Autodidacta, O’Neill foi um dos fundadores do Movimento Surrealista de
Lisboa. É nesta corrente que publica a sua primeira obra, o volume de
colagens
A Ampola Miraculosa, mas o grupo rapidamente se
desdobra e acaba. As influências surrealistas permanecem visíveis nas
obras dele, que além dos livros de poesia incluem prosa, discos de
poesia, traduções e antologias. Não conseguindo viver apenas da sua
arte, o autor alargou a sua acção à
publicidade. É da sua autoria o lema publicitário «Há mar e mar, há ir e voltar». Foi várias vezes preso pela polícia política, a
PIDE.
Os começos
Em 1943, com dezassete anos, publicou os primeiros versos num jornal de
Amarante, o
Flor do Tâmega.
Apesar de ter recebido prémios literários no Colégio Valsassina, esta
atividade não foi grandemente incentivada pela família.
Datam do ano de 1947 duas cartas de Alexandre O'Neill que demonstram o seu interesse pelo
surrealismo, dizendo numa delas (de outubro) possuir já os manifestos de
Breton e a
Histoire du Surrealisme de M. Nadeau. Nesse mesmo ano, O'Neill,
Mário Cesariny e Mário Domingues começam a fazer experiências a nível da linguagem, na linha do surrealismo, sobretudo com os seus
Cadáveres Esquisitos e
Diálogos Automáticos, que conduziam ao desmembramento do sentido lógico dos textos e à pluralidade de sentidos.
Por volta de 1948, fundou o Grupo Surrealista de Lisboa com
Mário Cesariny,
José-Augusto França, António Domingues, Fernando Azevedo, Moniz Pereira,
António Pedro e Vespeira. As primeiras reuniões ocorreram na
Pastelaria Mexicana. As posições
antineorealistas
eram frontais e provocatórias, tal como as atitudes contra o regime:
em abril, o Grupo retira a sua colaboração da III Exposição Geral de
Artes Plásticas, por recusar a censura prévia que a comissão
organizadora decidira impor. Com a saída de Cesariny, em agosto de
1948, o grupo cindiu-se em dois, dando origem ao Grupo Surrealista
Dissidente (que integrou, além do próprio Cesariny, personalidades como
António Maria Lisboa e
Pedro Oom).
Em 1949, tiveram lugar as principais manifestações do movimento
surrealista em Portugal, como a Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa
(em janeiro), onde expuseram Alexandre O'Neill,
António Dacosta,
António Pedro,
Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira,
José-Augusto França e Vespeira. Nessa ocasião, Alexandre O'Neill publicou
A Ampola Miraculosa como um dos primeiros números dos
Cadernos Surrealistas.
A obra, constituída por 15 imagens e respectivas legendas, sem nenhum
nexo lógico entre a imagem e legenda, poderá ser considerada
paradigmática do surrealismo português.
A estreia
Depois de uma fase de ataques pessoais entre os dois grupos
surrealistas (1950-52) e a extinção de ambos os grupos, o surrealismo
continuou a manifestar-se na produção individual de alguns autores,
incluindo o próprio Alexandre O'Neill. Em 1951, no "Pequeno Aviso do
Autor ao Leitor", inserido em
Tempo de Fantasmas, ele demarcou-se como surrealista. Nessa mesma obra, sobretudo na primeira parte,
Exercícios de Estilo
(1947-49), a influência deste corrente manifesta-se em poemas como
"Diálogos Falhados", "Inventário" ou "A Central das Frases" e na
insistência em motivos comuns a muitos poetas surrealistas, como a
bicicleta e a
máquina de costura.
Política
Neste primeiro livro de poesia inclui o poema que o tornou célebre, "Um
Adeus Português", originado num episódio biográfico que o próprio
viria a contar, muitos anos mais tarde: no início de 1950, estivera em
Lisboa Nora Mitrani, enviada do surrealismo francês para fazer uma
conferência. Conheceu O’Neill e apaixonaram-se. Meses mais tarde,
querendo juntar-se-lhe em Paris, O’Neill foi chamado à
PIDE
e interrogado. Por pressão de uma pessoa da família, foi-lhe negado o
passaporte. Coagido a ficar em Portugal, não voltaria a ver Nora
Mitrani.
Não foi, de resto, a única vez que Alexandre O’Neill foi confrontado
com a polícia política. Em 1953, esteve preso vinte e um dias no
Estabelecimento Prisional de Caxias, por ter ido esperar
Maria Lamas,
regressada do Congresso Mundial da Paz em Viena. A partir desta data,
passou a ser vigiado pela PIDE. No entanto, sendo um oposicionista, não
militou em nenhum partido político, nem durante o Estado Novo, nem a
seguir ao 25 de Abril – conhece-se-lhe uma breve ligação ao
MUD
juvenil, na altura em que abandona o Grupo Surrealista de Lisboa. A
partir desta época, O’Neill foi-se distanciando de grupos ou tertúlias,
demasiado irónico e cioso do seu individualismo para se envolver
seriamente em qualquer militância partidária.
A obra literária
Em 1958, com a edição de No Reino da Dinamarca, Alexandre
O’Neill viu-se reconhecido como poeta. Na década de 1960, provavelmente a
mais produtiva literariamente, foi publicando livros de poesia,
antologias de outros poetas e traduções.
A poesia de Alexandre O'Neill concilia uma atitude de
vanguarda, (
surrealismo e experiências próximas do
concretismo)
- que se manifesta no carácter lúdico do seu jogo com as palavras, no
seu bestiário, que evidencia o lado surreal do real, ou nos típicos
«inventários» surrealistas - com a influência da tradição literária (de
autores como
Nicolau Tolentino e o
abade de Jazente, por exemplo).
Os seus textos caracterizam-se por uma intensa sátira a
Portugal e aos portugueses, destruindo a imagem de um
proletariado heróico criada pelo
neorealismo,
a que contrapõe a vida mesquinha, a dor do quotidiano, vista no
entanto sem dramatismos, ironicamente, numa alternância entre a
constatação do absurdo da vida e o humor como única forma de se lhe
opor.
Temas como a
solidão, o
amor, o
sonho, a passagem do
tempo ou a
morte, conduzem ao
medo
(veja-se "O Poema Pouco Original do Medo", com a sua figuração
simbólica do rato) e/ou à revolta, de que o homem só poderá libertar-se
através do humor, contrabalançado por vezes por um tom discretamente
sentimental, revelador de um certo desespero perante o marasmo do país -
"meu remorso, meu remorso de todos nós". Este humor é, muitas vezes,
manifestado numa linguagem que parodia discursos estereotipados, como os
discursos oficiais ou publicitários, ou que reflecte a própria
organização social, pela integração nela operada do calão, da gíria, de
lugares-comuns pequeno-burgueses, de
onomatopeias ou de
neologismos inventados pelo autor.
Encontra-se colaboração da sua autoria no semanário
Mundo Literário (1946-1948).
A vida privada e profissional
Alexandre O’Neill, apesar de nunca ter sido um escritor profissional,
viveu sempre da sua escrita ou de trabalhos relacionados com livros. Em
1946, tornou-se escriturário, na Caixa de Previdência dos Profissionais
do Comércio. Permaneceu neste emprego até 1952. A partir de 1957,
começou a escrever para os jornais, primeiro esporadicamente, depois,
nas décadas seguintes, assinando colunas regulares no
Diário de Lisboa, n’
A Capital e, nos anos 1980, no
Jornal de Letras, escrevendo indiferentemente prosa e poesia, que reeditava mais tarde em livro, à maneira dos folhetinistas do século XIX.
Em 1959 iniciou-se como
redator de publicidade,
actividade que se tornaria definitivamente o seu ganha-pão. Ficaram
famosos no meio alguns slogans publicitários da sua autoria, e um houve
que se converteu em provérbio: "Há mar e mar, há ir e voltar". Tinha
entretanto abandonado definitivamente a casa dos pais, casando com
Noémia Delgado, de quem teve um filho, Alexandre. Nesta época, instalou-se no
Príncipe Real,
bairro lisboeta onde haveria de decorrer grande parte da sua vida, e
que levaria para a sua escrita. Neste bairro, encontraria Pamela
Ineichen, com quem manteve uma relação amorosa durante a década de 1960.
Mais tarde, em 1971, casará com
Teresa Gouveia, mãe do seu segundo filho, Afonso, nascido em 1976.
A sua atracção por outros meios de comunicação, que não a palavra
escrita, é testemunhada pela letra do fado "Gaivota" destinada à voz de
Amália, com música de
Alain Oulman,
tal como a colaboração, nos anos 1970, em programas televisivos (fora,
aliás, crítico de televisão sob o pseudónimo de A. Jazente), ou em
guiões de
filmes e em peças de
teatro. Em 1982 recebeu o prémio da Associação de Críticos Literários.
Mas a doença começava a atormentá-lo. Em 1976, sofre um
ataque cardíaco,
que o poeta admitiu dever-se à vida desregrada que sempre tinha sido a
sua, e que, apesar de algum esforço em contrário, continuou a ser. No
início dos anos 1980, já divorciado de Teresa Gouveia, repartia o seu
tempo entre a casa da Rua da Escola Politécnica e a vila de
Constância.
Em 1984, sofreu um acidente vascular cerebral, antecipatório daquele
que, em abril de 1986, o levaria ao internamento prolongado no Hospital.
Alexandre O'Neill morreu a 21 de agosto de de 1986, em Lisboa.
SIGAMOS O CHERNE
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria...
Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...
Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando, mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa...
Alexandre O’Neill