Aristides de Sousa Mendes salvou dezenas de milhares de pessoas do
Holocausto. Chamado de "
Schindler português", Sousa Mendes também teve a sua lista e salvou a vida de milhares de pessoas, das quais cerca de dez mil
judeus.
Vida
Foi
batizado Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches numa pequena aldeia do concelho do
Carregal do Sal, no sul do
distrito de Viseu. Aristides pertenceu a uma família
aristocrática rural, católica,
conservadora e monárquica (também católico e
monárquico, apoiou a célebre
contra-revolução a "
Monarquia do Norte"). O seu pai era membro do supremo tribunal. Pelo lado materno era bisneto matrilineal, por
bastardia, do 2.º
Visconde de Midões e descendente de D.
Fernando de Almada (2º Conde de Avranches). Pelo lado familiar "de Sousa", descendente de
Madragana Ben Aloandro (de quem teve filhos El-Rei D.
Afonso III de Portugal), senhora que pertencia à Comunidade Judaica de
Faro e cuja
ascendência provinha do próprio Rei
David de
Israel.
Aristides instala-se em
Lisboa em
1907 após a
licenciatura em
Direito pela
Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, tal como o seu irmão gémeo
César de Sousa Mendes. Ambos enveredaram pela carreira diplomática. César foi feito
Comendador da
Ordem Militar de Cristo a 28 de janeiro de 1925 e Grã-Cruz da
Ordem Real da Estrela Polar da
Suécia a 23 de setembro de 1932. Em 1909 nasceu seu primogénito, tendo ao todo 14 filhos e filhas com a sua mulher Angelina.
Aristides ocupou diversas delegações consulares portuguesas pelo mundo fora, entre elas:
Zanzibar,
Brasil,
Estados Unidos,
Guiana, entre outras.
Em
1929 é nomeado
Cônsul-geral em
Antuérpia, cargo que ocupa até
1938. O seu empenho na promoção da imagem de
Portugal não passa despercebido. É condecorado por duas vezes por
Leopoldo III,
rei da
Bélgica, tendo-o feito Oficial da
Ordem de Leopoldo II a 6 de janeiro de 1931 e Comendador da
Ordem da Coroa,
a mais alta condecoração belga. Durante o período em que viveu na
Bélgica, conviveu com personalidades ilustres, como o escritor
Maurice Maeterlinck,
Prémio Nobel da Literatura, e o cientista
Albert Einstein,
Prémio Nobel da Física.
Depois de quase dez anos de serviço na
Bélgica,
Salazar,
presidente do Conselho de Ministros e simultaneamente Ministro dos Negócios Estrangeiros, nomeia Sousa Mendes cônsul em
Bordéus,
França.
II Grande Guerra
Aristides de Sousa Mendes permanece ainda cônsul de
Bordéus quando tem início a
Segunda Guerra Mundial, e as
tropas de
Adolf Hitler avançam rapidamente sobre a
França.
Salazar manteve a
neutralidade de
Portugal.
Pela
circular 14, Salazar ordena aos cônsules portugueses espalhados pelo mundo que recusem conferir
vistos às seguintes categorias de pessoas: "estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio; os
apátridas; os
judeus, quer tenham sido expulsos do seu país de origem ou do país de onde são cidadãos".
Entretanto, em
1940, o governo francês refugiou-se temporariamente na cidade de
Vichy, fugindo de
Paris antes da chegada das tropas alemãs. Milhares de
refugiados que fogem do avanço nazi dirigiram-se a Bordéus. Muitos deles afluem ao
consulado português desejando obter
visto
de entrada para Portugal ou para os Estados Unidos, onde Sousa Mendes, o
cônsul, caso seguisse as instruções do seu governo, distribuiria vistos
com parcimónia.
Já no final de
1939,
Sousa Mendes tinha desobedecido às instruções do seu governo e emitido
alguns vistos. Entre as pessoas que ele tinha então decidido ajudar
encontra-se o
rabino de
Antuérpia,
Jacob Kruger, que lhe faz compreender que há que salvar os refugiados
judeus.
A
16 de junho de
1940, Aristides decide conceder visto a todos os que o pedissem: "
A partir de agora, darei vistos a toda a gente, já não há nacionalidades, raça ou religião". Com a ajuda dos seus filhos e sobrinhos e do rabino Kruger, ele carimba
passaportes, assina vistos, usando todas as folhas de papel disponíveis.
Confrontado com os primeiros avisos de Lisboa, ele terá dito:
“ |
Se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus. |
” |
Uma vez que Salazar tomara medidas contra o cônsul, Aristides continuou a sua atividade de
20 a
23 de junho, em
Baiona (França), no escritório de um vice-cônsul estupefacto, e mesmo na presença de dois outros funcionários de Salazar. A
22 de junho de
1940, a França pediu um
armistício à Alemanha nazi. Mesmo a caminho de
Hendaye,
Aristides continua a emitir vistos para os refugiados que cruzam com
ele a caminho da fronteira, uma vez que a 23 de junho, Salazar
demitira-o de suas funções de cônsul.
Apesar de terem sido enviados funcionários para trazer Aristides,
este lidera, com a sua viatura, uma coluna de veículos de refugiados e
guia-os em direção à fronteira, onde, do lado espanhol, não existem
telefones. Por isso mesmo, os guardas fronteiriços não tinham sido ainda
avisados da decisão de
Madrid
de fechar as fronteiras com a França. Sousa Mendes impressiona os
guardas aduaneiros, que acabariam por deixar passar todos os refugiados,
que, com os seus vistos, puderam continuar viagem até
Portugal.
Castigo de Salazar
A
8 de julho de
1940,
Aristides, de volta a Portugal, é punido pelo governo de Salazar, que
priva o diplomata das suas funções por um ano, diminuindo em metade o seu
salário, antes de o enviar para a reforma. Para além disso, Sousa Mendes perde o direito de exercer a profissão de
advogado. A sua licença de condução, emitida no estrangeiro, também lhe é retirada.
O cônsul demitido e a sua família, bastante numerosa, sobrevivem graças
à solidariedade da comunidade judaica de Lisboa, que facilitou a alguns
dos seus filhos estudos nos Estados Unidos. Dois dos seus filhos
participaram no
desembarque da Normandia.
Frequentou, juntamente com os seus familiares, a cantina da
assistência judaica internacional, onde causou impressão, pelas suas
ricas roupas e sua presença. Certo dia, teve de confirmar:
“ |
Nós também, nós somos refugiados. |
” |
Em
1945,
Salazar felicitou-o por Portugal ter ajudado os refugiados, recusando-se no entanto a reintegrar Sousa Mendes no corpo diplomático.
A sua miséria será ainda maior: venda dos bens, morte de sua esposa em
1948,
emigração dos seus filhos, com uma exceção. Após a morte da
mulher,
Aristides de Sousa Mendes viveu com uma amante francesa que, segundo
testemunhos da época, muito contribuiu para a sua miséria.
Aristides de Sousa Mendes faleceu muito pobre, a
3 de abril de
1954, no hospital dos
franciscanos em Lisboa. Não possuindo um
fato próprio, foi enterrado com um
hábito franciscano.
Pessoas que salvou
Cerca de trinta mil vistos foram emitidos pelo cônsul Sousa Mendes, dos quais dez mil a refugiados de
confissão judaica.
Entre aqueles que obtiveram um visto do cônsul português contam-se:
Políticos:
- Otto de Habsburgo, filho de Carlos, o último imperador da Áustria-Hungria; o príncipe Otto era detestado por Adolf Hitler,
que o condenara inclusive à morte. Ele escapou com a sua família desde o
exílio belga e dirigiu-se aos Estados Unidos onde participou numa
campanha para alertar a opinião pública.
- Vários ministros do governo belga no exílio.
Artistas:
Reconhecimento
Em
1966, o
Memorial de Yad Vashem (Memorial do
Holocausto situado em
Jerusalém) em Israel, presta-lhe homenagem atribuindo-lhe o título de "
Justo entre as nações". Já em 1961, haviam sido plantadas vinte árvores, em sua memória, nos terrenos do Museu Yad Vashem.
Em
1986, a 15 de novembro, o presidente da República Portuguesa
Mário Soares reabilita Aristides de Sousa Mendes condecorando-o a título póstumo com o grau de Oficial da
Ordem da Liberdade e a sua família recebe desculpas públicas, dezasseis anos após a morte de Salazar.
Em
1994, o presidente português
Mário Soares desvela um
busto
em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, bem como uma placa
comemorativa na Rua 14
Quai Louis-XVIII, o endereço do consulado de
Portugal em
Bordéus em 1940.
Em
1995, a 23 de março, é agraciado a título póstumo pelo presidente da República Portuguesa Mário Soares com a Grã-Cruz da
Ordem Militar de Cristo.
Em 1995, a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) cria um prémio anual com o seu nome.
Em
1996, o grupo de
escuteiros de
Esgueira (
Aveiro) homenageou-o criando o
CLÃ 25 ASM (Aristides de Sousa Mendes)
Em
1998,
a República Portuguesa, na prossecução do processo de reabilitação
oficial da memória de Aristides de Sousa Mendes, condecora-o com a Cruz
de Mérito a título póstumo pelas suas ações em Bordéus.
Em
2005, na Grande Sala da Unesco em Paris, o
barítono Jorge Chaminé
organiza uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes, realizando dois
Concertos para a Paz, integrados nas comemorações dos sessenta anos da
Unesco.
Em
2006
foi realizada uma ação de sensibilização: "Reconstruir a Casa do Cônsul
Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato,
Carregal do Sal e na Quinta de Crestelo, Seia - São Romão.
Em
2007, um programa televisivo da
RTP1,
Os Grandes Portugueses,
promoveu a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos
os tempos. Sousa Mendes foi o terceiro mais votado. Ironicamente, o
primeiro lugar foi atribuído a Salazar e o segundo lugar a Álvaro
Cunhal.
Em 2007 o
barítono Jorge Chaminé realizou dois
concertos de homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus.
Em
Viena,
Áustria, no
Vienna International Center, onde estão sediados diversos organismos da
ONU, como a
Agência Internacional de Energia Atómica, existe um grande passeio pedonal com o nome do ex-diplomata português, denominado Aristides-de-Sousa-Mendes-Promenade.
Aristides de Sousa Mendes não foi o único funcionário a quem o seu
país não perdoou a desobediência apesar dos seus atos de justiça e
humanidade na
Segunda Guerra Mundial.
Entre outros casos conhecidos de figuras que se destacaram pela coragem
e humanismo incluem-se o cônsul japonês em Kaunas (Lituânia)
Chiune Sugihara e
Paul Grüninger, chefe da polícia do cantão suíço de
São Galo.