- Notícia sôbre os vegetais fósseis da flora neocomiana do solo português;
- Monografia do gênero Dicranophillum (Sistema Carbónico);
- Notice sur une algue palèozoique;
- Notícia sôbre as camadas da série permo-carbónica do Bussaco;
- Note sur une nouvel Eurypterus rothliegendes.
sábado, novembro 15, 2025
Venceslau de Lima, um geólogo e político monárquico que foi primeiro-ministro, nasceu há 167 anos
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sexta-feira, novembro 14, 2025
Amadeo de Souza-Cardoso nasceu há 138 anos
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Estuda no Liceu Nacional de Amarante e mais tarde em Coimbra. Em 1905 ingressa no curso preparatório de desenho na Academia Real de Belas-Artes, em Lisboa; e em novembro do ano seguinte (no dia em que celebra o seu 19º aniversário), parte para Paris, instalando-se no bairro de Montparnasse, famoso ponto de encontro de intelectuais e artistas, onde irá viver todos os anos de permanência nessa cidade (1907 – 1914). Ao longo desses oito anos regressará, no entanto, diversas vezes a Portugal, para estadias mais ou menos breves.
Estabelece contacto com outros artistas portugueses a residir em Paris, entre os quais Francisco Smith, Eduardo Viana e Emmerico Nunes. Frequenta os ateliês de Godefroy e Freynet com o intuito de preparar a admissão ao curso de arquitetura, projeto que abraça, em parte para responder às expectativas familiares, mas que acaba por abandonar. Publica caricaturas em periódicos portugueses como O Primeiro de Janeiro (1907) e a Ilustração Popular (1908 – 1909).
O início da sua atividade como pintor data provavelmente de 1907. No ano seguinte conhece Lucie Meynardi Pecetto, com quem viria a casar-se sete anos mais tarde. Em 1909 frequenta as aulas do pintor Anglada-Camarasa na Académie Vitti e mais tarde as Academias Livres.
No dia 5 de março de 1911 Modigliani e Amadeo inauguram uma exposição no ateliê do pintor português, perto do Quai d'Orsay, cujo livro de honra é assinado por Picasso, Apollinaire, Max Jacob e Derain; e no mês seguinte Amadeo participa pela primeira vez numa grande mostra internacional, o XXVII Salon des Independents, exposição determinante e que dá grande visibilidade ao cubismo. Nesse mesmo ano conhece Sonia e Robert Delaunay e, através deles, Apollinaire, Picabia, Chagall, Boccioni, Klee, Franz Marc e Auguste Macke.
Em 1912 publica o álbum XX Dessins, onde reúne desenhos desse ano e do anterior que terão grande divulgação na imprensa francesa e portuguesa; participa no X Salon d’Automne (Grand Palais), encerrando o seu curto ciclo expositivo em Paris. É um dos artistas representados no famoso Armory Show (International Exhibition of Modern Art), Nova Iorque, 1913, exposição que marca a grande viragem modernista no meio artístico norte-americano: atento ao panorama artístico alemão, expõe também em Berlim, no Erster Deutscher Herbstsalon (Primeiro Salão de Outono Alemão), organizado pela Galeria Der Sturm, em conjunto com artistas maioritariamente associados à "novíssima pintura", dos futuristas italianos ao grupo do Blaue Reiter e ao casal Delaunay. Em 1914 tem trabalhos expostos em Londres e nos Estados Unidos da América (Exhibition of Painting and Sculpture in the "Modern Spirit", Milwaukee Art Society). O seu espírito instável fá-lo passar por "momentos torturantes de ansiedade".
Durante uma viagem a Barcelona toma conhecimento do início da I Guerra Mundial (1914-1918). Regressa a Portugal e, a 26 de setembro, casa-se com Lucie Pecetto, fixando residência na Casa do Ribeiro, em Manhufe, que o seu pai mandara construir. No ano seguinte reencontra Sonia e Robert Delaunay, que entretanto haviam fixado residência em Vila do Conde. Amadeo ocupa o seu tempo entre a pintura, a caça, os passeios a cavalo, mas o seu isolamento começa a tornar-se difícil de suportar e faz planos para regressar a Paris. 1916 fica marcado por várias tentativas falhadas de participação em exposições internacionais; nesse mesmo ano publica o álbum 12 Reproductions e realiza exposições individuais no Porto (Salão de Festas do Jardim Passos Manuel) e em Lisboa (Liga Naval, Palácio do Calhariz). O acolhimento crítico, "num país pouco acostumado a exposições deste género, em que o modelo dos salons ainda vigorava, foi sobretudo marcado pela surpresa"; a articulação da montagem, "as obras exibidas e a internacionalização do artista português causaram espanto generalizado". Durante a estadia em Lisboa convive com Almada Negreiros e com membros do grupo Orpheu.
Em 1917 envolve-se em projetos editoriais com Almada Negreiros, publica dois trabalhos na revista Portugal Futurista (Farol; Cabeça Negra), mas acima de tudo trabalha intensamente, aprofundando o seu universo pictórico, que expande em novas direções. Anseia no entanto pelo regresso a Paris, o que não viria a acontecer. No ano seguinte contrai uma doença de pele, que lhe afeta o rosto e as mãos e o impede de trabalhar. Abandona Manhufe e refugia-se em Espinho, na tentativa vã de escapar à epidemia de gripe espanhola que se espalha rapidamente e à qual viria a sucumbir, em 25 de outubro desse mesmo ano.
De personalidade algo paradoxal, Amadeo era "convictamente monárquico" e poderá ter pertencido – este facto não é mencionado nas publicações mais importantes sobre Amadeo –, a um movimento conhecido por Grupo do Tavares, que incluiria, entre outros, Eduardo Viana, Almada Negreiros e Santa Rita.
Em 1910 Amadeo estuda com Anglada Camarasa, "pintor espanhol de colorido vibrante mas também de algum simbolismo estilizado", que impulsiona esse momento de crescimento; no ano seguinte a sua obra começa a revelar verdadeiros sinais de maturidade, num "estilo precioso e mundano […], algo decorativo no seu grafismo estilizado e no seu colorido espetacular, onde se revela a influência […] do orientalismo luxuoso dos Ballets Russes de Diaghilev", esse "verdadeiro fenómeno pluridisciplinar que, com as suas danças exóticas e exuberantes […] transfigurou a paisagem mental de todos os artistas".
Marcado por uma multiplicidade de referências – da longa tradição erudita da arte Europeia à intensidade hierática da arte primitiva Africana; da linearidade sofisticada das gravuras e aguarelas japonesas às ruturas formais e concetuais do cubismo e do futurismo –, para Amadeo, neste momento de consolidação de ideias é igualmente determinante a amizade e conivência de artistas como Modigliani ou Brancusi. É neste quadro de referências que surgem pinturas como Saut du Lapin (Salto do Coelho) ou Os galgos, 1911, e o álbum de 20 desenhos que irá publicar no ano seguinte, com o seu pendor marcadamente decorativo "em que assomam ainda ecos do Jugenstil muniquense", e onde procura afirmar a sua identidade, gráfica e pessoal, revendo-se em memórias ou fantasias e projetando a "construção de alguns cenários mais adequados à sua mitologia pessoal. […] Amadeo é um cavaleiro veloz, um caçador com galgos e falcões, que atravessa a galope as suas montanhas em Manhufe […] até chegar a sua casa, que se perspetiva como um castelo no cimo de uma hierarquia de colinas" (ver, por exemplo, Les Faucons, 1912).
Paralelamente, vemo-lo trabalhar a paisagem em obras onde o sentido predominantemente linear cede o lugar a um outro tipo de plasticidade, numa reaproximação à sensibilidade impressionista que evolui rapidamente para obras totalmente abstratas: "Entre um jogo geométrico de relevos (de lembranças cézanianas) e um ritmo colorido de massas de arvoredo, Amadeo avança para soluções de progressiva indiferenciação, como se essas massas densas perdessem a sua referência à realidade, para se transformarem em exclusivas soluções formais". Irá radicalizar a sua abordagem, aproximando-se de forma mais explícita da decomposição cubista (como na famosa Cozinha da Casa de Manhufe, 1913), que noutras pinturas será tratada através de um cromatismo aberto mais próximo de Delaunay (veja-se, por exemplo, Título desconhecido – Les Cavaliers, c. 1913); e tematicamente oscila entre caminhos diversos, com as alusões figurativas – à figura humana, à natureza-morta ou à paisagem –, a alternar com obras estritamente abstratas como, por exemplo, Sem título, 1913.
Em 1914 expõe trabalhos em Londres e Berlim, o que indicia um desejo de encontrar novas vias de internacionalização. A participação no 1º Salão de Outono (Herbstsalon) organizado pela Galeria Der Sturm, é particularmente significativa da sua ligação ao polo de difusão berlinense. "O dramatismo e a intensa espiritualidade que forma a personalidade do artista, não podem ser excluídos do seu envolvimento com o movimento expressionista e com as sensibilidades estéticas que com ele se cruzaram […]. Coincidindo sensivelmente com a cronologia da sua passagem expositiva pela Alemanha, Amadeo desenvolveu várias séries de trabalhos […] de intenso diálogo com os conteúdos, formais e teóricos, dos expressionismos do seu tempo" (é o que acontece de forma explícita com um conjunto de cabeças, ou máscaras, datado de 1914, que remete, também, para as explorações pioneiras de Picasso em torno das máscaras africanas). E será esta, afinal, uma das principais linhas unificadoras da sua obra plurifacetada. Mesmo quando os caminhos formais apontam noutras direções, "a sua alma de expressionista, esquiva a classificações e a modelos rígidos, individualista, inquieta e dissonante […] sustenta o desenvolvimento do seu trabalho", atravessando todas as fases, desde as primeiras paisagens até ao seu modo final.
O diálogo com as vanguardas do início do Século XX será o grande motor por detrás da obra de Amadeo, mas há fatores determinantes de outra de outra ordem e que se prendem com um universo temático marcado por referentes pessoais. Numa carta dirigida à sua mãe, em 1908, o pintor lamentava a ausência de "um forte meio da arte" na sua terra natal, mas queixava-se igualmente da "atmosfera parda" ou o "sol anémico" de Paris, que contrapunha ao seu "Portugal prodigioso, país supremo para artistas". Segundo Helena Freitas, "o alimento espiritual de Amadeo é também a iconografia da sua terra e das suas tipologias". Na sua pintura encontramos alusões a essa luz diferente; ao sol, às montanhas, às azenhas e moinhos; aos alvos das barracas de feira; às canções, bonecos e figuras populares… (veja-se, por exemplo, Canção Popular - a Russa e o Figaro, c. 1916).
Os últimos trabalhos de Amadeo, datáveis de 1917, "são o núcleo mais consistente e poderoso da sua afirmação como artista". Nestas obras reforçam-se as associações inesperadas, alógicas, "ao mesmo tempo que se adensam e complexificam os processos técnicos, na espessura e materialidade das tintas misturadas com areias e outros agregantes, nas colagens, nos trompe-l’oeils e suas simulações". Partindo de um princípio gerador baseado na fragmentação cubista, irá integrar na pintura elementos iconográficos típicos desse movimento (dos instrumentos musicais à palavra escrita), fragmentos apropriados da vida real (madeira, espelhos, ganchos de cabelo, etc.), representações de partes do corpo ou de produtos contemporâneos produzidos industrialmente (como uma máquina registadora), e formas totalmente abstratas… Essa diversidade aparentemente incongruente é gerida de forma magistral, "num jogo combinatório poderoso e de uma energia plástica rara" que coloca essas obras a par das pinturas mais notáveis suas contemporâneas.
Embora a "notoriedade do seu percurso expositivo e […] integração no contexto internacional dos diálogos de vanguarda" o coloquem no centro da revolução que atravessou o mundo das artes nas primeiras décadas do século XX, a origem de Amadeo num país pequeno e periférico, a sua morte prematura e inconstância estilística, "camaleónica", criaram sérias dificuldades ao seu reconhecimento. Mesmo em Portugal, depois da sua morte, ocorreu um longo hiato até que a sua obra merecesse a devida atenção; e apenas em 1983, com a inauguração do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, se tornou finalmente possível um acesso real e permanente a obras de referência como Título desconhecido (Entrada), ou Título desconhecido (Coty), 1917.
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terça-feira, novembro 11, 2025
Gonçalo Ribeiro Telles morreu há cinco anos...
- A 31 de outubro de 1969, do Presidente Américo Thomaz, o grau de Oficial da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico
- A 6 de abril de 1988, do Presidente Mário Soares, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo
- A 10 de junho de 1990, do Presidente Mário Soares, a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade
- A 25 de maio de 2017, do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique
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sábado, outubro 25, 2025
Amadeo de Souza-Cardoso morreu há cento e sete anos...
Amadeo de Souza-Cardoso (Manhufe, freguesia de Mancelos, Amarante, 14 de novembro de 1887 – Espinho, 25 de outubro de 1918) foi um pintor português.
Estuda no Liceu Nacional de Amarante e mais tarde em Coimbra. Em 1905 ingressa no curso preparatório de desenho na Academia Real de Belas-Artes, em Lisboa; e em Novembro do ano seguinte (no dia em que celebra o seu 19º aniversário), parte para Paris, instalando-se no bairro de Montparnasse, famoso ponto de encontro de intelectuais e artistas, onde irá viver todos os anos de permanência nessa cidade (1907 – 1914). Ao longo desses 8 anos regressará, no entanto, diversas vezes a Portugal para estadias mais ou menos breves.
Estabelece contacto com outros artistas portugueses a residir em Paris, entre os quais Francisco Smith, Eduardo Viana e Emmerico Nunes. Frequenta os ateliês de Godefroy e Freynet com o intuito de preparar a admissão ao curso de arquitetura, projeto que abraça, em parte para responder às expectativas familiares, mas que acaba por abandonar. Publica caricaturas em periódicos portugueses como O Primeiro de Janeiro (1907) e a Ilustração Popular (1908 – 1909).
O início da sua atividade como pintor data provavelmente de 1907. No ano seguinte conhece Lucie Meynardi Pecetto, com quem viria a casar-se sete anos mais tarde. Em 1909 frequenta as aulas do pintor Anglada-Camarasa na Académie Vitti e mais tarde as Academias Livres.
No dia 5 de março de 1911 Modigliani e Amadeo inauguram uma exposição no ateliê do pintor português, perto do Quai d'Orsay, cujo livro de honra é assinado por Picasso, Apollinaire, Max Jacob e Derain; e no mês seguinte Amadeo participa pela primeira vez numa grande mostra internacional, o XXVII Salon des Independents, exposição determinante e que dá grande visibilidade ao cubismo. Nesse mesmo ano conhece Sonia e Robert Delaunay e, através deles, Apollinaire, Picabia, Chagall, Boccioni, Klee, Franz Marc e Auguste Macke.
Em 1912 publica o álbum XX Dessins, onde reúne desenhos desse ano e do anterior que terão grande divulgação na imprensa francesa e portuguesa; participa no X Salon d’Automne (Grand Palais), encerrando o seu curto ciclo expositivo em Paris. É um dos artistas representados no famoso Armory Show (International Exhibition of Modern Art), Nova Iorque, 1913, exposição que marca a grande viragem modernista no meio artístico norte-americano: atento ao panorama artístico alemão, expõe também em Berlim, no Erster Deutscher Herbstsalon (Primeiro Salão de Outono Alemão), organizado pela Galeria Der Sturm, em conjunto com artistas maioritariamente associados à "novíssima pintura", dos futuristas italianos ao grupo do Blaue Reiter e ao casal Delaunay. Em 1914 tem trabalhos expostos em Londres e nos Estados Unidos da América (Exhibition of Painting and Sculpture in the "Modern Spirit", Milwaukee Art Society). O seu espírito instável fá-lo passar por "momentos torturantes de ansiedade".
Durante uma viagem a Barcelona toma conhecimento do início da 1ª Guerra Mundial (1914-1918). Regressa a Portugal e a 26 de setembro casa-se com Lucie Pecetto, fixando residência na Casa do Ribeiro, em Manhufe, que o seu pai mandara construir. No ano seguinte reencontra Sonia e Robert Delaunay, que entretanto haviam fixado residência em Vila do Conde. Amadeo ocupa o seu tempo entre a pintura, a caça, os passeios a cavalo, mas o seu isolamento começa a tornar-se difícil de suportar e faz planos para regressar a Paris. 1916 fica marcado por várias tentativas falhadas de participação em exposições internacionais; nesse mesmo ano publica o álbum 12 Reproductions e realiza exposições individuais no Porto (Salão de Festas do Jardim Passos Manuel) e em Lisboa (Liga Naval, Palácio do Calhariz). O acolhimento crítico, "num país pouco acostumado a exposições deste género, em que o modelo dos salons ainda vigorava, foi sobretudo marcado pela surpresa"; a articulação da montagem, "as obras exibidas e a internacionalização do artista português causaram espanto generalizado". Durante a estadia em Lisboa convive com Almada Negreiros e com membros do grupo Orpheu.
Em 1917 envolve-se em projetos editoriais com Almada Negreiros, publica dois trabalhos na revista Portugal Futurista (Farol; Cabeça Negra), mas acima de tudo trabalha intensamente, aprofundando o seu universo pictórico, que expande em novas direções. Anseia no entanto pelo regresso a Paris, o que não viria a acontecer. No ano seguinte contrai uma doença de pele que lhe afeta o rosto e as mãos e o impede de trabalhar. Abandona Manhufe e refugia-se em Espinho, na tentativa vã de escapar à epidemia de Gripe Espanhola que se espalha rapidamente e à qual viria a sucumbir, em 25 de outubro desse mesmo ano.
De personalidade algo paradoxal, Amadeo era "convictamente monárquico" e poderá ter pertencido – este facto não é mencionado nas publicações mais importantes sobre Amadeo –, a um movimento conhecido por Grupo do Tavares, que incluiria, entre outros, Eduardo Viana, Almada Negreiros e Santa Rita.
Em 1910 Amadeo estuda com Anglada Camarasa, "pintor espanhol de colorido vibrante mas também de algum simbolismo estilizado", que impulsiona esse momento de crescimento; no ano seguinte a sua obra começa a revelar verdadeiros sinais de maturidade, num "estilo precioso e mundano […], algo decorativo no seu grafismo estilizado e no seu colorido espetacular, onde se revela a influência […] do orientalismo luxuoso dos Ballets Russes de Diaghilev", esse "verdadeiro fenómeno pluridisciplinar que, com as suas danças exóticas e exuberantes […] transfigurou a paisagem mental de todos os artistas".
Marcado por uma multiplicidade de referências – da longa tradição erudita da arte Europeia à intensidade hierática da arte primitiva Africana; da linearidade sofisticada das gravuras e aguarelas japonesas às ruturas formais e concetuais do cubismo e do futurismo –, para Amadeo, neste momento de consolidação de ideias é igualmente determinante a amizade e conivência de artistas como Modigliani ou Brancusi. É neste quadro de referências que surgem pinturas como Saut du Lapin (Salto do Coelho) ou Os galgos, 1911, e o álbum de 20 desenhos que irá publicar no ano seguinte, com o seu pendor marcadamente decorativo "em que assomam ainda ecos do Jugenstil muniquense", e onde procura afirmar a sua identidade, gráfica e pessoal, revendo-se em memórias ou fantasias e projetando a "construção de alguns cenários mais adequados à sua mitologia pessoal. […] Amadeo é um cavaleiro veloz, um caçador com galgos e falcões, que atravessa a galope as suas montanhas em Manhufe […] até chegar a sua casa, que se perspetiva como um castelo no cimo de uma hierarquia de colinas" (ver, por exemplo, Les Faucons, 1912).
Paralelamente, vemo-lo trabalhar a paisagem em obras onde o sentido predominantemente linear cede o lugar a um outro tipo de plasticidade, numa reaproximação à sensibilidade impressionista que evolui rapidamente para obras totalmente abstratas: "Entre um jogo geométrico de relevos (de lembranças cézanianas) e um ritmo colorido de massas de arvoredo, Amadeo avança para soluções de progressiva indiferenciação, como se essas massas densas perdessem a sua referência à realidade, para se transformarem em exclusivas soluções formais". Irá radicalizar a sua abordagem, aproximando-se de forma mais explícita da decomposição cubista (como na famosa Cozinha da Casa de Manhufe, 1913), que noutras pinturas será tratada através de um cromatismo aberto mais próximo de Delaunay (veja-se, por exemplo, Título desconhecido – Les Cavaliers, c. 1913); e tematicamente oscila entre caminhos diversos, com as alusões figurativas – à figura humana, à natureza-morta ou à paisagem –, a alternar com obras estritamente abstratas como, por exemplo, Sem título, 1913.
Em 1914 expõe trabalhos em Londres e Berlim, o que indicia um desejo de encontrar novas vias de internacionalização. A participação no 1º Salão de Outono (Herbstsalon) organizado pela Galeria Der Sturm, é particularmente significativa da sua ligação ao polo de difusão berlinense. "O dramatismo e a intensa espiritualidade que forma a personalidade do artista, não podem ser excluídos do seu envolvimento com o movimento expressionista e com as sensibilidades estéticas que com ele se cruzaram […]. Coincidindo sensivelmente com a cronologia da sua passagem expositiva pela Alemanha, Amadeo desenvolveu várias séries de trabalhos […] de intenso diálogo com os conteúdos, formais e teóricos, dos expressionismos do seu tempo" (é o que acontece de forma explícita com um conjunto de cabeças, ou máscaras, datado de 1914, que remete, também, para as explorações pioneiras de Picasso em torno das máscaras africanas). E será esta, afinal, uma das principais linhas unificadoras da sua obra plurifacetada. Mesmo quando os caminhos formais apontam noutras direções, "a sua alma de expressionista, esquiva a classificações e a modelos rígidos, individualista, inquieta e dissonante […] sustenta o desenvolvimento do seu trabalho", atravessando todas as fases, desde as primeiras paisagens até ao seu modo final.
O diálogo com as vanguardas do início do Século XX será o grande motor por detrás da obra de Amadeo, mas há fatores determinantes de outra de outra ordem e que se prendem com um universo temático marcado por referentes pessoais. Numa carta dirigida à sua mãe em 1908, o pintor lamentava a ausência de "um forte meio da arte" na sua terra natal, mas queixava-se igualmente da "atmosfera parda" ou o "sol anémico" de Paris, que contrapunha ao seu "Portugal prodigioso, país supremo para artistas". Segundo Helena Freitas, "o alimento espiritual de Amadeo é também a iconografia da sua terra e das suas tipologias". Na sua pintura encontramos alusões a essa luz diferente; ao sol, às montanhas, às azenhas e moinhos; aos alvos das barracas de feira; às canções, bonecos e figuras populares… (veja-se, por exemplo, Canção Popular - a Russa e o Figaro, c. 1916).
Os últimos trabalhos de Amadeo, datáveis de 1917, "são o núcleo mais consistente e poderoso da sua afirmação como artista". Nestas obras reforçam-se as associações inesperadas, alógicas, "ao mesmo tempo que se adensam e complexificam os processos técnicos, na espessura e materialidade das tintas misturadas com areias e outros agregantes, nas colagens, nos trompe-l’oeils e suas simulações". Partindo de um princípio gerador baseado na fragmentação cubista, irá integrar na pintura elementos iconográficos típicos desse movimento (dos instrumentos musicais à palavra escrita), fragmentos apropriados da vida real (madeira, espelhos, ganchos de cabelo, etc.), representações de partes do corpo ou de produtos contemporâneos produzidos industrialmente (como uma máquina registadora), e formas totalmente abstratas… Essa diversidade aparentemente incongruente é gerida de forma magistral, "num jogo combinatório poderoso e de uma energia plástica rara" que coloca essas obras a par das pinturas mais notáveis suas contemporâneas.
Embora a "notoriedade do seu percurso expositivo e […] integração no contexto internacional dos diálogos de vanguarda" o coloquem no centro da revolução que atravessou o mundo das artes nas primeiras décadas do século XX, a origem de Amadeo num país pequeno e periférico, a sua morte prematura e inconstância estilística, "camaleónica", criaram sérias dificuldades ao seu reconhecimento. Mesmo em Portugal, depois da sua morte, ocorreu um longo hiato até que a sua obra merecesse a devida atenção; e apenas em 1983, com a inauguração do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, se tornou finalmente possível um acesso real e permanente a obras de referência como Título desconhecido (Entrada), ou Título desconhecido (Coty), 1917.
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sexta-feira, outubro 24, 2025
Ramalho Ortigão nasceu há 189 anos...
NOTA: um grande português e um grande escritor, um homem digno e de palavra, com ideais e que sobrepunha os seus ideais ao seu bolso. Para entenderem o que eu digo, aqui fica citada, na íntegra, a carta de demissão do cargo de bibliotecário da Real Biblioteca da Ajuda, dirigida ao Presidente da República:
Quinta de S. José, em Linda-a Pastora, 16 de outubro de 1910
Meu caro Teófilo Braga:
O carácter inalteravelmente afetuoso das nossas relações, através de uma íntima convivência de mais de quarenta anos, me anima a dirigir esta carta ao chefe do atual governo da Nação. Sabe muito bem V., conhecendo a minha orientação mental, que, indiferente às formas de governo, nada em política me é mais profundamente antipático do que o votismo e o parlamentarismo, que eu considero os mais destrutivos agentes da capacidade administrativa em democracias insuficientemente educadas para a liberdade. O governo a que V. preside provém da intervenção fortuita de uma elite que distribuiu o exercício das funções pela especialização das capacidades. Esta génese torna para mim particularmente interessante e atraente o seu governo. Não vá porém julgar, meu caro Teófilo, que por meio desta sincera confissão eu venho formular a minha adesão à República, engrossando assim o abjeto número de percevejos que de um buraco estou vendo nojosamente cobrir o leito da governação. Não; pela minha parte eu não presto esse tributo à República. Nunca também o prestei aos políticos monárquicos, de cujos partidos nunca fiz parte, a cujo funcionalismo nunca pertenci, aos quais nunca absolutamente pedinchei o que quer que fosse.
Sabe V. que o meu tão modesto lugar na Academia foi Tomás de Carvalho quem numa noite, no Grémio, há 42 anos, mo ofereceu, indo eu três dias depois ocupá-lo sem nenhuma outra espécie de intrometimento da minha parte. AS minhas relações com a família real datam da minha entrada na Academia. Latino Coelho, secretário, não querendo pessoalmente levar à assinatura do Rei D. Fernando e mais tarde do Rei D. Luís os diplomas académicos, delegou em mim, chefe da secretaria, esse serviço, e assim tiveram princípios os contactos de recíproco afeto que certamente determinaram o Rei D. Carlos a nomear-me seu bibliotecário. Seria monstruoso que a essa família, à qual na prosperidade eu devi as mais expressivas demonstrações de estima, eu regateasse na desgraça o preito da minha mais saudosa e mais profunda gratidão.
Pode pois V., Teófilo, continuar a olhar direito para mim, porque eu continuo orgulhosamente a ser tão coerente com os meus princípios como V. o tem sido sempre com os seus. O fim desta minha carta é simplesmente felicitá-lo primeiro que tudo, e dar-lhe em seguida daquilo que me diz respeito algumas notícias e informações que — julgo eu — o interessarão talvez.
Domingo passado — faz hoje oito dias — encontrando-me eu e a minha mulher nesta quinta de uma das minhas filhas, a força pública invadiu a nossa casa, que V. conhece, nos Caetanos. As nossas vizinhas de prédio, vendo sentinelas na escada e dizendo-lhe os agentes da autoridade que iam arrombar a minha porta, deram-lhes a chave de que eram depositárias, o que obstou ao arrombamento. Depois de rebuscados todos os apartamentos e telhados do meu domicílio esses senhores fizeram-me o favor de constatar que eu nem tinha padres escondidos nem munições de guerra depositadas entre os móveis, livros e objetos de arte que no meu lar representam a economia de 50 anos da mais correta existência e do mais imaculado trabalho. Parece que essa busca tivera por causa a denúncia de que de cima do meu telhado se haviam disparado tiros sobre as tropas da República! Note, meu querido Teófilo, que eu nem peço explicações da caluniosa delação de que fui objeto nem requeiro satisfação do agravo que se me fez. Desejo apenas informá-lo deste episódio familiar.
Passarei agora a um ponto de mais importância. Refiro-me à Biblioteca de que fui diretor no Paço da Ajuda. É claro que, bibliotecário do Rei, pelo seu bolso remunerado como o haviam sido os meus antecessores Alexandre Herculano e Magalhães Coutinho, eu nenhum compromisso tenho com o governo, qualquer que ele seja, sendo à administração da Fazenda da Casa Real que legalmente cabe intervir na negociação das bibliotecas encorporadas nos bens da Coroa. Eu nem sequer tenho a quem entregar a demissão do meu cargo, o qual de facto cessou de existir desde que não há Rei.
A consideração que todavia me merecem os interesses da civilização e o enternecido amor de velho que me prendia ao tesouro de que fui guarda levam-me a prestar-lhe a V., chefe do governo vigente, toda a informação que possa esclarecê-lo acerca da história, do estado e do destino daquela livraria. Ao ministro do Interior foram já entregues pelos meus empregados as chaves da casa. Em meu poder ficou a chave de meu uso assim como das gavetas da minha secretária, que entregarei a quem me for indicado mediante as formalidades que se considerem oportunas. Regressei da Suiça, onde passei mês e meio de férias, no dia 2 do corrente mês; no dia 3 fui convidado a almoçar em Belém com o presidente eleito da República do Brasil; a seguir rebentou a revolução, intercetando-me a entrada na Ajuda. De modo que nunca mais ali voltei depois do meu regresso. A coleção da Ajuda acha-se porém ordenada de maneira que dispensa preparos de exposição para qualquer efeito que seja. Todas as estantes, todas as prateleiras e todos os volumes estão integralmente etiquetados. Há em cada estante, na divisória mais ao alcance da mão, ao lado direito, um cartão in-fólio, de debrum verde, contendo a relação numérica dos livros dispostos em cada estante. O catálogo, quase completo, e todo ele feito sob a minha direcção, distingue os livros que pertencem à Coroa e os que são propriedade individual do Rei por virem das livrarias particulares dos Reis D. Luís e D. Pedro V e haverem sido adquiridos pelo Rei D. Carlos por meio de tornas aos co-herdeiros, por ocasião do inventário feito por morte de D. Luís.
O catálogo dos manuscritos não está ainda completamente redigido, mas todos eles se encontram inventariados, correspondendo a cada peça um correlativo verbete. O inventário, assaz desenvolvido, dos incunábulos acha-se igualmente redigido e em via de impressão na tipografia da Academia. Está igualmente impresso (à minha custa) o catálogo dos manuscritos que figuraram na Exposição da Guerra Peninsular. Nos quartos de El- Rei D Manuel deve achar-se uma cópia da correspondência de Junot feita em grande parte por minha própria mão. A aplicação da modesta receita da Biblioteca — 10$00 rs. mensais — consta de um livro de caixa, encontrando-se numa das gavetas de que tenho a chave o saldo do último balanço feito no mês de agosto passado, e na mão do oficial Jordão de Freitas a importância e o saldo das duas últimas mensalidades recebidas, agosto e setembro. Situada em lugar tão distante dos centros de estudo, parece naturalmente destinada esta biblioteca a vir a ser encorporada, como de fundo especial, na Biblioteca Nacional, enquanto se não proceda à indispensável e urgente reforma das bibliotecas e dos arquivos da Nação, com especialização dos depósitos e sistematização geral por um regime comum de catalogação e de compras. Como quer porém que seja permita-me, caro amigo, que muito vivamente eu recomende à sua proteção os meus empregados. Jordão é seu conhecido. O praticante Guilherme de Almeida é mais do que simples praticante, é um excelente amanuense. O contínuo Ferreira tem preciosas habilitações para empregado de qualquer grande livraria: é cumulativamente um tanto tipógrafo um tanto encadernador e um tanto desenhador e calígrafo. A reprodução linear das filigranas do papel dos nossos manuscritos, que o incumbi de fazer, é de grande valor, está executada com muito esmero e constitui uma coleção única na bibliografia portuguesa. Encarecidamente lhe rogo que patrocine o destino destes meus antigos colaboradores, todos eles com família e sem outros recursos além dos provenientes do seu emprego na Biblioteca Real. Pela parte que pessoalmente me toca nada solicito e nada aceitaria se alguma coisa me oferecesse. Emigro sem armas e quase que sem bagagens para o interior da minha velhice, sendo minha única ambição acabar recolhidamente no meu canto sem empachar o caminho nem estorvar ninguém. Afetuoso abraço do seu velho camarada e amigo,
Ramalho Ortigão
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Fernando Martins
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