Em consequência de um grave acidente no lar sofrido pela irmã de Víctor, María, a família vai morar para a capital do país, Santiago, à procura de melhores condições económicas. Víctor, juntamente com o irmão Lalo, ingressa no Liceu Ruíz-Table, onde ambos se destacam pelos seus bons resultados académicos, até acabarem nele os estudos primários.
O duro trabalho da mãe conseguiu algum progresso económico para a família, mas obrigou-a a dedicar pouco tempo aos filhos. A viola de Amanda serviu a Víctor para a sua aproximação da música, com ajuda do seu amigo Omar Pulgar.
A mudança para o bairro de
Chicago Chico dá ao jovem Víctor a possibilidade de ter relacionamento com outros jovens da mesma origem e condição, agrupando-se na altura em torno do Partido Democrata Cristão. Cantam, escutam música clássica, saem de excursão, jogam futebol e formam um coro. Os estudos religiosos fazem parte da formação dele nesse tempo.
Durante os estudos secundários no chamado "instituto comercial", parece ter existido em Víctor o sonho secreto de chegar a ser padre. Em
1950, a mãe morre repentinamente.
Mudaram-se para Población Nogales, onde voltou a encontrar Julio e Humberto Morgado, colega da escola primária. A família Morgado proporcionou a Víctor comida e cama. Víctor deixou os estudos para trabalhar numa fábrica de móveis e ajudava Pedro Morgado, pai dos seus colegas, no trabalho de transportador.
Por conselho do padre Rodríguez, ingressa no seminário e na
Congregação dos Redentoristas, em San Bernardo. Víctor, mais tarde, assim lembraria esse momento:
"
Para mim foi uma decisão muito importante entrar para o seminário. Quando o penso agora, da perspectiva mais dura, acho que fiz aquilo por razões íntimas e emocionais, pela solidão e o desespero de um mundo que até esse momento tinha sido sólido e perdurável, simbolizado por um lar e o amor da minha mãe. Eu já estava envolvido com a Igreja, e naquela altura procurei refúgio nela. Então pensava que esse refúgio iria guiar-me até outros valores e ajudar-me a encontrar um amor diferente e mais profundo, que porventura compensasse a ausência do amor humano. Julgava que talvez achasse esse amor na religião, dedicando-me ao sacerdócio."
Dois anos mais tarde, em
1952, abandonaria o seminário, ao dar pela sua falta de vocação, mas lembraria positivamente o
canto gregoriano e a parte da interpretação litúrgica. A saída do seminário coincide com a ida para a tropa.
Música e teatro
Aos 21 anos, entra no coro da Universidade do Chile, participando na montagem de
Carmina Burana e começando assim o seu trabalho de pesquisa e compilação folclórica. Três anos mais tarde, faz parte da companhia de teatro "Compañía de Mimos de Noisvander", e começa a estudar actuação e direcção na Escola Teatro da Universidade do Chile.
Em
1957, faz parte do grupo de cantos e danças folclóricas
Cuncumén, onde conhece
Violeta Parra, que o encoraja a continuar na profissão.
Com 27 anos, em
1959 dirige a sua primeira obra de teatro
Parecido a la Felicidad de
Alejandro Sieveking, encenando-a por vários países latino-americanos. Como solista do grupo folclórico, grava o seu primeiro disco, "Dos Villancicos". No ano a seguir, participa como assistente de direcção na montagem de
La Viuda de Apablaza de
Germán Luco Cruchaga, cujo director era
Pedro de la Barra, e dirige a obra
La Mandrágora, de Machiavello.
Em
1961, como director artístico do grupo
Cuncumén viaja pela
Holanda,
França,
União Soviética,
Checoslováquia,
Polónia,
Roménia e
Bulgária.
Em
1961, compõe a sua primeira canção,
Paloma Quiero Contarte, continuando o seu trabalho como assistente de direcção na montagem de
La Madre de los Conejos de
Alejandro Sieveking. No ano seguinte,
1962, dirige para Ituch a obra
Animas de Día Claro também de Sieveking.
Grava com o grupo
Cuncumén o LP
Folclore Chileno, onde inclui duas canções próprias,
Paloma Quiero Contarte e
La Canción del Minero. Começa a trabalhar como director na Academia de Folclore da Casa da Cultura de Ñuñoa, função que desempenharia até
1968. Nessa altura, e até
1970, faz parte da equipa estável de directores do Instituto de Teatro da Universidade do Chile,
Ituch e entre
1964 e
1967 é professor de actuação na universidade.
O trabalho de direcção teatral ocupa o seu tempo, realizando, quer como assistente de direcção, quer como director, várias montagens, entre elas uma para a TV da Universidade, além de uma tourné pela Argentina, Uruguai e Paraguai com a obra
Animas de Día Claro de Alejandro Sieveking. Em
1963, passa a ser assistente de direcção de
Atahualpa del Cioppo na montagem de
El Círculo de Tiza de
Bertolt Brecht, para o
Ituch.
Continua a compor música e, em
1965, dirige a obra
La Remolienda de Alejandro Sieveking, bem como a montagem de
La Maña de
Ann Jellicoe, para o Ictus, recebendo por elas o prémio
Laurel de Oro como melhor realizador, e o prémio da Crítica do Círculo de Jornalistas à melhor direcção por
La Maña.
Cantor de intervenção
Exerce com director artístico para o grupo
Quilapayún entre os anos
1966 e
1969 e até
1970 é solista em
La Peña de los Parra. Continua a cantar e a dirigir obras de teatro e em
1966 grava o seu primeiro LP,
Víctor Jara, editado por
Arena.
Com a firma EMI-Odeón grava no ano seguinte os LP's
Víctor Jara e
Canciones Folclóricas de América, com Quilapayún.
Continua o trabalho como director teatral e monta novamente
La Remolienda, sendo premiado pela Crítica graças à direcção de "Entretenimiento a Mr. Sloane" e consegue o Disco de Prata da discográfica EMI-Odeón.
Em
1969 monta a obra
Antígonas de
Sófocles para a Companhia da Escola de Teatro da Universidade Católica. Com a canção
Plegaria a un labrador ganha o primeiro prémio do
Primeiro Festival da Nova Canção Chilena e viaja a
Helsínquia para participar num Comício Mundial de Jovens pelo
Vietname, gravando ainda nessa altura
Pongo en Tus Manos Abiertas.
Em
1970, participa em
Berlim na Conversação Internacional de Teatro e em
Buenos Aires no Primeiro Congresso de Teatro Latino-Americano. Envolve-se na campanha eleitoral da
Unidade Popular e edita o disco
Canto Libre.
Nomeado embaixador cultural do Governo da Unidade Popular, em
1971 põe música, junto a Celso Garrido Lecca, ao ballet
Los Siete Estados de
Patricio Bunster para o Ballet Nacional do Chile. Junto a Violeta Parra e Inti-Illimani, entra no Departamento de Comunicações da Universidade Técnica do Estado. Com a casa Dicap, edita o disco
El Derecho de Vivir en Paz, com que leva o prémio
Laurel de Oro à melhor composição do ano.
Trabalha como compositor de música para continuidade na Televisão Nacional do Chile desde
1972 até
1973; investiga e compila testemunhos em
Hermida de la Victoria, a partir dos quais gravaria
La Población. Viaja até à URSS e a
Cuba e dirige a Homenagem a
Pablo Neruda pela obtenção do
Prémio Nobel.
Os camponeses de Ranquil convidam-no à realização de uma obra musical sobre o lugar, e dentro seu compromisso social participa nos trabalhos voluntários para impedir a paralisação do país, que as forças reaccionárias querem conseguir mediante a greve de camionistas.
Esse mesmo compromisso leva-o em
1973 a realizar diferentes actos, participando na campanha eleitoral para as eleições e ao parlamento em prol dos candidatos da Unidade Popular. Respondendo ao apelo de Pablo Neruda, participa como director e cantor num ciclo de programas da TV contra a guerra e contra o
fascismo. Trabalha ainda em vários discos que não poderá gravar e realiza a gravação de
Canto por Travesura.
Golpe de estado e morte
O
golpe de estado do general
Augusto Pinochet contra o presidente
Salvador Allende, em
11 de setembro de
1973, surpreende Jara na universidade. É detido com outros alunos e professores, conduzido ao
Estádio Chile (não confundir com
Estádio Nacional de Chile), convertido em
campo de concentração, e mantido lá durante vários dias. Há alguma controvérsia quanto às torturas que teria sofrido durante os dias de cárcere, antes de seu assassinato a tiros, no dia
16 de setembro do mesmo ano. Havia um boato de que teria tido as suas mãos cortadas como parte do "castigo" dos militares a seu trabalho de consciencialização social dos setores mais desfavorecidos do povo chileno. Porém, na exumação do corpo de Jara, realizada em Junho de 2009, foi confirmado que na verdade teve as suas mãos esmagadas por coronhadas dos soldados.
Jara era membro do
Partido Comunista do Chile e, antes de ser preso e assassinado, integrava o Comité Central das Juventudes Comunistas do Chile. Nos dias de cativeiro prévios à sua execução, Jarra escreveu um poema que pôde ser conservado.
Dois discos, gravados por Víctor Jara pouco antes de morrer, não foram editados.
Somente em
1990 o Estado chileno, por meio da Comissão da Verdade e da Reconciliação, reconheceu que Víctor Jara havia sido assassinado a tiros, no dia
16 de setembro de
1973, no Estádio Chile e, depois, lançaram o seu corpo num matagal perto da Estrada Sul, na parte posterior de um cemitério, juntamente com os corpos de outras três vítimas. Depois desses acontecimentos, o cadáver de Jara foi levado para a câmara mortuária, onde foi identificado pela esposa, a bailarina britânica Joan Turner. Víctor Jara tinha, no seu corpo, 44 marcas de bala e numerosos ossos fraturados, de acordo com o relatório da autópsia, feita após encontrarem o seu cadáver. Os seus restos mortais foram enterrados no Cemitério Geral de Santiago do Chile.
Em setembro de 2003, trinta anos após o assassinato de Jara, o Estádio Chile foi rebatizado como Estádio Víctor Jara, como uma forma de homenagem ao cantor e a sua família.