Os cães, tantos. Sem cuidarem
da torpeza
lambem as nossas mãos.
Misteriosa religião a deles.
O rosto do seu Deus não temem
e contemplam lado a lado.
Nem a Moisés tal foi consentido.
in A Ignorância da Morte (1982) - António Osório
O Curso de Geologia de 85/90 da Universidade de Coimbra escolheu o nome de Geopedrados quando participou na Queima das Fitas. Ficou a designação, ficaram muitas pessoas com e sobre a capa intemporal deste nome, agora com oportunidade de partilhar as suas ideias, informações e materiais sobre Geologia, Paleontologia, Mineralogia, Vulcanologia/Sismologia, Ambiente, Energia, Biologia, Astronomia, Ensino, Fotografia, Humor, Música, Cultura, Coimbra e AAC, para fins de ensino e educação.
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Amor das plantas e dos doentes
Campô de capuchinha
o seu vermelho
não é o das terríveis paixões humanas,
o da urtiga branca
não fere esta pedinte
(cancerosa) de misericórdia,
o dourante da camomila
torna o cabelo das crianças
inutilmente mais claro,
este de quinina,
lavandisca, vinda do mar
por bem, só por bem sulfuroso,
e as pequeníssimas
centáureas azuis
que do céu alcançam a cor mais límpida.
Champô de folhas de nogueira
que desgrisalham (reavivam?)
e servem talvez aos meus bichos-da-seda
(nunca duram muito, os calvos budas).
Quero às plantas urdindo
desprezadas flores nesta cidade
de gente completamente infeliz.
in O lugar do Amor (1981) - António Osório
Postado por Pedro Luna às 08:09 0 bocas
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Filho de pai português e de mãe italiana, o seu pai era sobrinho paterno da escritora Ana de Castro Osório.
Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1956).
Era o poeta do amor e da fulguração, dos afectos e dos silêncios, embora tivesse começado a escrever em 1954, como colaborador da revista Anteu, apenas na década de 1970 começa a publicar a sua poesia em livros. Colaborou com Manuel Cargaleiro, Júlio Pomar e Pedro Cabrita Reis, que ilustraram algumas das suas obras. Dirigiu, com José Bento, um suplemento de poesia no Jornal de Letras e Artes.
Poeta e advogado em Lisboa, foi, na Ordem dos Advogados, vogal do conselho distrital de Lisboa, vogal e vice-presidente do conselho geral (1978-1980), vogal do conselho superior (1981-1983), Bastonário (1984-1986) e diretor da Biblioteca da Ordem dos Advogados (1995-2002). Foi administrador da Comissão Portuguesa da Fundação Europeia da Cultura e presidente da Associação Portuguesa para o Direito do Ambiente (1994-1996), qualidade na qual fundou e dirigiu a Revista de Direito do Ambiente e do Ordenamento do Território (1995-2002). A partir de 1998, foi diretor da revista Foro das Letras, editada pela Associação Portuguesa de Escritores-Juristas. Foi, entre 4 de março de 1999 até à sua morte, sócio correspondente nacional, na Classe de Letras, na 1.ª Secção – Literatura e Estudos Literários, da Academia das Ciências de Lisboa.
Em 1980, foi escolhido pelo governo de Portugal para representante na Convenção da Haia e, em 1985, para árbitro do Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos. Em 1985, fundou o Instituto Jurídico Franco-Ibérico de Bordéus, em França. Entre 1988 e 2001, foi administrador da Associação Internacional de Juristas de Língua Italiana, que fundou. Em 2003, foi nomeado Presidente da Delegação Portuguesa do Tribunal Europeu de Arbitragem, em Estrasburgo (França).
Era membro do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, no Rio de Janeiro (Brasil), e da Conférence des Grands Barreaux d'Europe.
Morreu a 18 de novembro de 2021.
Amor das plantas e dos doentes
Campô de capuchinha
o seu vermelho
não é o das terríveis paixões humanas,
o da urtiga branca
não fere esta pedinte
(cancerosa) de misericórdia,
o dourante da camomila
torna o cabelo das crianças
inutilmente mais claro,
este de quinina,
lavandisca, vinda do mar
por bem, só por bem sulfuroso,
e as pequeníssimas
centáureas azuis
que do céu alcançam a cor mais límpida.
Champô de folhas de nogueira
que desgrisalham (reavivam?)
e servem talvez aos meus bichos-da-seda
(nunca duram muito, os calvos budas).
Quero às plantas urdindo
desprezadas flores nesta cidade
de gente completamente infeliz.
in O lugar do Amor (1981) - António Osório
Postado por Fernando Martins às 08:09 0 bocas
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Postado por Pedro Luna às 00:08 0 bocas
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Elegia para Mário Quintana, vivo
Antes que escape
e não adivinhe o exacto momento,
antecipo-me a Sua Ex.ª
e auguro-lhe, tarde, a vida eterna.
Já agora, continue os seus
Apontamentos de História Sobrenatural:
por porta travessa faça chegar
o Manual do Perfeito Abismo.
E fale dessa história obsessiva
do cricrilar dos grilos
(parecido com o cantarolar
dos seus vermes?)
Diga ao menos se conseguiu
encontrar Botticelli,
de quem o senhor descende:
entreajudem-se.
E, se a coisa o não embaraçar,
ilumine-nos com a enormidade
da sapiência divina.
Peça-lhe (é preciso audácia
com Deus) que assine
a sua ordem de expulsão
– e volte, gestante,
pelo túnel de outra vida.
in A Ignorância da Morte (1978) - António Osório
Postado por Pedro Luna às 11:06 0 bocas
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Postado por Pedro Luna às 13:20 0 bocas
Marcadores: António Osório, impressionismo, pintura, poesia, pós-impressionismo, Vincent van Gogh
Lua inacessível
Postado por Pedro Luna às 05:30 0 bocas
Marcadores: António Osório, Apollo XI, astronautas, astronomia, Lua, NASA, poesia
Altíssimo, omnipotente, bom Senhor,
a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar
e nenhum homem é digno de te nomear.
Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumias.
E ele é belo e radiante, com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Lua e as Estrelas:
no céu as acendeste, claras, e preciosas e belas.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão Vento
e pelo Ar, e Nuvens, e Sereno, e todo o tempo,
por quem dás às tuas criaturas o sustento.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Água,
que é tão útil e humilde, e preciosa e casta.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão Fogo,
pelo qual alumias a noite:
e ele é belo, e jucundo, e robusto e forte.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela nossa irmã a mãe Terra,
que nos sustenta e governa, e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras.
Louvado sejas, ó meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz,
pois por ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, ó meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal,
à qual nenhum homem vivente pode escapar:
Ai daqueles que morrem em pecado mortal!
Bem-aventurados aqueles que cumpriram a tua santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-lhe graças
e servi-o com grande humildade…
São Francisco de Assis
Postado por Pedro Luna às 08:40 0 bocas
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Postado por Pedro Luna às 11:11 0 bocas
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Postado por Pedro Luna às 22:22 0 bocas
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A CABEÇA LIGADA
Van Gogh, queria algo
tão consolador como a música.
Os campos de trigo e centeio
com ciprestes, os seus obeliscos,
e lírios e grandes nuvens,
a sesta dos camponeses,
a natureza morta
de girassóis e anémonas,
o sereno bivaque de ciganos,
as árvores com o azul tisnado do céu,
loendros, paveias,roçadores
de pastagens limão ouro pálido,
o semeador ferruginoso de ocre,
enxofre e do tamanho de uma catedral,
o voo de corvos sobre ramos
luminosos e ternos
de amendoeiras em flor.
Depois de cortar a orelha
retratou-se com os lábios
pintados de sangue.
Se o sofrimento fosse mensurável,
naquela cara de símio
louco de ser homem
haveria dores
de um inteiro campo de concentração.
in A Ignorância da Morte (1978) - António Osório
Postado por Fernando Martins às 22:22 0 bocas
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Elegia para Ana Achmatova
Foi em 5 de Março, quase no fim deste Inverno.
Com outra luz gostaria de ter entregue o corpo.
Nevoeiro que nos montes se rasgava, despeda-
çado pelas árvores mais altas, herdara de Emily
Dickinson o deslumbrante hálito sonâmbulo e
de Safo o voo apaixonado.
Safo, Emily Dickinson- duas vezes mortas.
in A Raiz Afectuosa (1972) - António Osório
Postado por Pedro Luna às 11:11 0 bocas
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Sebastião da Gama
I
Aqui, junto a estas árvores
cresceste como a sua melhor sombra,
a mais alta, solícita.
Aqui, na ribeira te olhaste
e ela em ti se banhava
uma, duas vezes,
quando chegavas e partias.
Aqui, a tua serra, marinheiro
deitado ao longo da praia, esperava-te
ao sábado e depois descansava.
II
Terra marítima, teu corpo.
A alegria enferma, abelha-mestra
fora da colmeia, regedora
da doçura, alheia, sua.
Os olhos verdes, Virgem, equinócio
da Primavera dentro
de catorze mil anos.
A tua fala, muro que construías a pedra
desde a origem, torre de babel
da mesma e única língua:
a inexorável limpidez fraterna.
O sorriso, de seis anos, morto aos vinte e sete.
A boina, travessura mordaz, tua
exclusiva defesa. Os alunos à volta,
atrás do sobretudo, cachorros
que amamentavas.
Os livros debaixo do braço, farnel
de poesia ambulante.
A água que bebias da infusa
como um pedreiro, de um jacto,
chegado ao canto esquerdo da boca,
era a tutela, o rim de que sofrias.
Como sempre não se avisa. Jornal
na rua, de chofre, a patada,
relincho, trigo por ladrão gadanhado.
Não te lembraste (nem podias)
de que eu sofreria
enquanto respirasse.
Que devia ter fugido antes
da minha e tua terra,
cobri-la de vergonha,
para não ser um remorso
viver ao pé de ti,
ser a mãe das tuas coisas.
in A Ignorância da Morte (1978) - António Osório
Postado por Pedro Luna às 23:29 0 bocas
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Postado por Geopedrados às 15:51 0 bocas
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O apanhador de ervas
Não julga: ele conhece, extrai
e depois entrega ao sol o cardo-santo
e a diabelha, o fel-da-terra
e a sempreviva, a erva do amor
e a do homem enforcado.
Seres próximos, opacos, de sua casa,
o campo, por si rebuscados com mão silvestre.
Picado foi pela unhagata e pela silva,
que de si próprias confiaram
o germe sanguinoso e o fluido salutar.
Não julga: constante o eflúvio
do gerânio, do sisudo absinto,
viçoso ou seco. Crê na arruda, nesse acre
odor que perfuma bruxas. Caça por cima
o alecrim, será mais forte dentro
de breves rebentações vernais. Anda
pela vala real, pródiga de bergamotas
brancas, manjeronas, há quarenta anos.
Destila na caldeira de seu avô
plantas aromáticas, medulares:
lume brando, vivaz, de eucalipto, e o suco
perpassando serpentinas de água, vitorioso,
álcool vindo alambique. Leva a merenda,
trinca folhas de menta, tem a elástica
prontidão da vulnerária acorrendo na ferida.
Não julga: notória ternura, a sua, pela cavalinha,
ama aquele verde resplandecente e rápido,
até raízes aproveita para doentes
desenganados; servidor augusto de elixires,
procura, amontoando, a bravia erva da vida.
in Décima Aurora (1982) - António Osório
Postado por Pedro Luna às 00:08 0 bocas
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Não é uma coisa só
Não é uma coisa só,
São muitas coisas nuas.
Não é o desabar de uma casa.
É percorrer os seus escombros.
Não é aguardar por um filho.
É voltar a sê-lo.
Não é penetrar em ti.
É sair de mim.
Não é pedir-te que faças.
É fazer-te.
Não é dormir lado a lado.
É estar jacente de mãos dadas.
Não é ouvir vento e chuva.
É franquear-lhes a cama.
E relâmpago que pela terra se funde.
Postado por Fernando Martins às 08:08 0 bocas
Marcadores: António Osório, direito, poesia
Postado por Pedro Luna às 11:50 0 bocas
Marcadores: António Osório, Mário Quintana, poesia
Postado por Pedro Luna às 13:10 0 bocas
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Lua inacessível
................1
E aí os astronautas:
finalmente
os anjos
que há milénios
quisemos ser.
................2
Lua inacessível
Sem mortos
e imensa mortalha.
Reserva, móvel
do nada.
................3
Chuva de crateras,
planaltos de poeira
chão
que nem vermes
produz.
................4
Meteorito infeliz.
Coisa pedregosa
má
rápida
que caiu
e não acerta,
não aleija
nada.
................5
Poesia - branco
escafandro
meu
sobre a Terra.
................6
Pardas cinzas
sem células,
sem escamas,
sem vestígios
carnívoros.
Cinzas
sem morte dentro,
mortas por fora.
................7
Resta-nos confiar em Vénus.
................8
Tão alto, tão longe
chegados
e não encontram Deus:
apenas falam
com o seu planeta.
................9
Radícula, sangue
que em segredo existisse:
ser a tua
cápsula sofredora.
..............10
Maravilhoso corpo nu
o da Terra.
Curvos continentes
estendidos ao Sol,
nuvens, tempestades
que fogem
................e de tão longe
oceanos, minúsculas
montanhas reconhecíveis,
Himalaias proscritos.
Os próprios seres
invisíveis
se adivinham
aqui em nossa casa.
in A Raiz Afectuosa (1972) - António Osório
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