhão dos Portugueses no Mundo (do próprio Cottinelli Telmo).
Perto do rio, atravessando-se a linha férrea através de uma passarela monumental de colossais cruzados (a Porta da Fundação), encontrava-se a Secção Histórica, (Pavilhão da Formação e Conquista, da Independência, Pavilhão dos Descobrimentos e a Esfera dos Descobrimentos). Do outro lado, situava-se o Pavilhão da Fundação, o Pavilhão do Brasil – país convidado para tal efeito - e o Pavilhão da Colonização. Atravessando o Bairro Comercial e Industrial, chega-se perto do Mosteiro dos Jerónimos, à entrada da Secção Colonial. No canto precisamente oposto, um Parque de Atrações fazia a delícia dos mais novos. Descendo em direção ao rio, e para além do Pavilhão dos Portugueses no Mundo, a Secção de Etnografia Metropolitana, com o seu Centro Regional, contendo representações das Aldeias Portuguesas e os Pavilhões de Arte Popular. Por trás deste último pavilhão, encontrava-se o Jardim dos Poetas e o Parque Infantil. À frente do Tejo, com as suas docas, um Espelho de Água com um restaurante abria o caminho para o Padrão dos Descobrimentos e para a Nau Portugal.
De todas estas obras, algumas se destacaram e perduram na memória da atualidade. O Pavilhão da Honra e de Lisboa recebeu as melhores opiniões da crítica. Com 150 metros de comprimento por 19 de altura, e com a sua torre de 50 metros, este pavilhão demonstrava perfeitamente o ideal arquitetónico que o Estado Novo tentava impor, tal como os outros regimes totalitários impunham na Europa. Do Pavilhão dos Portugueses no Mundo, com um risco “simples”, destacava-se sobretudo a possante estátua da Soberania, esculpida por Leopoldo de Almeida – a imagem de uma severa mulher couraçada, segurando a esfera armilar e apoiada num litor legendado com as partes do Mundo, em caracteres góticos.
O Padrão dos Descobrimentos, vindo dos esforços de Cottinelli e de Leopoldo de Almeida, mostrava a verdadeira importância dos descobrimentos na História portuguesa. Constituído por diversas figuras históricas, o Infante D. Henrique destacava-se na sua proa, como timoneiro de todo o projeto expansionista português. De facto, o padrão original, construído em estafe sobre um esqueleto de madeira, teve um triste fim. É de notar que a figura ficou tão presente no imaginário nacional, que o monumento foi reconstruido em 1965, mas desta vez em pedra, e ainda hoje se mantém nas margens do Tejo.
       
   
in Wikipédia

terça-feira, maio 28, 2024

A rebaldaria da I república acabou há 98 anos

Gomes da Costa e as suas tropas desfilam vitoriosos em Lisboa (6 de junho de 1926)
      
A Revolução de 28 de maio de 1926, Golpe de 28 de maio de 1926 ou Movimento do 28 de maio, também conhecido pelos seu herdeiros do Estado Novo por Revolução Nacional, foi um pronunciamento militar de cariz nacionalista e antiparlamentar que pôs termo à Primeira República Portuguesa, levando à implantação da Ditadura Militar, depois auto-denominada Ditadura Nacional e por fim transformada, após a aprovação da Constituição de 1933, em Estado Novo, regime que se manteve no poder em Portugal até à Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974. A revolução começou em Braga, comandada pelo general Gomes da Costa, sendo seguida de imediato em outras cidades como Porto, Lisboa, Évora, Coimbra e Santarém. Consumado o triunfo do movimento, a 6 de junho de 1926, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, Gomes da Costa desfila à frente de 13 mil homens, sendo aclamado pelo povo da capital.
     
       
(imagem daqui)
       
A Primeira República Portuguesa (também referida como República parlamentar) e cujo nome oficial era apenas República Portuguesa, foi o sistema político vigente em Portugal após a queda da Monarquia Portuguesa, entre a revolução republicana de 5 de outubro de 1910 e o golpe de 28 de maio de 1926, que deu origem à Ditadura Militar, mais tarde Ditadura Nacional e posteriormente Estado Novo.
Foi caracterizada lutas entre o Governo e a Igreja católica, assim como, por divergências internas entre os mesmos republicanos, maçons e carbonários, que originaram a revolução de 5 de outubro.
Neste período, de quase 16 anos, houve sete parlamentos, oito presidentes da República, trinta e nove governos, quarenta chefias de governo (um presidente do Governo Provisório e 38 presidentes do Ministério), duas presidências do Ministério que não chegaram a tomar posse, dois presidentes do Ministério interinos, 1 junta constitucional, 1 junta revolucionária e 1 ministério investido na totalidade do poder executivo. Foi pródiga em convulsões sociais e crimes públicos e políticos.
    

domingo, abril 28, 2024

Música para recordar um Ditador...

 

O avô cavernoso - Mão Morta

 

O avô cavernoso
Instituiu a chuva
Ratificou a demora
Persignou-se
Ninguém o chora agora
Perfumou-se
Vinte mil léguas de virgens vieram
Inutéis e despidas
Flores de malva
E a boina bem segura
Sobre a calva

Ao avô cavernoso quem viu a tonsura?
E a tenda dos milagres e a privada?
Na tenda que foi nítida conjura
As flores de malva murcham devagar
Devagar
Até que se ouvem gritos, matinadas

 

in Filhos da Madrugada cantam José Afonso

Salazar nasceu há 135 anos...

   
António de Oliveira Salazar, Oliveira Salazar ou simplesmente Salazar (Vimieiro, Santa Comba Dão, 28 de abril de 1889 - Lisboa, 27 de julho de 1970) foi um estadista, ditador nacionalista português de influência fascista e professor catedrático da Universidade de Coimbra.
O seu percurso no Estado português iniciou-se quando foi escolhido pelos militares para Ministro das Finanças durante um curto período de duas semanas, na sequência da Revolução de 28 de maio de 1926. Foi substituído pelo comandante Filomeno da Câmara de Melo Cabral após o golpe do general Gomes da Costa. Posteriormente, foi também Ministro das Finanças entre 1928 e 1932, procedendo ao saneamento das finanças públicas portuguesas.
Figura de destaque e promotor do Estado Novo (1933–1974) e da sua organização política, a União Nacional, o ditador Salazar dirigiu os destinos de Portugal como presidente do Ministério entre 1932 e 1933 e, como Presidente do Conselho de Ministros entre 1933 e 1968. Os autoritarismos e nacionalismos que surgiam na Europa foram uma fonte de inspiração para Salazar em duas frentes complementares: a da propaganda e a da repressão. Com a criação da Censura, da organização de tempos livres dos trabalhadores FNAT e da Mocidade Portuguesa, o Estado Novo procurava assegurar a doutrinação de largas massas da população portuguesa ao estilo do fascismo, enquanto que a sua polícia política (PVDE, posteriormente PIDE e, depois da sua morte, DGS), em conjunto com a Legião Portuguesa, combatiam os opositores do regime que, eram julgados em tribunais especiais (Tribunais Militares Especiais e, posteriormente, Tribunais Plenários).
Inspirado no fascismo e apoiando-se na doutrina social da Igreja Católica, Salazar orientou-se para um corporativismo de Estado, com uma linha de ação económica nacionalista assente no ideal da autarcia. Esse seu nacionalismo económico levou-o a tomar medidas de protecionismo e isolacionismo de natureza fiscal, tarifária, alfandegária, para Portugal e as suas colónias, que tiveram impacto negativo, sobretudo até aos anos 60.
   
(...)
   
Os Grandes Portugueses
No programa da RTP Os Grandes Portugueses, realizado em março de 2007, Salazar foi a mais votada das personalidades em jogo, com 42% dos votos expressos, seguido de Álvaro Cunhal, com 19%, e de Aristides de Sousa Mendes, com 13%.
Foi Jaime Nogueira Pinto, professor universitário, que fez a sua apresentação.
O concurso é desvalorizado por alguns historiadores como José Mattoso, António Reis, António Manuel Hespanha e Fernando Rosas, que acusaram a RTP de desinformação e manipulação num texto publicado no jornal Expresso. Em declarações ao Diário de Notícias, Nuno Santos, ex-diretor de programas da RTP, considera que a acusação é de mau gosto e revela má-fé.


in Wikipédia

sábado, abril 13, 2024

D. António Ferreira Gomes, o admirável Bispo do Porto, morreu há 35 anos...

  
D. António Ferreira Gomes (Milhundos, 10 de maio de 1906 - Ermesinde, 13 de abril de 1989) foi um religioso católico português, bispo titular da Diocese do Porto de 1952 a 1982.
A figura do bispo portuense é emblemática, não só por ter pago com dez anos de exílio (1959-1969) o seu amor à verdade, a sua fidelidade à doutrina social da Igreja, mas por ser um grande homem do pensamento português, pela inovação com que lê a tradição nacional. O ter aliado a intervenção da reflexão com a vivência do testemunho guindam o perfil da sua estatura moral a um nível fora do comum. Faz doutrina ao longo de quase quarenta anos, variando de temas segundo a realidade que tinha diante e a partir das referências da renovação da doutrina cristã, desde Pio XII ao Concílio, desde S. Tomás a Rahner. Reflete, como poucos, o carácter ético da busca da verdade, em diálogo e confronto com os grandes “mestres da suspeita” como Nietzche, Marx e Freud.
Homem livre, configurando a liberdade em referência ao Absoluto, defende os direitos humanos em tom profético, com intransigência de génio. Entusiasma-se com o II Concílio do Vaticano e percebe as resistências interiores à mudança de perspetiva, exigida pelo fim do constantinismo. A dimensão sócio-política das suas reflexões integra-se perfeitamente e unicamente na missão pastoral da Igreja. Foi sempre impulsionado pelo dever de bispo que D. António abriu caminho a um diálogo com a cultura contemporânea, consciente e atento observador das suas manifestações concretas no viver da sociedade. O diálogo crítico que entabulou com a modernidade partiu da novidade do evento Jesus Cristo, pela ligação entre história e Revelação acontecida nele. Ao caminhar para uma civilização de liberdade e de amor, como meta da história, estava ciente do mundo ecuménico e pluralista e lançava pontes para uma relação entre cultura e transcendência.
O Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, nasceu na freguesia de Milhundos (Penafiel) a 10 de maio de 1906. Milhundos é uma pequena terra rural atravessada por um riacho, o Cavalum, que dá fertilidade às breves encostas companheiras do seu percurso. António era o quarto de nove filhos de Manuel Ferreira e Albina Rosa de Jesus, lavradores abastados do lugar da Quintela, que teve educação firme, solidificada na disciplina e pautada pela honra. Entrou para o Seminário a 16 de outubro de 1916. O facto de ter um tio padre e cónego motivava-o para abraçar a vida de serviço à Igreja. Acabaria os estudos filosófico-teológicos em Roma, na Universidade Gregoriana, entre 1925 e 1928. Aos 22 anos é presbítero (22 de setembro de 1928), sendo ordenado na Torre da Marca, por D. António Augusto de Castro Meireles. É logo depois nomeado prefeito e diretor de disciplina no Seminário de Vilar. Por impedimento do seu tio, Cónego Ferreira Gomes, em 1936 iria ser vice-reitor com funções de Reitor. Em junho de 1936 é feito cónego da Sé do Porto, juntamente com Manuel Valente e Sebastião Soares de Resende. Foi, então, o exigente professor de filosofia, firmado no seu imperturbável pensamento, seguido com temor e espanto pelos alunos. A ele se deve a colocação de duas máximas nas paredes do Seminário de Vilar: “De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens” e “Fostes resgatados por grande preço, não queirais tornar-vos servos dos homens” (1Cor 7, 23). A vinda para o Porto de D. Agostinho de Jesus e Sousa, em agosto de 1942, depois dos problemas atribulados surgidos na diocese, foi ocasião para relações de colaboração cordial entre o diretor de Vilar e do novo bispo portucalense.
Em 15 de janeiro de 1948, Ano da Proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos quais foi insistente defensor, o Papa nomeia-o bispo e coadjutor de Portalegre, com direito a sucessão. É ordenado na Sé do Porto a 2 de maio de 1948, dia de Santo Atanásio de Alexandria. Coincidência imprevisível de exilados! Preside à celebração D. Agostinho de Jesus e Sousa, sendo ladeado por D. António Valente da Fonseca, bispo de Vila Real e D. Manuel Maria Ferreira da Silva, bispo titular de Gurza. Tomou posse a 25 de maio. Pela morte de D. Domingos Frutuoso, a 6 de junho de 1949, é nomeado Bispo de Portalegre e aí prossegue o contacto com a realidade do Alentejo que estuda, como testemunha o seu então secretário particular, P. José Geraldes Freire (ver Voz Portucalense, de 18 de março de 1982); o outro secretário seria o P. Elias Lopes, que o acompanharia durante alguns meses no Porto. De facto a experiência alentejana iria durar pouco. A sua sensibilidade para com os problemas sociais vem ao de cima desde a primeira hora, perante a situação do proletariado alentejano. Sonhou constituir uma associação agrária de inspiração cristã, com base na doutrina social da Igreja, para apresentar soluções para os graves problemas aí vividos e juntamente com as necessidades económicas atender aos valores morais. O proprietário e engenheiro agrónomo José Pequito Rebelo, lançou em março de 1949 um apelo ao novo bispo para que se fizesse defensor da criação de uma irmandade dos proprietários alentejanos de Lisboa, junto dos bispos vizinhos de Évora e Beja. António Ferreira Gomes contrapõe razões à ideia de Pequito: era o bispo mais novo para tomar iniciativas em todo o Alentejo, tinha prioridades pastorais como a construção do Seminário, a associação não devia valorizar os absentistas. Perante esta resposta Pequito advoga que não vale a pena deitar mãos à criação da associação como D. António a concebera. De facto a ideia foi sendo trabalhada. Em 1951, nasce a Ação Católica Agrária, animada pelo engenheiro Nuno Vaz Pinto e cria-se uma Fraternidade Operária, inaugurada a 8 de abril de 1951, com operários de toda a diocese. Os poucos anos de contacto com as gentes do Alentejo foram suficientes para criar no bispo um carinho e um apreço muito especiais.
A 13 de julho de 1952 é nomeado bispo do Porto. Toma posse por procuração a 14 de setembro e entra solenemente no dia 12 de outubro, uma vez que continuou como Administrador Apostólico de Portalegre até à tomada de posse do sucessor, D. Agostinho Lopes de Moura, a 2 de maio de 1953. De 1952 a 1958, o bispo do Porto notabilizou-se pela atenção à miséria social do povo português, pela critica do corporativismo do Estado e pela exigência de livre expressão do pensamento e da ação política (célebres discursos aos jornalistas, no dia de S. Francisco de Sales).
A seguir à campanha do General Humberto Delgado para a Presidência da República tornou-se conhecido o pró-memória, enviado pelo bispo do Porto a Oliveira Salazar, para anteceder uma conversa que este desejou. É conhecida erradamente como Carta a Salazar (13 de julho de 1958). Ao terminar o Pro memoria para uma conversa com Salazar, o bispo do Porto lançou quatro perguntas relativas às possíveis objeções que o Estado teria à ação da Igreja e dos católicos. Com estas questões não pretende qualquer favor e declara: “antes, pelo contrário, penso que se não forem capazes de aguentar o desfavor e a animosidade do Poder, pouco podem merecer o respeito e a liberdade. Apenas sugiro e peço, mas isso com toda a nitidez e firmeza, o respeito, a liberdade e a não-discriminação devidos ao cidadão honesto em qualquer sociedade civil.” (Gomes - D. António, pp. 139)
  
 
Começou a circular, devido a inconfidências de um amigo de D. António e de um ministro de Salazar. Causou grande polémica nos jornais, às vezes bem reveladora do fanatismo vulgar de alguns espíritos. Certo é que, saindo do país a 24 de julho de 1959, por ser aconselhado a retirar-se uns tempos para férias, é depois proibido de entrar. Vê-se forçado a um exílio de dez anos, iniciado em Vigo e depois continuado em Santiago de Compostela, Valência, onde colabora na ação pastoral, Lourdes, Ciudad Rodrigo e Salamanca. Neste locais recebe frequentes visitas de amigos e apoio da diocese do Porto, que soube ser fiel e digna, no exílio do seu bispo.

Durante o Concilio está em Roma, é membro da Comissão dos Seminários e Estudos, e participa na aula conciliar com intervenções de interesse, relativas ao esquema dos bispos, do ecumenismo, da Igreja no mundo e da liberdade religiosa (1963-1965), talvez esta a mais pertinente. Juntamente com o portuense D. Sebastião Soares de Resende, tem as intervenções mais relevantes da débil presença portuguesa no II Concilio do Vaticano.
No ano de 1969, devido a diligências da ala liberal, em colaboração com padres diocesanos atuantes junto da Nunciatura, Marcelo Caetano autoriza a sua entrada em Portugal. Agora é o esforço de retomar e de redescobrir a diocese e de a reestruturar no estilo do Concílio. A sua preocupação dominante de pastor foi a doutrinação e a criação de organismo de correspondência eclesial.
Não deixa de ser uma figura incómoda e polémica. São exemplos: a presença no julgamento do Padre Mário Pais de Oliveira, nos dias 7 e 8 de janeiro de 1971, a homilia da paz de 1972, quando fala da teologia da guerra e inclui referências à «virtudes militares» dos capelães, o interdito à paróquia de Mozelos, no dia 1 de janeiro de 1974. A mesma linha ética se manteve após o 25 de abril do mesmo ano. Enfrenta a nova situação com a coragem merecida por uma coerência granítica. É um período de escrita singularmente fecundo. O diálogo com a cultura moderna será o seu tema central desde 1976, até ao fim. Isto após os esclarecidos avisos aos portugueses, com apelos à tolerância e a denúncia dos novos perigos pós-revolucionários. Dentro da Igreja, a crítica aos cristãos pelo socialismo demonstrou o homem da fidelidade à memória doutrinal da Igreja (ver Cristianismo, Liberdade e Socialização, in Igreja e Missão, 75/76 (1975; pp. 305/330). A partir de 1978 notam-se algumas reações do clero com posições mais irrequietas e radicais. Nos anos oitenta diminuem os momentos de intervenção.

Começa o reconhecimento público e oficial. É agraciado em 7 de agosto de 1980, com a Grã-cruz da Ordem da Liberdade e a 20 de maio de 1982 é homenageado na Assembleia da República. Escolhe mais uma vez, o dia 2 de maio de 1982 – passados trinta e quatro anos da sua ordenação sacerdotal – para se despedir do seu rebanho do Porto e ir viver para a Quinta da Mão Poderosa, casa da diocese em Ermesinde. Aí viveu discretamente e morreu serenamente. Aí escreveu as Cartas ao Papa e previa escrever um volume de Provas, mas a falta progressiva da visão e a morte do Secretário, o cónego Rebelo, fizeram-no desistir. Em 1986 esteve presente na RTP, onde afirmou em longa entrevista: «eu professo que Deus é o Senhor da História e que a História tem sentido».
Deixou testamento, redigido em 21 de agosto de 1977. Testemunha o desprendimento nobre e a pobreza essencial que nortearam a sua vida e revela a criação da Fundação Spes, com fins benéficos, educativos e culturais. Nenhum dos seus escritos foge ao carácter pastoral. Não escreveu tratados temáticos nem manuais. O conjunto da sua obra proporciona critérios bem alicerçados para os ouvintes ficarem habilitados no discernimento da realidade e da história segundo os princípios do humanismo personalista cristão. Uma ou outra vez acedeu a insistências para escrever textos introdutórios. Um deles é a Saudação para a Lusitania Sacra (1 - 1956; pp. 7-15). Aqui critica o historicismo como naufrágio da história, lança alguns desafios para o fazer de uma «história arquitetónica», como combinação de ciência, arte e filosofia. A História devia chegar a «disciplina total», compreender e respeitar a tradição por consideração para com a vida e traçar visões panorâmicas de conjunto, irradiar uma profunda filosofia da história.
Várias vezes desenhou perfis com a densidade própria da visão alargada, que é seu timbre. É o caso, por exemplo, de D. António Barroso e de D. António Castro Meireles. O drama Herói e Santo (1931) sobre a vida do beato Nuno é a sua estreia literária. Se é falho de valor dramatúrgico, embora escrito com intenção pedagógica para os alunos do Seminário, quer, já então, sugerir uma nova interpretação do Condestável, levantada de novo em Coimbra em 1974. D. António teve pena que ninguém lhe confirmasse ou rebatesse a tese sugerida. Uma conferência, pronunciada na sede da Justiça e Paz de Coimbra, tem por título: Os direitos do homem na tradição portuguesa antiga. É um contributo para conhecer melhor a tradição cristã em Portugal. O longo e belo Pórtico à 3ª edição (1969) dos Contos Exemplares de Sophia de Mello Breyner é uma profunda e erudita reflexão de teor histórico. Considera o bispo que Sophia chega à verdade não pela via platónica grega, mas pela paixão invoca o mistério e a transcendência do ser humano, ao modo católico.
A distância do tempo ajudará a estabelecer a verdadeira estatura deste vulto. Para tal contribuirá a publicação de textos que a Fundação Spes tem vindo a dar à luz. Uma estátua do escultor Arlindo Rocha foi colocada em frente da Torre dos Clérigos, ex-libris do Porto. Outra obra, da escultora Irene Vilar, comemora a presença do ilustre prelado na sua terra natal. O discurso de D. António Ferreira Gomes «entre Revelação/Tradição e Modernidade/História» (A. Pinho), ficará em amálgama com o testemunho vivido em nobre serviço à liberdade superior do homem, a interpelar o presente. A concluir fiquem, por isso, as suas próprias palavras: «O homem existe, cumpre-se e pensa-se na história. E a história não existe, faz-se. É o homem que a faz e escreve; mas também é ela, feita e escrita, que faz o homem…». Assim quisemos.
Perante a pergunta: “seremos nós os homens do fim?” (Cartas, pp. 139), o Bispo de Portalegre e do Porto assume uma atitude de profissão de fé nestes termos: “Penso e creio que a História tem um sentido, que o tempo é um dom de Deus e que os sucessivos avatares de encarnação [...] são passos [...] que sustentam o templo de Deus altíssimo” (Cartas, p.147). Ou mais adiante: ”cremos e professamos que o Bem supera o mal, que onde abundou o pecado superabundou a Redenção e que no fim o Bem triunfará. É isto que dá sentido à história” (Cartas, p. 148). Aceitou livremente a morte com plena lucidez, a 13 de abril de 1989. Também no seu fim adere à realidade e vive o último traço do seu itinerário com pleno humanismo cristão.
    
Funeral de D. António Ferreira Gomes em 1989