Início de vida
Samora Moisés Machel nasceu em 29 de setembro de 1933, em Madragoa, na zona de
Gaza.
Filho de um agricultor relativamente abastado, Mandande Moisés Machel,
da aldeia de Madragoa (actualmente Chilembene), Samora entrou na escola
primária com nove anos, quando o governo
colonial português entregou a "educação indígena" à
Igreja Católica.
Quando terminou a escola primária, o jovem de cerca de 18 anos quis
continuar a estudar, mas os padres só lhe permitiam estudar
teologia e Samora decidiu ir tentar a vida em
Lourenço Marques, actual
Maputo. Teve a sorte de encontrar trabalho no Hospital Miguel Bombarda (o principal hospital da cidade) e, em
1952, começou o curso de
enfermagem. Em
1956, foi colocado como enfermeiro na ilha da
Inhaca,
em frente da cidade de Maputo, onde casou com Sorita Tchaicomo, de quem
teve quatro filhos: Joscelina, Edelson, Olívia e Ntewane.
Neto de um
guerreiro de
Gungunhana,
Samora Machel foi educado como nacionalista e, como estudante, foi
sempre um «rebelde» e tomou conhecimento dos importantes acontecimentos
que se davam no mundo: a formação da
República Popular da China com
Mao Tse-Tung, em
1949, a independência do
Gana com
Kwame Nkrumah, em
1957, seguida da independência de vários outros países
africanos. Mas foi o seu encontro com
Eduardo Mondlane, de visita a Moçambique em
1961 e que nessa altura trabalhava no Departamento de Curadoria da
ONU
como investigador dos acontecimentos que levavam à independência dos
países africanos, que, juntamente com a perseguição política de que
estava a ser alvo, levou à decisão de Samora de abandonar o país em
1963 e juntar-se à
FRELIMO na
Tanzânia. Para lá chegar, teve a sorte de, no
Botswana, encontrar Joe Slovo (que, mais tarde, foi presidente do Partido Comunista Sul-Africano) com um grupo de membros do
ANC sul-africano, os quais lhe ofereceram transporte num avião que tinham fretado.
FRELIMO
Dado que, nessa altura, já a
FRELIMO
tinha chegado à conclusão de que não seria possível conseguir a
independência de Moçambique sem uma guerra de libertação, o jovem
enfermeiro Samora Machel foi integrado num grupo de recrutas para
receber treino militar na
Argélia. No seu regresso à Tanzânia, ascendeu imediatamente ao posto de comandante. Em novembro de
1966,
na sequência do assassinato de Filipe Samuel Magaia, então Chefe do
Departamento de Defesa e Segurança da Frelimo (o órgão que comandava a
luta armada), Samora foi nomeado chefe do novo Departamento de Defesa,
com as mesmas funções do anterior, enquanto
Joaquim Chissano era nomeado chefe do Departamento de Segurança, tratando dos problemas de espionagem que minavam o movimento.
Em
1967, Samora Machel criou o Destacamento Feminino (DF) para envolver as mulheres moçambicanas na luta de libertação e, em
1969, casou-se oficialmente com
Josina Muthemba, uma guerrilheira (com ensino secundário) do DF, de quem teve um filho, Samora Machel Jr.
Josina morreu de leucemia, a
7 de abril de
1973.
Em sua homenagem, depois da independência de Moçambique, o antigo Liceu
Salazar, na capital, passou a chamar-se «Escola Secundária Josina
Machel» e o 7 de abril tornou-se feriado nacional (Dia da Mulher
Moçambicana).
Em
1968,
foi reaberta a «Frente de Tete», a forma como Samora respondeu a
dissidências dentro do movimento, reforçando a moral dos guerrilheiros.
Em
3 de fevereiro de
1969,
Eduardo Mondlane, então presidente da FRELIMO, foi assassinado com uma
encomenda-bomba. O vice-presidente, Uria Simango, assumiu a presidência,
mas o Comité Central, reunido em Abril, decidiu rodeá-lo de duas
figuras – Machel e
Marcelino dos Santos
–, formando um triunvirato. Em novembro desse ano, Simango publicou um
documento dando apoio aos antigos dissidentes (que não tinham sido ainda
afastados do movimento) e acusando Samora e vários outros dirigentes de
conspirarem para o matar. Em maio de
1970,
noutra sessão do Comité Central, Simango foi expulso da FRELIMO e
Samora Machel foi eleito Presidente, com Marcelino como Vice-Presidente.
Segundo certos investigadores da actualidade, Samora Machel não foi
eleito após a morte de Mondlane, mas ascendeu ao poder por
circunstâncias associadas à situação que a FRELIMO então atravessava.
Como corolário, a violação dos estatutos do movimento, ao não aceitar
que Uria Simango fosse presidente da Frelimo após a morte de Eduardo
Mondlane em 1969.
Preparativos para a Independência
Nos anos seguintes, até
1974, Samora conseguiu organizar a guerrilha, de forma a neutralizar a ofensiva militar portuguesa – comandada pelo General
Kaúlza de Arriaga,
um homem de grande visão militar, a quem foi dado um enorme exército de
70.000 homens e mais de 15.000 toneladas de bombas –, e a organizar
aquelas a que a FRELIMO chamava «zonas libertadas». Na verdade, a
FRELIMO chamava «libertadas» a quaisquer zonas de algum modo afetadas
por ações bélicas e que abrangiam cerca de 30% do território. Como as
ações bélicas eram essencialmente potenciais ou muito ligeiras na
maioria dos casos, estando o verdadeiro foco da guerra confinado a
bolsas bem restritas das províncias (então «distritos») de
Cabo Delgado,
Niassa e
Tete, as «zonas libertadas» – ou melhor, as zonas sob o efetivo controlo da FRELIMO – não tinham a dimensão que esta reivindicava.
Samora dirigiu também uma ofensiva diplomática em que granjeou apoios, não só dos aliados socialistas, mas inclusive do
Vaticano, um aliado tradicional de
Portugal (o
Papa era então
Paulo VI).
A seguir ao golpe-de-estado militar de
25 de abril de 1974 («
Revolução dos Cravos»),
em Portugal, que tivera como causa imediata a incapacidade de resolver a
questão colonial pelas armas, o Ministro dos Negócios Estrangeiros
português,
Mário Soares, encabeçou uma delegação a
Lusaca, em que propôs à FRELIMO o cessar-fogo e um
referendo
para decidir se os moçambicanos (certamente incluindo os habitantes de
origem portuguesa) queriam a independência, conforme pretendia o General
António de Spínola,
primeiro Presidente da República Portuguesa depois do 25 de abril.
Samora recusou, afirmando que «a paz é inseparável da independência», e
expandiu as operações militares, contando com a desmotivação dos
militares portugueses, aos quais o
25 de abril
prometera o fim da guerra. Em julho, aproveitando a inação em que as
forças armadas portuguesas tinham caído, cercou um destacamento, que se
rendeu, no posto de Omar, junto à fronteira da Tanzânia. Entretanto, a
ala mais radical do
Movimento das Forças Armadas (MFA), que fizera o golpe de
25 de abril de 1974 em Portugal, chamou a si as negociações com os movimentos autonomistas das colónias. Com a mudança de atitude de
Lisboa, acabou por ser assinado, em
7 de setembro de
1974, o Acordo de Lusaca, entre o governo provisório português (cuja delegação era então dirigida por
Melo Antunes,
Ministro sem Pasta) e a FRELIMO. Nos termos deste acordo, formar-se-ia
no mesmo mês um governo de transição, com elementos nomeados por
Portugal e pela FRELIMO, e a independência teria lugar a
25 de junho de
1975.
A FRELIMO decidiu que o primeiro-ministro do governo de transição não devia ser Samora, mas
Chissano,
ainda chefe do Departamento de Segurança. Entretanto, Samora fez várias
viagens aos países socialistas e a países vizinhos de Moçambique, para
agradecer o seu apoio durante a luta armada e solicitar apoio para a
construção do Moçambique independente. Durante uma sessão do Comité
Central, realizada na praia do Tofo (
Inhambane) e dirigida por Samora, foi aprovada a
Constituição da República Popular de Moçambique e decidido que Samora Machel seria o
Presidente da República.
Consolidação do poder
Ainda antes da independência, sob a vigência do governo de transição
partilhado com Portugal, a FRELIMO cilindrou toda a oposição. Os antigos
militantes Lázaro Nkavandame, Uria Simango, Paulo Unhai, Kambeu e Padre
Mateus Gwengere foram detidos, a pretexto de se terem aliado a
elementos da comunidade branca no levantamento de
7 de setembro
de 1974 contra a entrega do poder à FRELIMO (Mateus Gwengere foi
raptado no Quénia, onde se encontrava exilado, e trazido secretamente
para Moçambique).
A mesma onda apanhou Joana Simeão que, apesar de nunca ter pertencido à
FRELIMO, criara um partido (GUMO – Grupo Unido de Moçambique)
alegadamente de tendências pró-ocidentais, propondo um modelo baseado no
pluralismo e no mercado livre (ironicamente, a FRELIMO viria a adotar
esse modelo anos mais tarde, quando acabou por renunciar ao marxismo).
Classificados como «traidores» e «inimigos», foram sujeitos a um
julgamento sumário presidido pelo próprio Machel nos moldes ditos
«revolucionários» e «populares».
Segundo revelam os jornalistas José Pinto de Sá e Nélson Saúte ,no
diário português «Público», Joana Simeão, o reverendo Uria Simango,
Lázaro Nkavandame, Raul Casal Ribeiro, Arcanjo Kambeu, Júlio Nihia,
Paulo Gumane e o padre Mateus Gwengere encontravam-se internados no
«campo de reeducação» de M’telela, no
Niassa (noroeste de Moçambique), quando, a 25 de junho de
1977 (segundo aniversário da independência de Moçambique), lhes foi comunicado que iriam ser transportados para a capital,
Maputo,
onde o presidente Samora Machel discutiria a sua libertação. Seguiam
numa coluna de jipes que, a dada altura, parou. À beira da picada, os
soldados tinham aberto com uma
escavadora
mecânica uma grande vala e tinham-na enchido parcialmente de lenha.
Amarraram os prisioneiros, atiraram-nos para dentro da vala e
regaram-nos com
gasolina,
ateando-lhes fogo. Os prisioneiros políticos da Frelimo foram queimados
vivos, enquanto os soldados entoavam hinos revolucionários em redor da
vala. Só dezoito anos mais tarde, em
1995,
vieram a lume os macabros pormenores do massacre, perante o silêncio da
Frelimo, cujos sucessivos governos se tinham até então sistematicamente
negado a fornecer informações sobre o paradeiro daqueles elementos do
chamado «grupo dos reacionários».
Um outro dissidente da FRELIMO, Miguel Murupa, conseguiu refugiar-se
em Portugal, tal como Máximo Dias (n.º 2 do GUMO) e dois antigos
contestatários do regime colonial, Domingos Arouca e Pereira Leite. O
advogado Willem Gerard Pott, com atividade considerada progressista
durante a época colonial, caiu em desgraça por não demonstrar fidelidade
incondicional à FRELIMO, acabando por morrer na prisão em consequência
de tratamentos aviltantes (como, por exemplo, ser obrigado a correr
semi-nu na via pública).
A mudança de política de Machel em relação aos Portugueses
É quase consensualmente admitido que uma das principais razões do
colapso da economia moçambicana após a independência foi a partida
precipitada da maioria dos cerca de 200.000 portugueses residentes no
país nas vésperas do
25 de abril de 1974, e que esse êxodo terá sido provocado por uma mudança brusca de atitude por parte de Samora Machel.
Com efeito, o governo de transição que iria dirigir o país entre o
acordo de cessar-fogo (assinado a 7 de setembro de 1974 em Lusaca) e a
independência (prevista para 25 de junho do ano seguinte) tinha-se
mostrado bastante conciliador. O primeiro-ministro, Joaquim Chissano
(que se tornaria presidente da República depois da morte de Machel, doze
anos mais tarde), conseguiu convencer a maior parte dos brancos de que
somente os que tivessem graves responsabilidades nas páginas mais
sombrias da época colonial poderiam recear o governo da Frelimo.
Um mês antes da independência, ou seja, em meados de maio de 1975,
Samora Machel entrou em Moçambique pela fronteira norte, vindo da
Tanzânia,
e encetou um périplo com destino à capital, situada no extremo sul,
aonde deveria chegar na véspera da independência. Ao longo dessa viagem,
inflamava literalmente as massas com os seus discursos, nos quais não
cessava de repisar os aspectos mais odiosos e humilhantes do
colonialismo na perspectiva dos colonizados. O mal-estar instalou-se
progressivamente entre a comunidade portuguesa, numerosos membros da
qual decidiram ir refazer a vida noutras paragens.
Têm sido propostas diversas explicações para esta mudança de atitude. No seu livro
Quase Memórias, o Dr.
António de Almeida Santos,
célebre advogado de Lourenço Marques que, após a queda do regime de
Marcello Caetano, foi Ministro da Coordenação Interterritorial e que
conheceu Machel de perto, sustenta que o presidente da Frelimo teria
sido muito afectado por dois episódios de violência, o primeiro dos
quais causado por um levantamento na capital, com tomada das instalações
do
Rádio Clube de Moçambique,
na sequência da assinatura do Acordo de Lusaca de 7 de setembro de 1974
entre o governo provisório português e a FRELIMO, prevendo a concessão
do poder, sem partilha, ao movimento nacionalista: este levantamento foi
dirigido pela FICO (Frente Integracionista de Continuidade Ocidental),
um movimento maioritariamente branco ao qual se tinham aliado
dissidentes da FRELIMO e outros membros da comunidade negra que não viam
com bons olhos a instauração de um regime de partido único em nome da
FRELIMO. Como represália, eclodiram então motins sangrentos nos bairros
negros da cidade e, durante vários dias, milhares de habitantes,
sobretudo portugueses, foram barbaramente massacrados por apoiantes da
FRELIMO. O segundo episódio de violência ocorreu poucas semanas mais
tarde, a 21 de outubro de 1974, na sequência de uma querela entre
comandos
portugueses e guerrilheiros da FRELIMO, provocando também motins
sangrentos nos bairros de maioria negra, com o assassinato de dezenas de
brancos e negros. Segundo
Almeida Santos,
Machel ter-se-ia possivelmente convencido de que a presença de uma
numerosa comunidade portuguesa em Moçambique constituiria sempre uma
fonte de instabilidade e uma ameaça potencial contra o poder da FRELIMO.
A isso ter-se-iam juntado as pressões da
União Soviética,
para com quem a FRELIMO tinha contraído uma pesada dívida, sobretudo
política, e que teria interesse em se desembaraçar dos Portugueses a fim
de melhor exercer a sua influência a todos os níveis.
Presidente
No plano interno, Samora sempre assumiu uma política autocrática e
populista, tentando utilizar nos meios urbanos os métodos usados na guerrilha e promover o desenvolvimento do país em bases
socialistas,
com repressão de qualquer dissidência interna. Menos de um mês depois
da independência, Samora anunciou a nacionalização da saúde, da educação
e da justiça; passado um ano, a nacionalização das casas de rendimento,
criando a
APIE (Administração do Parque Imobiliário do Estado),
que alugava as casas com rendas de acordo com o rendimento do agregado
familiar. Lançou grandes programas de socialização do campo, com o apoio
dos países socialistas, envolvendo-se pessoalmente numa campanha de
colheita do arroz. Conseguiu ainda o apoio popular, principalmente dos
jovens, para operações de grande vulto, tais como o recenseamento da
população, em
1980, e a troca da moeda colonial pela nova moeda, o
metical,
no mesmo ano. Outras políticas populares foram as «ofensivas» a favor
do aumento da produtividade e contra a corrupção, geralmente anunciadas
em grandes comícios, para os quais a população era maciçamente
convocada.
No entanto, poucas destas campanhas tiveram êxito e, em parte,
levaram à partida de grande número de residentes de origem estrangeira,
portugueses na sua maioria, o que provocou a paralisação temporária de
muitas empresas e, mais tarde, por falta de capacidade de gestão, o
colapso de muitos setores, como as indústrias têxtil, metalúrgica e
química. Outras medidas impopulares foram o encarceramento nos chamados
«campos de reeducação» das
Testemunhas de Jeová, dos «improdutivos» e das
prostitutas
e a colocação em locais remotos de jovens com cursos superiores,
medidas com o alegado objectivo de desenvolver regiões onde havia pouca
população. A instalação do aparelho policial e repressivo gerou também
desencanto entre a população, sobretudo urbana, em expansão rápida nos
anos 70 e 80, e as próprias bases do partido Frelimo.
Sob a iniciativa do
SNASP (
Serviço Nacional de Segurança Popular) e da
PIC (Polícia de Investigação Criminal), proliferaram as detenções, quer em penitenciárias tradicionais, como a da
Machava,
quer em «campos de reeducação» perdidos no mato do Norte e do Centro do
país. A própria primeira mulher de Machel, que ele abandonara quando
partira para a Tanzânia em 1963, foi detida, mau grado a sua ausência
total de atividade política. A vida quotidiana dos cidadãos passou a ser
vigiada pelos «grupos dinamizadores», células de controlo criadas a
nível dos bairros e locais de trabalho.
Foi imposta uma reforma agrária, que visava agrupar os camponeses em
«aldeias comunais» segundo o modelo dos kolkhozes e sovkhozes. Para o
efeito, o novo regime moçambicano não hesitou em utilizar os antigos
«aldeamentos», pequenos aglomerados nos quais o exército português
tentara confinar a população rural, tradicionalmente dispersa em
unidades unifamiliares no campo, a fim de a subtrair à influência da
FRELIMO nas zonas do Norte afectadas pela guerra (paradoxalmente, a
própria FRELIMO classificava então esses «aldeamentos» como «campos de
concentração»). A reforma agrária baseada no conceito das «aldeias
comunais» redundou num fiasco colossal.
Na frente externa, Samora sempre seguiu uma política de angariar
amizades e apoio para Moçambique, não só entre os «amigos» tradicionais,
os países do «
bloco soviético»
e os países vizinhos unidos numa frente de integração regional, a
SADCC, mas até entre os seus «inimigos», sendo inclusivamente recebido
(embora com frieza) por
Ronald Reagan e tendo assinado um acordo de boa-vizinhança com Pieter Botha, presidente da
África do Sul nos últimos anos do
apartheid (o
Acordo de Nkomati). Apesar disso, Samora não conseguiu suster a guerra que, iniciada logo a seguir à independência pelos vizinhos regimes
racistas (a África do Sul e a
Rodésia de
Ian Smith), se tornou uma verdadeira guerra civil dirigida por um movimento de resistência armada (a
RENAMO).
A guerra civil durou 16 anos, provocou cerca de um milhão de mortos e
cinco milhões de deslocados e destruiu grande parte das infraestruturas
do país.
A partida da comunidade portuguesa, o insucesso da política de
socialização e a guerra levaram a um colapso económico, e Samora, nos
últimos anos, teve de abrandar a política de orientação comunista,
permitindo aos «quadros» acesso a bens que estavam vedados ao comum dos
cidadãos, encetando conversações com a
RENAMO e, finalmente, organizando acordos com o
Banco Mundial e o
FMI, no sentido de estancar a guerra e relançar a economia.
Morte
Samora Machel não conseguiu, no entanto, ver realizados os seus propósitos, uma vez que, em
19 de outubro de
1986, quando se encontrava de regresso de uma reunião internacional em
Lusaka, o Tupolev 134 cedido pela
União Soviética em que seguia, junto com muitos dos seus colaboradores, despenhou-se em Mbuzini, nos montes
Libombos
(território sul-africano, perto da fronteira com Moçambique). O
acidente foi atribuído a erros do piloto russo, mas ficou provado que
este tinha seguido um rádio-farol, cuja origem não foi determinada. Este
facto levou a especulações sobre uma possível cumplicidade do governo
sul-africano, que nunca se conseguiu provar.
Em
2010, o
jornalista português José Milhazes, que vive em
Moscovo desde
1977 e trabalha atualmente para o
diário português
Público e como correspondente da cadeia portuguesa de
televisão SIC, publicou o livro «
Samora Machel: Atentado ou Acidente?», no qual sustenta que a queda do avião nada teve a ver com um atentado
ou uma falha mecânica, mas sim com diversos erros da tripulação russa:
em lugar de executar corretamente as operações de voo, os membros da
tripulação, incluindo o piloto, estavam entretidos com futilidades, como
a partilha de bebidas alcoólicas e outras, que não era possível obter
em Moçambique e que eles traziam da Zâmbia. Segundo Milhazes, tanto os
soviéticos como os moçambicanos teriam interesse em divulgar a tese de
um atentado perpetrado pelo governo racista da África do Sul: a URSS
quereria salvaguardar a sua reputação (qualidade mecânica do aparelho e
profissionalismo da tripulação), ao passo que o governo de Moçambique
quereria criar um herói.
No entanto, em
2007, Jacinto Veloso, um dos mais fieis aliados de Machel no seio da Frelimo, tinha já publicado as suas
Memórias em Voo Rasante, nas quais sustenta que a morte do presidente de Moçambique se deveu a
uma conspiração entre os serviços secretos sul-africanos e os
soviéticos, que, uns e outros, teriam razões para o eliminar.
Segundo Veloso, o embaixador soviético pediu certa vez uma audiência
ao Presidente para lhe comunicar a apreensão da URSS face ao aparente
«deslizamento» de Moçambique para o Ocidente, ao que Machel teria
respondido «Vai à merda!», ordenando em seguida ao intérprete que
traduzisse e abandonando a sala. Convencidos de que Machel se afastara
irrevogavelmente da sua órbita, os soviéticos não teriam hesitado em
sacrificar o piloto e toda a equipagem do seu próprio avião.