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quarta-feira, março 08, 2023

Poesia cantada adequado à data...

 

LÁGRIMA CELESTE

 

Lágrima celeste,

pérola do mar,

tu que me fizeste

para me encantar!

 

Ah! se tu não fosses

lágrima do céu,

lágrimas tão doces

não chorava eu.

 

Se eu nunca te visse,

bonina do vale,

talvez não sentisse

nunca amor igual.

 

Pomba debandada,

que é dos filhos teus?

Luz da madrugada,

luz dos olhos meus!

 

Meu suspiro eterno,

meu eterno amor,

de um olhar mais terno

que o abrir da flor.

 

Quando o néctar chora

que se lhe introduz

ao romper da aurora

e ao raiar da luz!

 

Esta voz te enleve,

este adeus lá soe,

o Senhor to leve

e Deus te abençoe.

 

O Senhor te diga

se te adoro ou não,

minha doce amiga

do meu coração!

 

Se de ti me esqueço

ou já me esqueci,

ou se mais lhe peço

do que ver-te a ti!

 

A ti, que amo tanto

como a flor a luz,

como a ave o canto,

e o Cordeiro a Cruz;

 

A campa o cipreste,

a rola o seu par,

lágrima celeste,

pérola do mar.

 

Lágrima celeste,

pérola do mar,

tu que me fizeste

para me encantar?

 


in Campo de Flores (1868) - João de Deus

 

segunda-feira, fevereiro 20, 2023

Vitorino Nemésio morreu há 45 anos...

Obra artística realizada na Escola Secundária Vitorino Nemésio
 
Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva (Praia da Vitória, 19 de dezembro de 1901 - Lisboa, 20 de fevereiro de 1978) foi um poeta, escritor e intelectual de origem açoriana que se destacou como romancista, autor de Mau Tempo no Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
  
Biografia
Filho de Vitorino Gomes da Silva e Maria da Glória Mendes Pinheiro, na infância a vida não lhe correu bem em termos de sucesso escolar, uma vez que foi expulso do Liceu de Angra e reprovou no 5.º ano, facto que o levou a sentir-se incompreendido pelos professores. Do período do Liceu de Angra, apenas guardou boas recordações de Manuel António Ferreira Deusdado, professor de História, que o introduziu na vida das Letras.
Com 16 anos de idade, Nemésio desembarcou pela primeira vez na cidade da Horta para se apresentar a exames, como aluno externo do Liceu Nacional da Horta. Acabou por concluir o Curso Geral dos Liceus, em 16 de julho de 1918, com a qualificação de dez valores.
A sua estadia na Horta foi curta, de maio a agosto de 1918. A 13 de agosto o jornal O Telégrafo dava notícia de que Nemésio, apesar de ser um fedelho, um ano antes de chegar à Horta, havia enviado um exemplar de Canto Matinal, o seu primeiro livro de poesia (publicado em 1916), ao director de O Telégrafo, Manuel Emídio.
Apesar da tenra idade, Nemésio chegou à Horta já imbuído de alguns ideais republicanos, pois em Angra do Heroísmo já havia participado em reuniões literárias, republicanas e anarco-sindicalistas, tendo sido influenciado pelo seu amigo Jaime Brasil, cinco anos mais velho (primeiro mentor intelectual que o marcou para sempre) e por outras pessoas tal como Luís da Silva Ribeiro, advogado, e Gervásio Lima, escritor e bibliotecário.
Em 1918, ao final da Primeira Guerra Mundial, a Horta possuía um intenso comércio marítimo e uma impressionante animação nocturna, uma vez que se constituía em porto de escala obrigatória, local de reabastecimento de frotas e de repouso da marinhagem. Na Horta estavam instaladas as companhias dos Cabos Telegráficos Submarinos, que convertiam a cidade num "nó de comunicações" mundiais. Esse ambiente cosmopolita contribuiu, decisivamente, para que ele viesse, mais tarde a escrever uma obra mítica que dá pelo nome de Mau Tempo no Canal, trabalhada desde 1939 e publicada em 1944, cuja acção decorre nas ilhas Faial, Pico, São Jorge e Terceira, sendo que o núcleo da intriga se desenvolve na Horta.
Este romance evoca um período (1917-1919) que coincide em parte com a sua permanência na ilha do Faial e nele aparecem pessoas tais como o Dr. José Machado de Serpa, senador da República e estudioso, o padre Nunes da Rosa, contista e professor do Liceu da Horta, e Osório Goulart, poeta.
Em 1919 iniciou o serviço militar, como voluntário na arma de Infantaria, o que lhe proporcionou a primeira viagem para fora do arquipélago. Concluiu o liceu em Coimbra (1921) e inscreve-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Três anos mais tarde, Nemésio trocou esse curso pelo de Ciências Histórico Filosóficas, da Faculdade de Letras de Coimbra, e, em 1925, matriculou-se no curso de Filologia Românica.
Na primeira viagem que faz à Espanha, com o Orfeão Académico, em 1923, conheceu Miguel Unamuno, escritor e filósofo espanhol (1864-1936), intelectual republicano, e teórico do humanismo revolucionário antifranquista, com quem trocará correspondência anos mais tarde.
A 12 de fevereiro de 1926 desposou, em Coimbra, Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes, com quem teve quatro filhos: Georgina (novembro de 1926), Jorge (abril de 1929), Manuel (julho de 1930) e Ana Paula (dezembro de 1931).
Em 1930 transferiu-se para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde, no ano seguinte, concluiu o curso de Filologia Românica, com elevadas classificações, começando desde logo a leccionar literatura italiana. A partir de 1931 deu inicio à carreira académica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou Literatura Italiana e, mais tarde, Literatura Espanhola.
Em 1934 doutorou-se em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio.
Entre 1937 e 1939 leccionou na Universidade Livre de Bruxelas, tendo regressado, neste último ano, ao ensino na Faculdade de Letras de Lisboa.
Em 1958 leccionou no Brasil.
A 19 de julho de 1961 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e a 17 de abril de 1967 Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.
A 12 de setembro de 1971, atingido pelo limite legal de idade para exercício de funções públicas, profere a sua última lição na Faculdade de Letras de Lisboa, onde ensinara durante quase quatro décadas.
Foi autor e apresentador do programa televisivo Se bem me lembro, que muito contribuiu para popularizar a sua figura e dirigiu ainda o jornal O Dia entre 11 de dezembro de 1975 a 25 de outubro de 1976.
Foi um dos grandes escritores portugueses do século XX, tendo recebido em 1965, o Prémio Nacional da Literatura e, em 1974, o Prémio Montaigne.
Faleceu a 20 de fevereiro de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF, e foi sepultado em Coimbra. Pouco antes de morrer, pediu ao filho para ser sepultado no cemitério de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Mas pediu mais: que os sinos tocassem o Aleluia em vez do dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.
A 30 de agosto de 1978 foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, a título póstumo.
   
Obra
Vitorino Nemésio foi ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo, historiador da literatura e da cultura, jornalista, investigador, epistológrafo, filólogo e comunicador televisivo, para além de toda a actividade de docência.
Levou a cabo, na sua obra, uma transformação das tendências da Presença (que de certa forma precedeu), que garantiu a eternidade dos seus textos. Fortemente marcado pelas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e pela profunda humanidade face à existência e ao sofrimento da vida humana.
Entre as suas principais obras contam-se:
  
Poesia
  • O Bicho Harmonioso (1938)
  • Eu, Comovido a Oeste (1940)
  • Nem Toda a Noite a Vida (1953)
  • O Verbo e a Morte (1959)
  • Canto de Véspera (1966)
  • Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas (1976)
  • Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga (2003) - póstumo
   
Ficção
   
Ensaio e crítica
  • Sob os Signos de Agora (1932)
  • A Mocidade de Herculano (1934)
  • Relações Francesas do Romantismo Português (1936)
  • Ondas Médias (1945)
  • Conhecimento de Poesia (1958)
  
Crónica
  • O Segredo de Ouro Preto (1954)
  • Corsário das Ilhas (1956)
  • Jornal do Observador (1974)
   
A ficção em Vitorino Nemésio
Os trechos de inspiração açoriana são bastante significativos na sua obra notando-se a presença de infantis lembranças, e amores, dores e agoiros de figuras de humildes que nestas páginas ficam vivendo, sob a obsessão circundante do mar, na opinião de Afonso Lopes Vieira. A sua experiência de ilhéu encontra-se presente na sua obra em geral, cuja vida no domínio da ficção se inicia em 1924 com a publicação do volume de contos Paço do Milhafre, prefaciada por Afonso Lopes Vieira, e mais tarde rebaptizada com o título O Mistério do Paço do Milhafre, tendo sido publicada em 1949.
Vitorino Nemésio ao longo de toda a sua carreira literária nunca deixou de surpreender os demais. O escritor nos seus romances conseguiu transmitir uma certa originalidade de escrita, sobretudo na descrição dos lugares e no desenho das personagens, e até dar uma certa generosidade humana que se pode presenciar em Varanda de Pilatos, (obra publicada em 1927) e no volume de novelas A Casa Fechada, constituída por três histórias: O Tubarão, Negócio de Pomba e A Casa Fechada Em relação a esta última história, a crítica foi bastante positiva e unânime, tendo sido considerada uma obra excepcional.
Contudo houve uma obra romanesca, mais complexa, variada, densa e subtil que é Mau Tempo no Canal, obra incomparável na literatura portuguesa do século XX. Este romance havia já sido "ensaiado" pela novela Negócio de Pomba, isto é, esta possui muitos aspectos que irão ser tratados a posteriori naquele romance.
Depois de ter escrito Mau Tempo no Canal, pode-se afirmar que Vitorino Nemésio nunca mais voltou aos trilhos do romance. Ele próprio afirma num inédito do seu espólio Morro autor de um romance único. Mau Tempo no Canal corresponde ao momento mais alto da sua vasta produção literária e é uma das obras-primas da literatura portuguesa.
Ao visitar a Horta pela segunda vez, em 1946, escreveu em Corsário das Ilhas: Gosto da Horta como de nêsperas. Tinha saudades do que fui, já nem sei bem como, aqui. Todo o imaginado é mais ou menos frustrado quando o realizamos; mas na Horta não é bem excedido […]. Matriz no alto onde foram as casas do donatário flamengo e que os jesuítas adaptaram, como sempre, cubicular e faustosamente, mais duas ou três igrejas conventuais nos altos; a cada ponta, ou sainte, as paróquias da Conceição e das Angústias, e o mais que é preciso para completar uma cidadezinha airosa alva como uma noiva – Horta, ou seja, trinta anos depois, Nemésio continuava a recordar os primores do acolhimento, a hospitalidade patriarcal, a gentileza em tudo e por tudo.
    
Outros géneros narrativos
Dentro do género narrativa, para além da obra de ficção, Vitorino Nemésio escreveu e publicou obras de natureza biográfica: desde logo o seu doutoramento tratou a vida de Alexandre Herculano. Escreveu igualmente uma biografia de Isabel de Aragão, a Rainha Santa.
Também escreveu crónicas das viagens que fez ao Brasil, aos Açores e à Madeira e publicou ensaios sobre temas diversos, como temas portugueses e brasileiros, um ensaio sobre Gil Vicente e também crítica de poesia.
   
Poesia de Vitorino Nemésio
Nemésio é sobretudo um poeta, tal como ele próprio o afirma, uma vez que escrever poesia foi uma actividade ininterrupta mantida desde 1916 (com o Canto Matinal) até 1976 (Era do Átomo Crise do Homem). Entre as suas principais obras poéticas contam-se:
  • O Bicho Harmonioso (publicada em 1938)
  • Eu, Comovido a Oeste (publicada em 1940)
  • Festa Redonda (publicada em 1950)
  • Nem toda a Noite a Vida (publicada em 1952)
  • O Pão e a Culpa (publicada em 1955)
  • O Verbo e a Morte (publicada em 1959)
  • Sapateia Açoriana (publicada em 1976)
  • Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga (póstumo, publicada em 2003)
Na opinião de Óscar Lopes, falando a respeito da poesia nemesiana, diz-nos que os volumes de versos se podem agrupar em dois ciclos distintos e que se intersectam na obra Nem toda a Noite a Vida que é o mais heterogéneo de todos.
No primeiro ciclo a temática está relacionada com a insularidade, com a saudade à ilha, à infância, à adolescência, ao pai e ao seu primeiro amor proibido. Toda esta temática está bem visível em O Bicho Harmonioso e em Eu, Comovido a Oeste.
No segundo ciclo já se nota uma transmutação de temas, enveredando para uma temática religiosa e metafísica. Coloca questões acerca da vida e da morte, do ser (devir e permanência do ser), e da busca de sentido para a existência. Por isso o poeta é identificado com a corrente filosófica existencialista. A par desta poesia erudita o poeta cultiva também uma poesia popular profundamente marcada por símbolos de açorianidade, pelo que muitas vezes é acusado de regionalismo literário na sua obra.
    
Outras atividades
A par da sua atividade literária e de docência, Vitorino Nemésio dava conferências (foi numa das viagens à Espanha para dar uma conferência que acabou por conhecer pessoalmente Miguel Unamuno), colaborava com a RTP (Se Bem Me Lembro), bem como em várias revistas e jornais (Seara Nova, Presença, O Diabo e Diário Popular), fundou e dirigiu em conjunto com outros jornais e revistas como o Gente Nova, foi redator de jornais e assumiu a direção do jornal O Dia, no fim da sua carreira profissional.
    
Nemésio e a Açorianidade
O conceito de "Açorianidade" foi definido por Nemésio em 1932 e, desde então, foi amplamente divulgado em contextos bem diferenciados, desde estudos de âmbito literário a intervenções de ordem política. Naquele ano, por ocasião do V Centenário do Descobrimento dos Açores, afirmou:
"(...) Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu. Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar.Um espírito nada tradicionalista, mas humaníssimo nas suas contradições, com um temperamento e uma forma literária cépticos, - o basco espanhol Baroja, - escreveu um livro chamado Juventud, Egolatria 'O ter nascido junto do mar agrada-me, parece-me como um augúrio de liberdade e de câmbio'. Escreveu a verdade. E muito mais quando se nasce mais do que junto do mar, no próprio seio e infinitude do mar, como as medusas e os peixes (...)Uma espécie de embriaguez do isolamento impregna a alma e os actos de todo o ilhéu, estrutura-lhe o espírito e procura uma fórmula quási religiosa de convívio com quem não teve a fortuna de nascer, como o logos, na água (...) 
(...) Meio milénio de existência sobre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas e bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempo - e o tempo é espírito em fieri (...) 
Como homens, estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar. 
Um dia, se me puder fechar nas minhas quatro paredes da Terceira, sem obrigações para com o mundo e com a vida civil já cumprida, tentarei um ensaio sobre a minha açorianidade subjacente que o desterro afina e exacerba."
Posteriormente, em 1975, em quatro novos textos publicados no Diário Insular, o mesmo foi retomado e aprofundado. É o próprio Nemésio que recorda:
"Outro sintoma linguístico da impulsividade afirmativa dos Açores como etnia ou espaço geográfico originais está no emprego da palavra 'açorianidade'. Quem escreve estas linhas passa por inventor desse vocábulo, há bons quarenta anos. Luís Ribeiro, o insigne etnógrafo e jurisconsulto açoriano de 'Os Açores de Portugal' - opúsculo de grande valia, pela posição de contraste, para o emancipalismo de hoje - foi um dos que generosamente me 'patentearam' por tão pobre criação vocabular. Porque lia então muitos ensaístas espanhóis, incluindo o clássico Pi y Margall de 'Las nacionalidades', decalquei sobre 'hispanidade e argentinidade' (Unamuno) o meu 'açorianidade' ".
  
 
Tenho uma Saudade tão Braba

Tenho uma saudade tão braba
Da ilha onde já não moro,
Que em velho só bebo a baba
Do pouco pranto que choro.

Os meus parentes, com dó,
Bem que me querem levar,
Mas talvez que nem meu pó
Mereça a Deus lá ficar.

Enfim, só Nosso Senhor
Há-de decidir se posso
Morrer lá com esta dor,
A meio de um Padre Nosso.

Quando se diz «Seja feita»
Eu sentirei na garganta
A mão da Morte, direita
A este peito, que ainda canta.


in Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga (2003) - Vitorino Nemésio

segunda-feira, fevereiro 06, 2023

José Craveirinha morreu há vinte anos...



  
José João Craveirinha (Lourenço Marques, 28 de maio de 1922 - Maputo, 6 de fevereiro de 2003) é considerado o poeta maior de Moçambique. Em 1991, tornou-se o primeiro autor africano galardoado com o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa.
Utilizou os seguintes pseudónimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. Foi presidente da Associação Africana na década de 50.
Esteve preso, entre 1965 e 1969, por fazer parte de uma célula da 4.ª Região Político-Militar da Frelimo.
Foi o primeiro presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, entre 1982 e 1987. Em sua homenagem, a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), em parceria com a HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa), instituiu em 2003, o Prémio José Craveirinha de Literatura.
  


Quero Ser Tambor
 
Tambor está velho de gritar

Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
  
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
 
Nem nada!
 
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
 
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
  
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

 

José Craveirinha

quarta-feira, fevereiro 01, 2023

Fernando Assis Pacheco nasceu há 86 anos...

(imagem daqui)
    
Fernando Santiago Mendes de Assis Pacheco (Coimbra, 1 de fevereiro de 1937 - Lisboa, 30 de novembro de 1995) foi um jornalista, crítico, tradutor e escritor português.
Licenciado em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, viveu nesta cidade até iniciar o serviço militar, em 1961. Filho de pai médico e de mãe doméstica, era seu avô materno galego (e casado com uma lavradeira da Bairrada) e seu avô paterno era roceiro em São Tomé.
Enquanto jovem, foi ator de teatro (TEUC e CITAC) e redator da revista Vértice, o que lhe permitiu privar de perto com o poeta neo-realista Joaquim Namorado e com poetas da sua geração, como Manuel Alegre e José Carlos de Vasconcelos.
Cumpriu parte do serviço militar em Portugal entre 1961 e 1963, tendo seguido como expedicionário para Angola, onde esteve até 1965. Inicialmente integrado num batalhão de cavalaria, viria a ser reciclado nos serviços auxiliares e colocado no Quartel-General da Região Militar de Angola.
Publicou a primeira obra em Coimbra, com o patrocínio paterno, não obstante se encontrar, na altura, em África. Cuidar dos Vivos é o título do livro de estreia - poemas de protesto político e cívico, com afloramento dos temas da morte e do amor. Em apêndice, dois poemas sobre a guerra em Angola, que terão sido dos primeiros publicados sobre este conflito. O tema da guerra em África voltaria a impor-se em Câu Kiên: Um Resumo (1972), ainda que sob "camuflagem vietnamita", livro que, em 1976, conheceria a sua versão definitiva: Katalabanza, Kilolo e Volta.
Memória do Contencioso (1980) reúne "folhetos" publicados entre 1972 e 1980, e Variações em Sousa (1987) constitui um regresso aos temas da infância e da adolescência, com Coimbra como cenário, e refinando uma veia jocosa e satírica já visível nos poemas inaugurais. A novela Walt (1978) comprova-o exuberantemente. Era notável em Assis Pacheco a sua larga cultura galega, aliás sobejamente explanada em alguns dos seus textos jornalísticos e no seu livro Trabalhos e Paixões de Benito Prada. Em A Musa Irregular (1991) reuniu toda a sua produção poética.
Nunca conheceu outra profissão que não fosse o jornalismo: deixou a sua marca de grande repórter no Diário de Lisboa, na República, no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, no Musicalíssimo e no Se7e, onde foi diretor-adjunto. Foi também redator e chefe de Redação de O Jornal, semanário onde durante dez anos exerceu crítica literária, e colaborador da RTP.
Traduziu para português obras de Pablo Neruda e Gabriel García Márquez.
Casou a 4 de fevereiro de 1963 com Maria do Rosário Pinto de Ruella Ramos (nascida a 27 de julho de 1941), filha de João Pedro de Ruella de Almeida Ramos e de sua mulher, Germana Marques Vieira Pinto, e de quem teve cinco filhas e um filho.

 

 
Seria o Amor Português
  
Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.
  
Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.
  
Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo, no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.
  
Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
do teu amor tudo seja novo,
um homem uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.
  
Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta? 

  
  

in A Musa Irregular (1991) - Fernando Assis Pacheco

segunda-feira, janeiro 16, 2023

Susan Sontag nasceu há noventa anos...

   
Susan Sontag
(Nova Iorque, 16 de janeiro de 1933 - Nova Iorque, 28 de dezembro de 2004) foi uma premiada escritora, ensaista, cineasta, filósofa, professora, crítica de arte e ativista dos Estados Unidos. Escreveu extensivamente sobre fotografia, cultura e media e atuou nas causas anti-guerra, em prol dos direitos humanos e campanhas sobre a SIDA. Além de posicionada ideologicamente no campo da esquerda, Sonstag era bissexual. Os seus ensaios normalmente repercutiam bastante e ela foi descrita como "uma das críticas mais influentes de sua geração".
Formou-se na Universidade de Harvard. Escreveu, sobretudo, ensaios, mas também publicou romances. A sua primeira grande obra foi o ensaio Notes on 'Camp', em 1964. As suas obras mais conhecidas são Contra a interpretação (1966), A vontade radical (1968), Sobre a Fotografia (1977), A doença como metáfora (1978), bem como as obras de ficção The Way We Live Now (1986), The Volcano Lover (1992) e In America (1999), pelo qual recebeu em 2000 um dos mais importantes prémios do seu país, o National Book Award.

Teve intensa participação em periódicos, publicando artigos em revistas como The New Yorker e The New York Review of Books e no jornal The New York Times.

Também é conhecida pelo seu ativismo, tendo viajado para áreas de conflito, incluindo a Guerra do Vietnã e o Cerco de Sarajevo. Escreveu extensivamente sobre fotografia, cultura e media, SIDA e doenças, direitos humanos. Foi descrita como "uma das críticas mais influentes de sua geração".

Em um de seus últimos artigos, publicado em maio de 2004 no jornal The New York Times, Sontag afirmou que "a história recordará a Guerra do Iraque pelas fotografias e vídeos das torturas cometidas pelos soldados americanos na prisão de Abu Ghraib".

Faleceu aos 71 anos de idade de síndrome mielodisplásica seguida de uma leucemia mielóide aguda, em 28 de dezembro de 2004. 

 

Percurso

Sontag nasceu, com o nome de Susan Rosenblatt, na cidade de Nova Iorque, filha do judeu norte-americano Jack Rosenblatt e da sua esposa, Mildred Jacobsen, ambos judeus de ascendência lituana e polaca. O seu pai administrava um negócio de comércio de peles na China, onde morreu de tuberculose em 1939, quando Susan tinha cinco anos. Sete anos depois, a mãe de Sontag casou-se com o capitão do Exército dos EUA, Nathan Sontag. Susan e sua irmã, Judith, adotaram o sobrenome do padrasto, embora ele não as tenha adotado formalmente. Sontag não teve uma educação religiosa e disse que não entrou numa sinagoga até meados dos 20 anos.

Sontag morou em Long Island, Nova York, depois em Tucson, Arizona, e mais tarde em San Fernando Valley, no sul da Califórnia, onde se formou na North Hollywood High School aos 15 anos. Ela começou os seus estudos de graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley, mas transferiu-se para a Universidade de Chicago. Em Chicago, dedicou-se aos estudos de filosofia, história antiga e literatura. Ela formou-se em Artes aos 18 anos e foi eleita para Phi Beta Kappa. Enquanto estava em Chicago,  tornou-se amiga do então colega estudante Mike Nichols. Em 1951, um seu trabalho foi publicado pela primeira vez na edição de inverno da Chicago Review.

Apesar de ter se tornado consciente da sua atração por mulheres no início da adolescência, casou-se aos 17 com Philip Rieff em Chicago após um namoro de dez dias. O casamento duraria oito anos, durante os quais ela trabalhou no ensaio Freud: The Mind of the Moralist, que seria atribuído unicamente a Philip Rieff, no âmbito do acordo no divórcio que ocorreu entre ambos em 1958. O casal teve um filho, David Rieff, que seria mais tarde o editor da obra da mãe e escritor ele próprio.

Em 1952 e 1953, Sontag seria professora de inglês na Universidade de Connecticut. Também frequentou a Universidade de Harvard para a pós-graduação, inicialmente estudando literatura com Perry Miller e Harry Levin, antes de entrar na filosofia e teologia com Paul Tillich, Jacob Taubes, Raphael Demos e Morton White. Depois de completar Mestrado em filosofia, Sontag iniciou a sua pesquisa de doutoramento em metafísica, ética, filosofia grega e filosofia continental e teologia, na mesma instituição.

O filósofo Herbert Marcuse viveu com Sontag e Rieff durante um ano enquanto escrevia Eros and Civilization.

Premiada com uma bolsa de estudos da American Association of University Women's para o ano académico de 1957-1958 no St. Anne's College, na Universidade de Oxford, teve aulas com Iris Murdoch, Stuart Hampshire, A. J. Ayer e H. L. A. Hart, enquanto também participava dos seminários B. Phil de J. L. Austin e das palestras de Isaiah Berlin. Apesar da bolsa, transfere-se para a Universidade de Paris (a Sorbonne). Em Paris, Sontag encontrou artistas e académicos expatriados, incluindo Allan Bloom, Jean Wahl, Alfred Chester, Harriet Sohmers e María Irene Fornés.

Ela mudou-se para Nova York em 1959 para viver com Fornés pelos próximos sete anos, recuperando a custódia de seu filho e lecionando em universidades enquanto a sua reputação literária crescia.

  

quarta-feira, janeiro 11, 2023

O grande poeta e pedagogo João de Deus morreu há 127 anos

  
João de Deus de Nogueira Ramos (São Bartolomeu de Messines, 8 de março de 1830 - Lisboa, 11 de janeiro de 1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico e pedagogo, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objeto das mais variadas homenagens. Foi considerado o poeta do amor e encontra-se sepultado no Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa.

 


 

LÁGRIMA CELESTE
 
 
Lágrima celeste,
pérola do mar,
tu que me fizeste
para me encantar!
 
Ah! se tu não fosses
lágrima do céu,
lágrimas tão doces
não chorava eu.
 
Se eu nunca te visse,
bonina do vale,
talvez não sentisse
nunca amor igual.
 
Pomba debandada,
que é dos filhos teus?
Luz da madrugada,
luz dos olhos meus!
 
Meu suspiro eterno,
meu eterno amor,
de um olhar mais terno
que o abrir da flor.

Quando o néctar chora
que se lhe introduz
ao romper da aurora
e ao raiar da luz!
 
Esta voz te enleve,
este adeus lá soe,
o Senhor to leve
e Deus te abençoe.
 
O Senhor te diga
se te adoro ou não,
minha doce amiga
do meu coração!
 
Se de ti me esqueço
ou já me esqueci,
ou se mais lhe peço
do que ver-te a ti!
 
A ti, que amo tanto
como a flor a luz,
como a ave o canto,
e o Cordeiro a Cruz;
 
A campa o cipreste,
a rola o seu par,
lágrima celeste,
pérola do mar.
 
Lágrima celeste,
pérola do mar,
tu que me fizeste
para me encantar?
 
 
in
Campo de Flores (1893) - João de Deus

sexta-feira, janeiro 06, 2023

O Expresso faz hoje cinquenta anos!


O Expresso é um jornal português de periodicidade semanal publicado ao sábado desde 1973. O atual diretor do Expresso é João Vieira Pereira, que assumiu o cargo a 23 de março de 2019. O Expresso passou a utilizar o Acordo Ortográfico de 1990 na edição de 26 de junho de 2010.

 

O semanário Expresso foi fundado a 6 de janeiro de 1973 e inicialmente dirigido por Francisco Pinto Balsemão. Pinto Balsemão encontra-se ligado à imprensa por razões familiares — o avô, como ele chamado Francisco Pinto Balsemão, comerciante e militante republicano, foi fundador e proprietário de jornais; posteriormente, o tio e o pai foram os proprietários do Diário Popular. Pinto Balsemão foi secretário do Diretor e, posteriormente, vogal do Conselho de Administração da empresa proprietária do Diário Popular. Após a morte do pai, herdou, juntamente com o tio, a quota de 16,6% do capital dessa empresa, que passou a ter como acionistas Francisco e o tio (sendo este o acionista maioritário) e Guilherme Brás Medeiros. Depois da oferta, no verão de 1971, do Banco Borges pelo diário, o tio de Balsemão aceita vender.

Francisco Pinto Balsemão abandona então o Diário Popular e decide investir num jornal próprio, com o modelo «dos jornais ingleses de domingo de qualidade», como o The Sunday Times e The Observer. Para isso Augusto de Carvalho, o diretor de publicidade e Fernando Ulrich fazem um estágio no Reino Unido para se inteirarem do modelo jornalístico. Não sem que a correspondência trocada entre Balsemão e os diretores dos jornais ingleses fosse intercetada pela PIDE, que fotocopiou a informação e a fez chegar a Marcello Caetano. O título Expresso deixa antever uma forte influência da revista francesa L'Express.

É criada assim a empresa proprietária do jornal, uma sociedade anónima com a denominação Sojornal - Sociedade Jornalística e Editorial, SARL, com sede no segundo andar direito do número 37 da Rua Duque de Palmela, em Lisboa. O prédio tem a particularidade de se tratar de um imóvel desenhado em 1902 pelo arquiteto Ventura Terra e onde já vivera Afonso Costa.

Balsemão fica com 51% do capital inicial (6 mil contos, o equivalente a 1,6 milhões de euros, a preço atual, ajustado à inflação). A participação dos demais acionistas é limitada a um máximo de 15%. Entre os quais estão a Sociedade Nacional de Sabões, da família Rocha dos Santos, o banqueiro Manuel Boullosa, as famílias Ruella Ramos (do Diário de Lisboa) e Botelho Moniz (do Rádio Clube Português). Com posições pequenas estão o tio de Francisco Pinto Balsemão, seis amigos de Balsemão (Luiz Vasconcellos, Francisco da Costa Reis, António Patrício Gouveia, o escritor Ruben A. Leitão, Luís Corrêa de Sá, António Flores de Andrade) e a sua mulher Mercedes. Por fim, surgem ainda na lista os jovens António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa.

A primeira versão do semanário surge em formato broadsheet e com dois cadernos. O primeiro caderno de caráter mais noticioso, «com uma primeira página forte e secções bem definidas nas páginas interiores» e o segundo, chamado Revista «menos ligada ao dia a dia, convidando à reflexão e proporcionando entretenimento [...] contendo prosas maiores». O design ficou a cabo de Vítor da Silva e Luís Ribeiro, que durante anos foi o grafista-chefe do jornal.

A primeira redação era chefiada por Augusto de Carvalho. José Manuel Teixeira estava encarregue da secção nacional, Fernando Ulrich (sob o pseudónimo Vicente Marques) fazia a crónica bolsista, António Patrício Gouveia escrevia sobre economia, Álvaro Martins Lopes na secção internacional e Inácio Teigão no desporto. Faziam também parte Fernando Brederode Santos, Teodomiro Leite de Vasconcelos (Rádio Renascença), João Bosco Mota Amaral (correspondente nos Açores com o pseudónimo J. Soares Botelho), Mercedes Balsemão (esposa do diretor, que fazia as palavras-cruzadas com o pseudónimo Marcos Cruz), Juan Luis Cebrián, primeiro diretor do El País e correspondente do Expresso em Madrid. O diretor de publicidade era Jorge Galamba.

No dia 21 de dezembro de 1972, no hotel Ritz, realiza-se a sessão de lançamento do novo semanário. A campanha de publicidade fica a cargo da agência Ciesa, onde pontifica o criativo Artur Portela Filho. No entanto, a campanha para a televisão é proibida.

Com o Expresso surgem também outras inovações para a época em Portugal. O estatuto editorial, um Conselho de Redação, eleito pelos jornalistas, e o Conselho Editorial, para o qual são convidados Mário Murteira, Ruben A., Vasco Vieira de Almeida, João Morais Leitão, Sedas Nunes e Magalhães Mota.

Por fim, o primeiro número sai para a rua no dia 6 de janeiro de 1973. A tiragem ultrapassa os 60 mil exemplares, impressos na rotativa do Diário de Lisboa, em que cada um contava com 24 páginas e dois cadernos, ao preço de 5$00 (2,5 Cêntimos a preço atual). A manchete é uma sondagem encomendada: «63 por cento dos portugueses nunca votaram».

 

in Wikipédia

domingo, janeiro 01, 2023

O jornal The Times faz hoje 235 anos

Capa da edição do The Times de 4 de dezembro de 1788
  
The Times ("Os Tempos", em inglês) é um jornal britânico nacional com sede em Londres, Reino Unido. Foi fundado em 1785 sob o título The Daily Universal Register, adotando o seu nome atual a 1 de janeiro de 1788. 
   
(...)
  
O The Times é o criador do tipo de letra Times Roman, amplamente utilizada e originalmente desenvolvido por Stanley Morison, do The Times, em colaboração com a Monotype Corporation. Em novembro de 2006, o Times começou a imprimir manchetes numa nova fonte, a Times New Roman. O jornal foi impresso em formato standard durante 219 anos, mas mudou para tamanho compacto em 2004, numa tentativa de ser mais apelativo para os leitores mais jovens e os viajantes que utilizam o transporte público.
  

segunda-feira, dezembro 19, 2022

Hoje é dia de recordar Vitorino Nemésio...

(imagem daqui)

    

Corno Coxo
 
Fui hoje à Caixa, Marga, receber
A pensão de reforma.
Coxo e doido, Marga. Muito!
Duro é ser velho, e, então, de ossos a arder?
A minha tíbia engole facas.
Fui hoje à Caixa receber
O troco das pernas fracas.
E lembrei-me de ti, que eras habituée
Lá pela ordem dos trinta, dos cinquenta milhões.
Da formiga à cigarra:
(Iguais ocasiões)
- Que faisiez vous aux temps chaux,
Dit-elle à cette emprunteuse.
Lembrei-me de ti com La Fontaine,
Cigarra, claro, chanteuse.
Formiga fora uma aubaine.
Marga, é tão triste o dinheiro!
Até já o ganhas, como eu,
E andaste coxa, cheia de dores
Tu que o atiravas aos punhados
Como em batalha de flores
Estás como os reformados
À espera dos directores
Mas como ainda és bonita
E há sempre um, pronto aos favores,
Vê bem o que ele te debita
Que descontos te faz
Ê provável que insista
Sabendo-te "petite amie" de um pobre pensionista
A menina bem sabe que há certas coisas que nem mesmo um aperto
(Ai, a minha perninha!)
Cornucópia - corno coxo.

  
    
in
Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga (2003) - Vitorino Nemésio

Alexandre O'Neill nasceu há 98 anos...

(imagem daqui)
  
Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill de Bulhões (Lisboa, 19 de dezembro de 1924 - Lisboa, 21 de agosto de 1986) foi um importante poeta do movimento surrealista português. Era descendente de irlandeses.
Autodidacta, O’Neill foi um dos fundadores do Movimento Surrealista de Lisboa. É nesta corrente que publica a sua primeira obra, o volume de colagens A Ampola Miraculosa, mas o grupo rapidamente se desdobra e acaba. As influências surrealistas permanecem visíveis nas obras dele, que além dos livros de poesia incluem prosa, discos de poesia, traduções e antologias. Não conseguindo viver apenas da sua arte, o autor alargou a sua acção à publicidade. É da sua autoria o lema publicitário «Há mar e mar, há ir e voltar». Foi várias vezes preso pela polícia política, a PIDE.
  
Os começos
Em 1943, com dezassete anos, publicou os primeiros versos num jornal de Amarante, o Flor do Tâmega. Apesar de ter recebido prémios literários no Colégio Valsassina, esta atividade não foi grandemente incentivada pela família.
Datam do ano de 1947 duas cartas de Alexandre O'Neill que demonstram o seu interesse pelo surrealismo, dizendo numa delas (de outubro) possuir já os manifestos de Breton e a Histoire du Surrealisme de M. Nadeau. Nesse mesmo ano, O'Neill, Mário Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo, sobretudo com os seus Cadáveres Esquisitos e Diálogos Automáticos, que conduziam ao desmembramento do sentido lógico dos textos e à pluralidade de sentidos.
Por volta de 1948, fundou o Grupo Surrealista de Lisboa com Mário Cesariny, José-Augusto França, António Domingues, Fernando Azevedo, Moniz Pereira, António Pedro e Vespeira. As primeiras reuniões ocorreram na Pastelaria Mexicana. As posições antineorealistas eram frontais e provocatórias, tal como as atitudes contra o regime: em abril, o Grupo retira a sua colaboração da III Exposição Geral de Artes Plásticas, por recusar a censura prévia que a comissão organizadora decidira impor. Com a saída de Cesariny, em agosto de 1948, o grupo cindiu-se em dois, dando origem ao Grupo Surrealista Dissidente (que integrou, além do próprio Cesariny, personalidades como António Maria Lisboa e Pedro Oom).
Em 1949, tiveram lugar as principais manifestações do movimento surrealista em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa (em janeiro), onde expuseram Alexandre O'Neill, António Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José-Augusto França e Vespeira. Nessa ocasião, Alexandre O'Neill publicou A Ampola Miraculosa como um dos primeiros números dos Cadernos Surrealistas. A obra, constituída por 15 imagens e respectivas legendas, sem nenhum nexo lógico entre a imagem e legenda, poderá ser considerada paradigmática do surrealismo português.
  
A estreia
Depois de uma fase de ataques pessoais entre os dois grupos surrealistas (1950-52) e a extinção de ambos os grupos, o surrealismo continuou a manifestar-se na produção individual de alguns autores, incluindo o próprio Alexandre O'Neill. Em 1951, no "Pequeno Aviso do Autor ao Leitor", inserido em Tempo de Fantasmas, ele demarcou-se como surrealista. Nessa mesma obra, sobretudo na primeira parte, Exercícios de Estilo (1947-49), a influência deste corrente manifesta-se em poemas como "Diálogos Falhados", "Inventário" ou "A Central das Frases" e na insistência em motivos comuns a muitos poetas surrealistas, como a bicicleta e a máquina de costura.
  
Política
Neste primeiro livro de poesia inclui o poema que o tornou célebre, "Um Adeus Português", originado num episódio biográfico que o próprio viria a contar, muitos anos mais tarde: no início de 1950, estivera em Lisboa Nora Mitrani, enviada do surrealismo francês para fazer uma conferência. Conheceu O’Neill e apaixonaram-se. Meses mais tarde, querendo juntar-se-lhe em Paris, O’Neill foi chamado à PIDE e interrogado. Por pressão de uma pessoa da família, foi-lhe negado o passaporte. Coagido a ficar em Portugal, não voltaria a ver Nora Mitrani.
Não foi, de resto, a única vez que Alexandre O’Neill foi confrontado com a polícia política. Em 1953, esteve preso vinte e um dias no Estabelecimento Prisional de Caxias, por ter ido esperar Maria Lamas, regressada do Congresso Mundial da Paz em Viena. A partir desta data, passou a ser vigiado pela PIDE. No entanto, sendo um oposicionista, não militou em nenhum partido político, nem durante o Estado Novo, nem a seguir ao 25 de Abril – conhece-se-lhe uma breve ligação ao MUD juvenil, na altura em que abandona o Grupo Surrealista de Lisboa. A partir desta época, O’Neill foi-se distanciando de grupos ou tertúlias, demasiado irónico e cioso do seu individualismo para se envolver seriamente em qualquer militância partidária.
  
A obra literária
Em 1958, com a edição de No Reino da Dinamarca, Alexandre O’Neill viu-se reconhecido como poeta. Na década de 1960, provavelmente a mais produtiva literariamente, foi publicando livros de poesia, antologias de outros poetas e traduções.
A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de vanguarda, (surrealismo e experiências próximas do concretismo) - que se manifesta no carácter lúdico do seu jogo com as palavras, no seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos «inventários» surrealistas - com a influência da tradição literária (de autores como Nicolau Tolentino e o abade de Jazente, por exemplo).
Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um proletariado heróico criada pelo neorealismo, a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe opor.
Temas como a solidão, o amor, o sonho, a passagem do tempo ou a morte, conduzem ao medo (veja-se "O Poema Pouco Original do Medo", com a sua figuração simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país - "meu remorso, meu remorso de todos nós". Este humor é, muitas vezes, manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os discursos oficiais ou publicitários, ou que reflecte a própria organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de lugares-comuns pequeno-burgueses, de onomatopeias ou de neologismos inventados pelo autor.
Encontra-se colaboração da sua autoria no semanário Mundo Literário (1946-1948).
     
A vida privada e profissional
Alexandre O’Neill, apesar de nunca ter sido um escritor profissional, viveu sempre da sua escrita ou de trabalhos relacionados com livros. Em 1946, tornou-se escriturário, na Caixa de Previdência dos Profissionais do Comércio. Permaneceu neste emprego até 1952. A partir de 1957, começou a escrever para os jornais, primeiro esporadicamente, depois, nas décadas seguintes, assinando colunas regulares no Diário de Lisboa, n’A Capital e, nos anos 1980, no Jornal de Letras, escrevendo indiferentemente prosa e poesia, que reeditava mais tarde em livro, à maneira dos folhetinistas do século XIX.
Em 1959 iniciou-se como redator de publicidade, actividade que se tornaria definitivamente o seu ganha-pão. Ficaram famosos no meio alguns slogans publicitários da sua autoria, e um houve que se converteu em provérbio: "Há mar e mar, há ir e voltar". Tinha entretanto abandonado definitivamente a casa dos pais, casando com Noémia Delgado, de quem teve um filho, Alexandre. Nesta época, instalou-se no Príncipe Real, bairro lisboeta onde haveria de decorrer grande parte da sua vida, e que levaria para a sua escrita. Neste bairro, encontraria Pamela Ineichen, com quem manteve uma relação amorosa durante a década de 1960. Mais tarde, em 1971, casará com Teresa Gouveia, mãe do seu segundo filho, Afonso, nascido em 1976.
Fez ainda parte da redacção da revista Almanaque (1959-61), publicação arrojada com grafismo de Sebastião Rodrigues onde colaboravam, entre outros, José Cardoso Pires, Luís de Sttau Monteiro, Augusto Abelaira e João Abel Manta.
A sua atracção por outros meios de comunicação, que não a palavra escrita, é testemunhada pela letra do fado "Gaivota" destinada à voz de Amália, com música de Alain Oulman, tal como a colaboração, nos anos 1970, em programas televisivos (fora, aliás, crítico de televisão sob o pseudónimo de A. Jazente), ou em guiões de filmes e em peças de teatro. Em 1982 recebeu o prémio da Associação de Críticos Literários.
Mas a doença começava a atormentá-lo. Em 1976, sofre um ataque cardíaco, que o poeta admitiu dever-se à vida desregrada que sempre tinha sido a sua, e que, apesar de algum esforço em contrário, continuou a ser. No início dos anos 1980, já divorciado de Teresa Gouveia, repartia o seu tempo entre a casa da Rua da Escola Politécnica e a vila de Constância. Em 1984, sofreu um acidente vascular cerebral, antecipatório daquele que, em abril de 1986, o levaria ao internamento prolongado no Hospital.
Alexandre O'Neill morreu a 21 de agosto de de 1986, em Lisboa.
A 10 de junho de 1990, a título póstumo, foi feito Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.
       

   

SIGAMOS O CHERNE
 
 
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria...
   
Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...
 
Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando, mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa...
   
 
  
Alexandre O’Neill