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quarta-feira, novembro 08, 2023

Estivemos lá, há quinze anos - e éramos bem mais de cem mil...

 (imagem daqui)
    
Os sindicatos garantem que se trata da maior manifestação de sempre na Educação e um dos maiores protestos dos últimos anos em Lisboa. Segundo a PSP, a Marcha da Indignação juntou 80 mil professores, mas os organizadores garantem que mais de cem mil docentes participaram na iniciativa, que tingiu de negro as ruas do centro de Lisboa.
   

terça-feira, novembro 08, 2022

Estive lá, há catorze anos - e éramos mais de cem mil...

 (imagem daqui)
    
Os sindicatos garantem que se trata da maior manifestação de sempre na Educação e um dos maiores protestos dos últimos anos em Lisboa. Segundo a PSP, a Marcha da Indignação juntou 80 mil professores, mas os organizadores garantem que mais de cem mil docentes participaram na iniciativa, que tingiu de negro as ruas do centro de Lisboa.
   

quarta-feira, julho 09, 2014

Os professores, a Escola Pública e os municípios

Opinião
Quanto vale meio professor?


Paulo Guinote
09.07.2014 (Professor do 2.º Ciclo do ensino básico)


Se a municipalização fosse para melhorar a Educação, não seria de esperar que se começasse pelos municípios com mais problemas?

Conheceram-se nos últimos dias os contornos do novo estratagema governamental para, em colaboração com diversas autarquias, levar o conceito de Educação Low Cost a novos patamares de “eficiência”.

A partir de uma proposta inicial do ministro Poiares Maduro, cerca de uma dúzia de autarquias está em negociações com o actual Governo para uma transferência de competências mais alargada na área da educação, num modelo que se apresenta como de “escolas municipais”, sejam criadas de base, sejam geridas a partir do poder local.

O argumento é o da bondade de uma gestão de proximidade que será de maior eficácia e mais fácil responsabilização por parte dos cidadãos. Em defesa dessa tese apresentam-se enunciados de fé e nenhuma fundamentação empírica. Pelo contrário, os responsáveis pela tese fogem com estrépito sempre que se pede para darem exemplos não anedóticos que demonstrem que essa solução levou, além-fronteiras, a uma melhoria do desempenho do sistema educativo no seu todo e à prestação de um melhor serviço público aos alunos. Basta acenar-se com um ou dois casos muito claros de insucesso deste tipo de reformas (a Suécia é o exemplo mais recente de inversão da localização das políticas educativas) ou de resultados pouco relevantes (a Inglaterra não revela especiais progressos, apesar da expansão das autoridades locais na área da educação) e a conversa resvala logo para a questão dos “princípios” ou da “eficácia financeira”.

Mas, neste momento, temos acesso directo aos documentos que servem de base à negociação entre o MEC e algumas autarquias, indo eu servir-me em seguida do "memorando de trabalho" do Programa Aproximar Educação destinado a alcançar um contrato de educação e formação municipal com a autarquia de Matosinhos, presidida pelo independente (ex-PS) Guilherme Pinto.

De acordo com esse memorando, pretende-se uma “descentralização, por via de delegação contratual, de competências na área da educação e formação, dos serviços centrais do Estado para os municípios”. De acordo com o texto, esta iniciativa “ baseia-se em algumas premissas potenciadoras da eficiência e eficácia: subsidiariedade, proximidade, co-responsabilização, racionalização dos recursos e democratização”. Como se não chegasse este pedaço de prosa para se perceber que estamos a entrar em terreno pantanoso e nevoento, acrescenta-se ainda que se aproximam “objetivos que se traduzem numa verdadeira articulação estratégica do ensino, pretendendo-se aprofundar a responsabilidade dos municípios no compromisso com a educação, reconhecidos não só pelos resultados escolares, pelo desenvolvimento humano, mas também pelos seus valores”.

Em bom português, isto quer dizer… nada.

Porque, no caso presente e nos restantes, o que está em causa é definir um modelo de financiamento desta transferência de competências, o qual surge com clareza num anexo 3, cheio de fórmulas de eficiência, valores médios, números esperados e tudo o que representa a redução da Educação a economias de escala. A teoria da proximidade e descentralização cai pela base quando se lê (p.3 do dito anexo) que, “uma vez que o processamento dos salários do pessoal docente passará a ser centralizado, a componente de financiamento estará ligada à boa gestão dos recursos docentes”. O que interessa é centralizar a gestão dos recursos docentes e torná-la mais eficaz.

E como se faz isso? A fórmula é simples… por “eficiência” entende-se a existência de um número real de docentes, inferior ao dos que seriam teoricamente necessários. É mesmo isso que está no dito anexo em negociação para Matosinhos, que depois concretiza com números.

De acordo com as fórmulas ideais são necessários 1473,5 (!) docentes para o concelho, estando actualmente em exercício 1674,1 (?), dos quais 63 pediram aposentação. Retirando-os do diferencial de 198, restam 135 que, ao que parece, não serão necessários. No documento é afirmado que o “MEC partilha 50% do diferencial do n.º de docentes em valor (referencial do valor docente - índice 151: 25.000€) desde que esse diferencial não ultrapasse 5% dos docentes que se estima como necessários”, o que significa que mais 70 professores poderão estar em risco de serem “desnecessários (5% dos tais 1473) e renderem 875.000 euros à autarquia.

Nuno Crato já surgiu, entretanto, com o apoio de uma reunião com a FNE, a dizer que nada disso se passará durante o seu mandato. E foi muito cuidadoso ao referir isso. E ficamos a perceber que é uma garantia de curto prazo.

Mas… pensemos que as autarquias têm técnicos superiores com habilitações para dar aulas, embora não profissionalizados. E outros técnicos… Já viram como será fácil, usando a teoria dos técnicos especializados para dar os cursos profissionais e vocacionais, colocá-los a dar umas quantas horas semanais de aulas nas escolas sob gestão municipal? Percebe-se o esquema que permitirá atingir “números reais” muito mais “eficazes”, sem que esteja em causa qualquer preocupação com a qualidade do serviço público prestado, mas apenas uma negociata entre o poder central (que desorçamenta despesa) e o poder local (que encaixa receita por cada professor a menos).

Por fim, e este é um detalhe curioso, nenhuma das autarquias que parecem mais interessadas no negócio correspondem, de acordo com o recente Atlas da Educação coordenado pelo ex-ministro David Justino, a municípios integrados nos clusters com um desempenho problemático ao nível do ensino básico. Pelo contrário, estão todos nos clusters que se distinguem pelo sucesso escolar e pela baixa retenção.

Se a municipalização fosse para melhorar a Educação, não seria de esperar que se começasse pelos municípios com mais problemas?

quinta-feira, maio 08, 2014

E a Escola (Pública) que pague a Crise...

Austeridade nas escolas teve o triplo da dose prevista
Samuel Silva
06.05.2014

O aumento dos contratos de autonomia é apresentado por Crato como um dos grandes triunfos do seu mandato

Cortes na Educação atingiram os 1100 milhões nos últimos três anos. Número de professores e funcionários também desceu e há hoje mais alunos por turma e uma burocracia “brutal” para os directores.

A única operação de adição que se faz na Secundária Alberto Sampaio é a do número total de alunos. Nos últimos três anos, todas as restantes contas são de subtrair. Hoje há menos funcionários, menos professores e menos dinheiro disponível. O retrato da escola de Braga é exemplar das consequências que a aplicação do memorando de entendimento teve sobre a educação, com uma dose de austeridade que foi o triplo da prevista no documento. Agora, a ginástica na gestão dos estabelecimentos de ensino começa a dar sinais de se estar a tornar impossível. “Que não haja a ilusão de que se pode continuar a fazer sempre mais com menos”, avisa o director, José Pinto de Matos.

Esta escola de Braga é hoje a sede um dos vários mega-agrupamentos constituídos nos últimos anos no país. À volta da Alberto Sampaio reúnem-se outras nove escolas de todos os ciclos de ensino, numa área geográfica de influência que vai desde o centro de Braga aos limites do concelho vizinho de Guimarães. No ano lectivo 2011/2012, estavam ali inscritos 3309 alunos. Hoje são 3510. O aumento de 200 alunos no agrupamento não foi compensado com a entrada de novos professores.

Pelo contrário, em três anos, saíram nove docentes – hoje são 96. Foi assim um pouco por todo o país. No mesmo período, o orçamento para funcionamento do Agrupamento Alberto Sampaio, excluindo os vencimentos, sofreu uma redução de cerca de 480 mil euros. “Isto sente-se claramente no dia-a-dia”, conta Pinto de Matos. A escola foi obrigada a lançar uma campanha de redução de água e energia – da qual os alunos são “fiscais” e tem levado o consumo para recordes históricos – ou a reduzir ao mínimo possível as actividades extracurriculares, como as viagens de estudo, que impliquem um esforço financeiro das famílias, para não as onerar. De resto, “só não ficam por fazer muitas coisas dada a capacidade inventiva que vamos conseguindo ter”.

A redução no orçamento da Secundária Alberto Sampaio não permite perceber a escala dos cortes feitos a nível nacional. O memorando de entendimento com a troika previa uma redução de gastos na Educação de 370 milhões de euros para o conjunto dos dois primeiros anos de execução, através “da racionalização da rede escolar, criando agrupamentos”, da “diminuição da necessidade de contratação de recursos humanos” e da “redução e racionalização das transferências para escolas privadas com contratos de associação” (ver caixa), por exemplo. Mas logo no primeiro Orçamento do Estado deste Governo esse impacto foi ultrapassado – menos 404 milhões de euros no total.

Em 2014, a tutela inscreveu uma verba de 7956 milhões de euros no orçamento para o sector, menos 1100 milhões do que em 2011, ou seja, praticamente o triplo do corte que estava previsto. “A educação é a área social mais afectada pela austeridade”, avalia Isabel Gregório, presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (Cnipe), acusando o Governo de ter ido “mais longe do que aquilo que a troika pediu”.

Os efeitos destas opções são sentidos pelos estudantes e pelas famílias no dia-a-dia das escolas. “Há agrupamentos onde já não se tira fotocópias por falta de dinheiro. Os professores mandam os trabalhos por email, para os alunos imprimirem em casa, imputando mais um custo às famílias”, denuncia.

Para Jorge Ascensão, da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), a redução do financiamento público é mesmo a principal consequência da austeridade no sector: “O corte dificulta a ideia de uma educação global e inclusiva. Hoje, não existem recursos que permitam trabalhar o estímulo e a aprendizagem, sobretudo dos alunos que não têm grande apoio na retaguarda”.

Fecho contínuo de escolas

A diminuição de 1100 milhões fez-se também por via do encerramento de escolas. Nos últimos três anos lectivos, fecharam 612 estabelecimentos de ensino, o que significa, porém, uma desaceleração face à tendência dos anos anterior. Só em 2010/11 tinham deixado de funcionar praticamente 600 escolas e desde 2002 foram mais de 6500 as antigas escolas primárias que desapareceram.

Outra redução verificada foi ao nível do pessoal. O número de funcionários não-docentes foi reduzido em mais de 5000 neste período, substituído na sua maioria por beneficiários do subsídio de desemprego, colocados nas escolas ao abrigo dos contratos emprego-inserção. O Governo não divulga números de contratações feitas ao abrigo deste modelo, mas os dirigentes escolares dizem que a prática está “generalizada”.

É assim na Secundária Alberto Sampaio, em Braga, onde o número (nove) de funcionários com contratos permanentes com o Estado que abandonaram funções nos últimos três anos é o mesmo do que aqueles que hoje têm contratos de emprego-inserção. “Estes deveriam ser lugares de contrato fixo, quer para a estabilidade do contratado, mas sobretudo da escola. São pessoas que chegam aqui sem estar preparadas e só se salva a boa vontade”, conta o director do agrupamento, José Pinto de Matos. Quando muitos destes funcionários começam a estar adaptados às novas funções, acaba o ano lectivo e são substituídos por outras pessoas nas mesmas condições. “Isso é muito sensível no ensino básico, porque os miúdos tendem a criar uma relação afectiva com os funcionários”, acrescenta o dirigente.

Também o número de professores sofreu uma diminuição acentuada ao longo do tempo de aplicação do memorando de entendimento. Em apenas dois anos – os últimos dados oficiais dizem respeito ao ano lectivo 2011/12 – saíram 11 mil professores do sector público (o total fixou-se em 151 mil), consequência do fim de isenções de horário e da diminuição do número de disciplinas, por exemplo, e resultando num aumento do número de alunos por turma.

Os professores queixam-se de estar a perder “dignidade profissional”. “Neste momento, os professores só têm tempo para dar aulas, não têm tempo para mais nada”, conta Manuel Pereira, da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Aos directores das escolas sobram dois papéis: o primeiro é “trabalhar constantemente” para motivar professores e alunos, o segundo é responder à burocracia.

O retrato feito pelos dirigentes dos últimos três anos é o de um aumento das obrigações em termos de prestação de contas e pedidos de autorização à tutela. “A pressão burocrática é brutal”, diz Manuel Pereira. “Cada vez mais nos sentimos assoberbados de papelada”, concorda José Pinto de Matos, corrigindo rapidamente: “De papelada não, mas de cliques. Estamos sistematicamente a preencher, muitas vezes repetindo dados, formulários para as entidades diferentes da administração central”.

Hoje é preciso pedir autorização à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares para coisas que antes eram competências dos directores, como autorizar uma transferência de alunos ou uma visita de estudo que ultrapasse os três dias. A mensagem de Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), também aponta para uma maior centralização. Os últimos anos foram marcados pelas agregações de escolas – em 2010 existiam 1300 unidades organizacionais, hoje são 811. Este processo criou “uma nova estrutura muito complexa, recheada de ineficiências, mas que são difíceis de corrigir”, avalia.

Esta realidade contrasta com aquele que é apresentado pelo Governo como um dos grandes triunfos do mantado, o aumento dos contratos de autonomia, um objectivo que era referido no memorando. Dos 22 existentes até maio de 2011, o ensino público passou para um total de 212.

As escolas têm também aprendido a lidar com as consequências generalizadas da crise. As dificuldades das famílias reflectem-se numa “instabilidade emocional” e no aproveitamento, entende Jorge Ascensão, da Confap. “Há um aumento exponencial de alunos a solicitarem escalão da Acção Social Escolar”, avança Filinto Lima, aumentando os casos de alunos com carências alimentares. Esta realidade poderá redundar num aumento do insucesso escolar, antevê Manuel Pereira. Este retrato não apanha de surpresa o director da Secundária Alberto Sampaio: “O que acontece na sociedade não fica à porta da escola”. 

in Público - ler notícia


NOTA: Crato, Crato, por que nos persegues...?!?

terça-feira, maio 06, 2014

Porque será? Será Milagre? Será do Guaraná?

(imagem daqui)

Estudo mostra que colégios inflacionam notas
Investigadores da Universidade Porto analisaram mais de três milhões de classificações em exames e notas internas

Desde que existem exames no ensino secundário, o padrão repete-se: a esmagadora maioria dos alunos tem notas mais altas na escola, dadas pelos seus professores, do que nas avaliações nacionais. Nada de estranho, se se pensar que as classificações internas refletem muito mais do que um desempenho num teste de duas horas. A questão é saber se há estabelecimentos de ensino mais 'generosos' do que outros. Uma equipa de investigadores da Universidade do Porto analisou mais de três milhões de classificações de exames e as respetivas notas internas, ao longo de 11 anos, e chegou à conclusão que os privados são os que mais "inflacionam" os resultados, em comparação com as escolas públicas e mesmo com os colégios que têm contrato de associação (particulares mas financiados pelo Estado).

A investigação foi agora publicada na revista "Higher Education", com o título "Injustiça no acesso ao ensino superior: uma comparação de 11 anos sobre a inflação de notas nas escolas secundárias públicas e privadas em Portugal". Os autores, do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto, analisaram os desvios entre notas internas e de exame e concluíram mesmo que as discrepâncias podem ser determinantes para entrar ou ficar de fora de um determinado curso.

"Os estudantes dos colégios independentes, geralmente de classes socioeconómicas mais altas, beneficiam de uma vantagem injusta na competição pelas limitadas vagas no ensino superior público", lê-se no sumário da investigação de Gil Nata (da Universidade Portucalense), Maria João Pereira e Tiago Neves. Além disso, acrescentam, esta inflação de notas nos colégios tem sido uma constante ao longo do período analisado (de 2001/02 a 2011/12). "Quando vemos os gráficos ano a ano é incrível a regularidade com que o fenómeno se repete", sublinha ao Expresso Tiago Neves.

Há anos que existe a ideia de que, regra geral, é mais fácil ter notas mais altas nos colégios pagos do que na escola pública - em cada cidade é conhecida a fama de uns e outros. E foi este o ponto de partida para a investigação. "Se esta suposição for verdadeira, isso significa que as possibilidades de aceder ao ensino superior estão a ser injustamente aumentadas, com o processo de acesso à universidade a reproduzir e consolidar as desigualdades socioeconómicas", justificam os autores. O problema será ainda mais grave num país em que, apesar da abertura da Universidade, continua a haver uma sobrerrepresentação das famílias com mais habilitações, sobretudo nos cursos que exigem notas de ingresso mais elevadas.

Para analisar a hipótese, os investigadores começaram por calcular a diferença média, a nível nacional, entre as classificações nos exames e as notas dadas nas escolas. Por exemplo, os alunos que têm média de dez nas provas nacionais, que média têm na escola? E quando têm um 12? De seguida foram ver para cada tipo de escola (privada independente, com contrato de associação e pública) se se afastava ou aproximava daquela diferença média, ou seja, se se comportava como o padrão normal ou não. Se um certo afastamento entre classificações de escola e de exame é natural, já não há razão para que as escolas se comportem de forma diferente consoante o seu estatuto, explica-se na investigação. Mas é o que acontece. Os colégios independentes afastam-se sempre mais do desvio médio (ver gráfico), sobretudo ao nível das notas entre os 12 e os 15 valores nos exames - o desvio face à diferença média nacional chega a atingir um valor.

A importância de um valor a mais

Para Rodrigo Queiroz e Melo, da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, os dados mostram como o ensino secundário "está contaminado pelo acesso ao superior" e como as notas internas são pensadas em função de uma média de candidatura. O facto de o ingresso na universidade estar dependente das médias faz com que haja um "incentivo à subida das notas internas", admite, ressalvando que os maiores desvios só acontecem "em determinado grupo de escolas privadas e a partir de determinado valor no exame".

"Se o estudo separasse as secundárias das grandes cidades, que têm um tipo de aluno semelhante ao dos colégios e que são muito competitivas no acesso ao superior, os resultados não seriam os mesmos?", interroga. As conclusões não surpreendem Filinto Lima, da Associação Nacional de Diretores e Agrupamentos e Escolas Públicas: "Há muitos alunos que frequentam a escola pública e no 11º ano mudam para um colégio, porque percebem que não vão ter a avaliação de que precisam para entrar no curso que querem e sabem que no privado mais facilmente conseguirão notas altas."

O "enviesamento existe" e resolvia-se se a avaliação do secundário deixasse de ser a base de acesso ao superior, defende o presidente da Confederação das Associações de Pais, Jorge Ascenção. "O secundário deveria ser terminal e certificante, sendo o acesso ao ensino superior feito pelas universidades, que definiriam os critérios de entrada, fariam os exames..."

A verdade é que um valor a mais pode mudar a sorte de um aluno. Na investigação mede-se esse impacto e conclui-se que, nos dez cursos com médias mais elevadas (onde se integra Medicina, por exemplo), meio valor corresponde a uma subida de 60% na posição na lista de acesso e um valor a uma subida de 90%. Perante estas conclusões, que "levantam sérias e muito concretas dúvidas sobre a justiça do acesso ao ensino superior", a equipa da Universidade do Porto considera que é "essencial debater soluções que ajudem a resolver este aspeto tão importante na sociedade".

in Expresso - ler notícia

NOTA: que haja milagres em colégios religiosos, até posso entender (embora me que custe a aceitar...), agora que a diferença entre a minha escola nas notas e nos exames, (com todos os alunos de etnia cigana da minha cidade, os africanos bilingues, os brasileiros que ainda não perceberam, que o português de Portugal é um bocadinho diferente do seu, com os todos os estrangeiros, com os alunos deficientes em duas salas que parecem a CerciLei...) e um colégio próximo, que tem autocarros, vem buscar os alunos a casa, é pago pelo estado e pelos pais, tem professores que parecem escravos, que escolhe a dedo os seus alunos (e não aceita alunos deficientes, mandando embora os alunos fracos ou com notas baixas) e que nos exames tem salas inteiras com a mesma resposta à mesma pergunta, seja tão GRANDE, já me parece um bocadinho chato...

ADENDA: o Paulo Guinote publicou o seguinte post sobre o assunto, que subscrevemos de cruz:

A Injustiça do Negócio das Notas

Poderia desenvolver bastante o tema, mas prefiro não ir por caminhos muito complicados – mas por demais conhecidos, incluindo pelos decisores políticos que estão e estiveram no MEC – acerca da relação entre a produção do lucro na base da produção de sucesso a peso.
O estudo original encontra-se a partir daqui e dá base empírica a algumas evidências que quase todos nós conhecemos.

Exp3Mai14b
(…)
Exp3Mai14
Expresso, 3 de maio de 2014

Como vai sendo costume, é penoso e mesmo deprimente do ponto de vista intelectual ler as declarações de Queiroz e Mello sempre que se descobrem as falcatruas do lobby que representa. 

Quando se tenta tapar o sol com o cabo da peneira…

Qual o maior problema?

É que este governo está polvilhado de gente que vem destes meios e práticas e que neles não encontra qualquer mal, antes achando que é a forma natural de ter “sucesso” na vida.
A diferença é que agora querem que o Estado pague por completo a mistificação, em vez de serem os papás.

in A Educação do meu Umbigo - post de Paulo Guinote

quinta-feira, fevereiro 13, 2014

Eu nem gosto de GPS's - só servem para embaralhar viagens...

Opinião
Suspeitas sobre os colégios do grupo de ensino GPS
Rui J. Baptista*
11.02.2014


A confirmarem-se as suspeitas, estaremos na presença de situações graves que afectarão a reputação do nosso país.


“No meio de um povo geralmente corrupto, a liberdade não pode durar muito” (Edmund Burke).
  
As notícias sobre o apoio dos ministérios da Educação, sob as tutelas do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata, aos colégios do Grupo GPS, têm inundado os meios de comunicação social com justo destaque para a reportagem da TVI, da autoria jornalista Ana Leal, que deu início a todo este escabroso processo.
  
No que concerne à imprensa escrita, do Jornal PÚBLICO do dia 22 transcrevo: “A Polícia Judiciária (PJ) realizou esta terça-feira uma operação que envolveu mais de cem inspectores que visou o grupo de ensino GPS (Gestão e Participações Sociais), detentor de 26 colégios, entre os quais 14 que recebem apoio do Ministério da Educação. Em investigação, apurou o PÚBLICO estão crimes de corrupção e branqueamentos de capitais.”
  
Independentemente do maior ou menor nível de gravidade do que se venha a apurar, para além do incumprimento, também, em outros colégios convencionados, da legislação que obriga a que os colégios que recebem apoio estatal estejam implantados em localidades sem oferta de ensino oficial, é caso para dizer que a procissão ainda vai no adro. Assim, impõe essa legislação: Em zonas carecidas de escolas públicas, o Estado celebra contratos de associação com escolas particulares,com a finalidade de possibilitar às populações locais a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.” E por não haver almoços grátis, tudo isto à custa do dinheiro dos impostos pagos em sacrifício impiedoso de uma magra classe média asfixiada entre pobres esquálidos e ricos com a chamada curva da felicidade numa barriga que mal cabe dentro de calças do tamanho XXL.
   
Mal me passava pela cabeça que o escândalo atingiria tamanhas proporções, na altura em que foi publicado um meu artigo de opinião sobre este assunto, de que transcrevo o seguinte parágrafo. “A grande parte desta polémica, longe de ter chegado ao fim, reduz-se a uma coisa tão simples como dever o ensino privado com contrato de associação ser uma alternativa ao ensino público inexistente numa determinada área e não como mera satisfação megalómana de famílias pouco abonadas que gostam de blasonar a riqueza de terem os filhos a estudar em colégios à custa do erário público, o dinheiro dos impostos de todos nós” (“Ensinos oficial, convencionado e privado”, PÚBLICO, 13/11/2013). Seja-me permitido, agora, este acrescento (em evocação do ditado popular, de que “grão a grão enche a galinha o papo”): “E muito menos de bafejados pela fortuna que, desta forma, acrescentam, ainda que modestas, migalhas às respectivas contas bancárias.”
   
A confirmar-se o grande número de suspeitas que impendem sobre este caso, estaremos na presença de situações graves que afectarão a reputação do nosso país, ferindo, por outro lado, o regime democrático nele vigente, porque, na opinião de Aldous Huxley, “nos estados autocraticamente organizados, o espólio do governo é compartilhado entre poucos: nos estados democráticos há muito mais pretendentes, que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas; a experiência demonstrou que o governo democrático é geralmente muito mais dispendioso do que o governo por poucos". 
   
Nestes últimos anos, tem-se assistido, apesar da torrente caudalosa dos fundos comunitários de que o país beneficiou e esbanjou em obras faraónicas, ao triste panorama da bolsa dos portugueses ser castigada com impostos mais elevados que os da grande maioria dos países europeus; e, last but not least, alguns países do Leste Europeu começam a aproximar-se – ou mesmo a superiorizarem-se – ao desenvolvimento destas paragens lusitanas.
   
Não fossem os relatórios nada abonatórios para o nosso país, que nos chegam em catadupa do estrangeiro, e são publicados nos media (bendita liberdade de imprensa!), quase poderíamos ser levados a pensar que o bem-estar da Pátria e a felicidade dos portugueses residem, tão-só, em encontrar respostas para perguntas que lhe angustiam o seu dia-a-dia, como, por exemplo, saber antecipadamente qual o clube que virá a vencer o actual Campeonato da Primeira Liga de Futebol.
   
Nestas circunstâncias, e numa nada “ditosa Pátria”, com uma tantas personagens com responsabilidades sociais, políticas e económicas que, em momentos de grave crise nacional, parecem preocupar-se com questões menores, foi sacudida a opinião pública, pelo menos aquela mais atenta e responsável, pelo artigo de Daniel Kaufmann que nos dá conta de que Portugal podia estar ao nível da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking do controlo da corrupção” (Finance & Developement, revista editada pelo Fundo Monetário Internacional, Setembro de 2005).
    
Numa altura em que a salvação da nossa economia, mercê das asneiras que se fizeram com sucessivos Programas de Estabilidade e Crescimento e medidas quejandas, e as tentativas de cura se revelaram como simples mezinhas de curandeiros com o perigo de o doente não morrer da doença mas da cura, foi encarada como salvação, in extremis, a chegada e permanência no nosso torrão natal do FMI, que fez recair sobre os justos as asneiras dos pecadores responsáveis por um estado deplorável das finanças públicas que conduziu Portugal à penosa situação actual.
   
Um estado deplorável das finanças públicas em que os governantes se regozijaram, dias atrás e publicamente, com o facto de  o défice de 2013 ter baixado, não tanto pela diminuição das gorduras do Estado, como seria desejável, mas mais pela pesada carga de impostos imposta aos cidadãos nacionais como se “o acto de tributar fosse idêntico a depenar de um ganso, procurando obter o maior número de penas com a menor gritaria” (Jean-Baptiste Colbert). Até quando?
   
A resposta encontro-a em Pessoa: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.” Percorram-se, portanto, novos trilhos que levem a que não seja uma quase moribunda classe média a pagar a factura dos erros cometidos por uma determinada e descarada linha de rumo ao serviço de interesses de políticos e suas amizades. Mas haverá coragem para tanto?

*Ex-docente do ensino secundário e universitário e co-autor do blogue De Rerum Natura
   
in Público - ler artigo

terça-feira, setembro 03, 2013

Vergonha!

(imagem daqui)

Hoje, quando saí da Escola, senti vergonha pelos que não a têm, como o Ministro Crato, que como comentador era um excelente Ministro da Educação e como Ministro da Educação é um bom executor da Escola Pública (e isto num país que acabou com a pena de morte tão precocemente). Senti a falta de imensos professores, que se foram embora, apesar das penalizações, quando ainda podiam render um pouco mais nas Escolas (e que tanta falta nos vão fazer...). Senti tristeza por ver colegas que ainda não sabem se ficam na Escola, porque as Turmas de Cursos de Educação e Formação (CEF's - cursos semi-profissionais) ainda não foram aprovados, apesar de terem alunos matriculados em número mais que suficiente, ou as turmas foram aumentadas (em número de alunos) e reduzidas (em número de turmas) nas Escolas Públicas (ao contrário dos Colégios, que nada perdem e tudo ganham...). Fiquei triste por saber que a minha Escola tem um custo por turma inferior ao que o estado paga aos colégios mas não tem as mesmas possibilidades que estes têm em fazer uma gestão criativa dos dinheiros.Vi as filas nos centros de desemprego de muitas caras conhecidas, alguns pela primeira vez na triste situação de tirar o ticket e ir para a fila.
Mas, no fim do dia, quando vi e soube de colegas mais velhos, de Quadro de Agrupamento, portanto com muitos anos de tarimba (e de estrada...) a ficarem mais longe de casa, porque no concurso os professores mais novos, de Quadro de Zona Pedagógica, lhes ficaram à frente, confesso que fiquei revoltado. Então uma professora com dois filhos, de 6 e 9 anos, que vive em Coimbra e que tem mais de 15 anos de vínculo a uma Escola (e à Função Pública...) tem de ir para a sua longínqua Escola, em Mangualde, enquanto um professor mais novo, com menos tempo de serviço e com um vínculo a uma zona (Quadro de Zona Pedagógica) vive em Coimbra e desta vez fica mesmo no centro da cidade?!?

Há justiça nesta situação? E onde estão os Sindicatos a defender a justiça e os Professores?

Eu até percebo o objetivo - vamos dar cabo dos professores mais velhos (e mais caros...) até eles não aguentarem e pedirem a miséria da reforma (com penalizações brutais) ou se despeçam, por tuta e meia, como hoje a patroa e comissária política da ex-DREC (e candidata a Presidenta - Lagarto, lagarto, lagarto...! - no concelho de Oliveira do Hospital) veio pregar aos Diretores das Escolas do Centro.

Se o objetivo é esse, não se esqueçam que com esses professores vai a qualidade do ensino e as Escolas Públicas, que tanto trabalho nos deram a fazer - as Escolas são instituições vivas, não são só edifícios e equipamento, são pessoas, histórias, funcionários, professores, alunos, com um legado de passado misturado com um presente complicado e um futuro incerto - vão ter um previsível prejuízo, sobretudo para os alunos mais pobres e para as nossas comunidades.

Vergonha, Senhor Ministro!

(imagem daqui)

domingo, junho 23, 2013

A propósito da greve que os Professores vão (continuar a) fazer na 2ª-feira

Professores, uma referência contra o medo
São José Almeida - 22.06.2013



Na semana em que se assinalam os dois anos da posse do Governo de coligação PSD-CDS, chefiado por Pedro Passos Coelho, o executivo sofreu uma derrota política com a greve dos professores. O dia 17 de Junho pode vir a ficar na história deste Governo como o dia marcante no que tem sido a investida autofágica ao próprio Estado, que o Governo tem consumado no ataque aos funcionários públicos.

A greve dos professores no dia de exame nacional de Português - na continuação da greve às avaliações, que já estava a ser um sucesso - foi uma importante derrota política de todo o Governo e em especial do primeiro-ministro, que deu cobertura à forma como o ministro da Educação geriu este assunto e o transformou num braço-de-ferro com os sindicatos dos professores e com os professores em geral. A derrota foi tal que os exames previstos para o dia da greve geral já foram antecipados para a véspera.

O primeiro-ministro autorizou e apoiou a forma autoritária e no limite do poder democrático e do Estado de direito como o ministro da Educação procurou forçar os professores a irem vigiar exames. Quebrando todas as noções de bom senso e de tentativa de conciliação social que competem ao poder executivo em democracia, o ministro da Educação insistiu na recusa em adiar o exame para 20 de Junho, como foi sensatamente proposto pelo colégio arbitral a que o próprio ministro recorreu e que se recusou a decretar serviços mínimos. Se o tivesse feito, Nuno Crato tinha de uma penada saído como um governante que sabe dialogar e reconhecer o direito democrático à greve, mas que pôs em primeiro lugar o interesse dos alunos. Seria visto como um vencedor e teria esvaziado a greve dos professores, deixando os sindicatos sem espaço político e social para remarcar a greve para outro dia de exames.

Mas o primeiro-ministro, com o respaldo e o veemente apoio político que deu a Nuno Crato nesta cruzada, decidiu que mais uma vez os professores iam servir de exemplo. E adoptando a arrogância do autoritarismo neoliberal perante o trabalho e prosseguindo a mesma linha ideológica de que tem governado com o intuito de baixar o valor do trabalho, o Governo seguiu em relação à greve dos professores as regras de um manual de thatcherismo de trazer por casa. Convenceu-se que também ele ia "quebrar a espinha" aos sindicatos. Enganou-se.

O que o Governo conseguiu foi lançar a confusão nos exames de Português, que ou não se realizaram ou realizaram em muitos casos atabalhoadamente. Se não, vejamos os dados que resultam de um dia de greve. Segundo o próprio Ministério da Educação, apenas 76% dos 75 mil alunos inscritos a exame conseguiram realizar a provas, ou seja, cerca de 20 mil alunos ficaram sem exame de Português, pelo que o ministério foi obrigado a anunciar logo no mesmo dia que se realiza novo exame dia 2 de Julho.
Mas a imagem da seriedade e do rigor de Estado, que é necessária à execução de exames, ficou comprometida. Mesmo antes do dia, o facto de o ministério convocar para vigiarem exames dez vezes mais professores do que os dez mil que normalmente estariam envolvidos, mostra o desespero e a falta de racionalidade com que o Governo agiu perante o problema. Já em relação ao dia, os dados conhecidos falam por si.

Conclusão: o exercício de autoritarismo protagonizado por Nuno Crato redundou em descrédito da autoridade de Estado e na mácula do currículo dos alunos. A greve teve assim apenas um aspecto positivo - a vitória que ela foi para os professores. E neste sentido, ou seja, num sentido social mais amplo, pode dizer-se que esta greve foi uma mais-valia para a sociedade portuguesa e para a democracia.

Isto porque, se o Governo pensou que ia fazer dos professores um exemplo e que ia "quebrar a espinha" ao movimento sindical, a união dos sindicatos e a união com que todos os professores agiram deu uma lição ao Governo sobre como nem tudo é permitido e como há pessoas que não se deixam intimidar pelo medo. A maioria da classe docente, ao mostrar que não se deixava acobardar pela intimidação do Governo, deu uma lição de dignidade e serviu de exemplo a toda a função pública, a todos os trabalhadores, à sociedade portuguesa e à democracia portuguesa. Os professores estão assim de parabéns, pois voltaram a ser uma referência para a sociedade, uma referência contra o autoritarismo e contra o medo.

in Público - artigo de opinião aqui

sábado, junho 22, 2013

Porque continua a Greve dos Professores...

Da mobilidade especial às 40 horas semanais na Educação
Paulo Guinote, 19.06.2013


Começa a ser tempo para ver para além da forte poeira levantada nas últimas semanas em torno do conflito entre o Governo e os professores, ultrapassando as adjectivações e fulanizações tão úteis para o exacerbamento das falsas paixões e posições e à sua redução a caricaturas da situação real.
O que está em causa é demasiado importante para deixarmos o campo livre para aqueles que apenas pretendem mascarar os factos com argumentos não fundamentados mas apresentados com tamanha certeza discursiva que até quase nos fazem esquecer que estamos perante simples pre(con)ceitos ideológicos. Seja repetir até à exaustão a “Defesa da Escola Pública” como se explicasse tudo, seja usar até à náusea as fórmulas do “Vivemos acima das nossas possibilidades” e “Não há dinheiro” para justificar os cortes em sectores básicos das funções sociais do Estado enquanto permanecem os sorvedouros financeiros de contratos com interesses privados.

Tem interesse regressar a duas questões nucleares que estão na base da escalada de insatisfação – há muito latente – dos professores, mesmo se estão longe de esgotar todos os aspectos que explicam o clima de crispação que se vive. Trata-se da questão da mobilidade especial e da relativa às 40 horas de trabalho semanal.

Mas antes gostava de colocar duas questões preliminares mais amplas, mas essenciais para se compreender tudo o que enquadra o conflito em presença. Antes de mais, gostava de sublinhar o meu desacordo em relação a todas as formulações que, a coberto do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, optam por soluções legislativas concretas de cariz autoritário e quase totalitário, atropelando de forma cega as diferenças e tratando de forma igual aquilo que o não é. Para além disso, existe a afirmação de todas estas medidas resultarem do chumbo das normas do Orçamento de Estado pelo Tribunal Constitucional, o que é falso pois muito do que agora se apresenta já estava contido no discurso de diversos elementos ligados ao Governo, em particular a partir da divulgação no início deste ano do estudo encomendado pelo Governo ao FMI.

Mas passemos às duas questões centrais da nova investida governamental e das razões que levam os professores a resistir-lhes:

A mobilidade especial – a profissão docente é, no quadro da administração pública e mesmo num plano mais amplo, a carreira que apresenta um nível mais elevado de mobilidade geográfica, pois a larga maioria dos docentes, mesmo depois de pertencerem aos quadros, andam com enorme regularidade de escola em escola, de terra em terra. Essa é uma realidade que quase define o exercício da docência e que os concursos plurianuais não eliminaram, pois quase tudo permaneceu na mesma. Mais grave.

Oculta-se que o novo modelo de gigantescas unidades de gestão, em conjunto com a transformação dos quadros de escola em quadros de agrupamento, levou a que cada vez mais professores de carreira deixaram de ter um local de trabalho, passando a uma itinerância diária entre estabelecimentos de ensino do mesmo agrupamento, deslocando-se sem quaisquer ajudas de custo e com intervalos de tempo diminutos para percorrer, pelo seus meios, trajectos sem transportes públicos. Essa é uma realidade presente que quase ninguém destaca com clareza. Neste contexto, a mobilidade especial, tal como agora é apresentada, significa uma ainda maior pulverização da estabilidade do trabalho docente, em particular se cruzarmos essa medida com outras destinadas a reforçar a alegada autonomia da gestão escolar.

As 40 horas semanais de trabalho – já quase todos admitiram, de forma sincera ou hipócrita, que os professores trabalham efectivamente muitos mais de 40 horas por semana, não sendo esse referencial (na linguagem de alguns governantes) o que mais choca. O que está em causa é a falta de confiança acerca do que no futuro possa acontecer com a chamada componente lectiva, ou seja, do que é considerado trabalho efectivo com os alunos ou com as horas que os professores venham a ser obrigados a permanecer no espaço escolar. O MEC alega que no despacho de organização do próximo ano lectivo se mantiveram os 22 tempos lectivos (mais exactamente os 1100 minutos) e que os professores não têm razão para protestar, querendo fazer esquecer que esse total não poderia ser alterado sem revisão do Estatuto da Carreira Docente (o que não ocorreu) e que dessa componente lectiva foram retirados os tempos relativos à direcção de turma, que é o cargo mais importante que os professores podem desempenhar na ligação entre a escola e as famílias. Os governantes na área da Educação - e todos aqueles a quem tem apetecido falar sobre o assunto com escasso ou nulo conhecimento de causa – ocultam ainda que o tempo de permanência na escola pode ser aumentado, bastando considerar como não lectivas diversas tarefas realizadas com os alunos. Algo que tem acontecido com regularidade no passado recente, de forma transversal aos governos.

É impossível não recordar que Nuno Crato iniciou o seu mandato com a declaração de que era necessário os professores fazerem mais com menos. O problema é que os professores já fazem isso há muito, têm continuado a fazê-lo e cada vez se sentem os únicos pressionados para fazer mais com menos condições de trabalho. Um economista de formação deveria conhecer a clássica teoria dos rendimentos decrescentes, segundo a qual a pressão para o aumento da produção, em condições cada vez mais adversas, leva a uma diminuição gradual da produtividade. Esse ponto, no caso dos professores, já foi atingido e ultrapassado.

O autor é professor do ensino básico e autor do blogue A Educação do meu Umbigo.

segunda-feira, junho 17, 2013

Porque fiz greve hoje

Com a devida vénia, republico o post do Blog Dúvida Metódica, de Sara Raposo:

A greve e as condições de trabalho dos professores

Fiz greve às avaliações e amanhã farei greve ao exame. Convictamente, por razões que passarei a explicar.
Há mais de vinte anos que sou professora. Faço greve a pensar nas condições de trabalho que tive este ano (mais de cem alunos, cinco turmas, três níveis e uma direção de turma) e que irão ser ainda piores no próximo ano, caso as medidas propostas pelo ministro Nuno Crato se venham a concretizar.
O principal motivo que me leva a fazer greve amanhã não é o congelamento da carreira (que dura há muitos anos), nem a burocracia asfixiante, nem o sistema de avaliação de desempenho injusto, nem a diminuição arbitrária da carga horária de várias disciplinas (decidida sem que tenham sido explicados os critérios que fizeram algumas delas perder horas, mesmo sem os programas terem mudado - como a Filosofia e todas as disciplinas de opção do 12º ano dos cursos científico humanísticos).
O principal motivo que me leva a fazer greve é porque quero ter tempo para preparar aulas, estudar as matérias que leciono, elaborar e corrigir testes. Quero poder fazer aquilo que é essencial no ensino, sem sacrificar permanentemente a minha vida pessoal, sem passar os fins de semanas e feriados a trabalhar horas sem fim (muito mais do que as 40 semanais). Quero ter condições para responder às solicitações dos meus alunos, da escola e dos meus filhos. Quero não me sentir exausta e desalentada, pois por muitas horas que trabalhe, ainda assim não cumpri tudo aquilo que esperavam que eu fizesse. Quero que respeitem a minha profissão e ter condições decentes para a exercer.
Sei que há professores com piores condições que as minhas e outros com melhores. Ao contrário do que se diz e escreve - e o ministério também não esclarece junto da opinião pública - os professores têm condições de trabalho muito diferentes. Mesmo entre os professores do ensino secundário (falo do que conheço diretamente), há situações muitos dispares devido às diferentes cargas horárias das disciplinas e aos cargos exercidos. Por exemplo, há os que com apenas duas turmas têm o horário completo e os que precisam de cinco, seis, sete ou mais turmas para que isso aconteça. Há até professores que para completar o seu horário se deslocam entre diferentes escolas.
Apesar de pertencermos a uma mesma classe profissional nem todos estamos no mesmo barco, os interesses imediatos divergem muito e, portanto, não é fácil que todos se unam em torno de objetivos comuns. É por isso que não tem sido difícil atacar e dividir a “classe” dos professores.
Com o poder centralizado no diretor, um sistema de avaliação dependente de uma estrutura hierárquica, muitas contratações de professores decididas ao nível de escola e um elevado número de candidatos desempregados para os poucos lugares vagos… tudo isso contribui para que muitas escolas se tenham tornado lugares de subserviência e submissão. Esta passou a ser a melhor estratégia para garantir o emprego ou a melhor classificação na avaliação de desempenho.
Esta é verdadeira pressão que existe nas escolas: o medo. O ministério da educação sabe isso e explora a frágil situação laboral de muitos docentes, sem parecer preocupar-se com a qualidade do ensino ministrado aos alunos.
Professores obedientes, acéfalos e assustados. Foi com isso que o ministro Nuno Crato contou ao pensar que resolveria o problema da greve convocando todos os professores para vigiar o exame de Português. E se calhar até conseguirá fazê-lo. O que não faz é alterar as condições de trabalho degradantes e humilhantes de muitos professores.
Reconheço que na minha profissão, como aliás em qualquer outra, há os que fazem o que devem e são competentes e os que são incompetentes (e que o sistema atual de avaliação não permite distinguir), os que têm condições de trabalho muito boas e os que não as têm. Mas, na prática, algumas direções das escolas, alguns professores, alguns avaliadores, alguns pais, alguns alunos, o ministério, ignoram este facto, fazem de conta que não existe. Cada um que se arranje, que não se queixe, que não falhe, pois se o fizer têm muita gente a exigir-lhe explicações e a atribuir-lhe responsabilidades.
É por isso que os mais prejudicados pelas medidas propostas por este governo são aqueles que procuram ensinar bem os seus alunos. A mobilidade, o aumento da carga horária para 40 horas – como se ser professor fosse um trabalho análogo aos dos outros funcionários públicos – e a passagem das direções de turma para a componente não letiva constituem uma degradação ainda maior das atuais condições de trabalho dos professores. Não se entende como é que o exercício de um cargo exigente em termos de perfil e fulcral para o sucesso do ensino e da aprendizagem dos alunos, como é o do diretor de turma, seja tirado da componente letiva, obrigando os professores que antes o exerciam a ter mais turmas para completar o seu horário. Parece óbvio que a ideia é poupar mais uns tostões e colocar os professores com reduções da componente letiva a exercê-lo a custo zero.
Eu não sou sindicalizada e discordo muitas vezes dos sindicatos. A ideia de que estou a ser manipulada pelos sindicatos é ofensiva. Quero também referir que fiquei contente com a nomeação do ministro Nuno Crato por admirar a qualidade do seu trabalho. Mas há limites para a humilhação.
Faço greve porque respeito os meus alunos e preciso de ter condições para ensiná-los condignamente.

Hoje é dia de Greve dos Professores...

(imagem daqui)

Recebido via e-mail, e porque, pela primeira vez vou fazer uma greve a exames (os alunos estão são em primeiro, para mim, mas desta vez, para os poder defender, terei mesmo de fazer greve...), aqui fica um apelo aos colegas professores para cumpram o seu direito (e dever...) cívico (e as Direções das Escolas também são constituídas por professores, logo também têm o direito - ou o dever... - de fazer greve). 

Para os restantes leitores deste blog, o nosso pedido de compreensão: os professores não aguentam mais - as horas de trabalho, a burocracia, a ameaça de despedimento ou de desterro, o aumento de trabalho na Escola e fora dela (diz o Ministro da Educação que, ao passarmos para 40 horas de trabalho - que hoje já fazemos mais do que isso - não há acréscimo de horas letivas, mas esquece-se de dizer que retirou as horas de Direção de Turma da componente letiva, logo devem desaparecer cerca de 1.700 lugares de professor, só com esta medida, com os que ficam a trabalharem de graça pelos que foram embora...). Não aguentam a falta de verbas nas Escolas, que ganham mais atribuições e só perdem dinheiro no seu orçamento. Não aguentam mais os Mega-Agrupamentos, abortos pedagógicos que alguns antes condenavam e agora apreciam, que tornam impessoal e pouco familiarizada a gestão das Escolas.  Não aguentam mais os alunos que entram com fome e saem com menos fome porque os professores lhe pagaram qualquer coisa para enganar a fome. Não aguentam mais as mentiras e intoxicação dos media sobre os professores e a Escola Pública - BASTA!

(imagem daqui)
Caros colegas,

o colégio arbitral, legalmente constituído, considerou que a greve ao exame "não afeta de modo grave e irremediável o direito ao ensino na sua vertente de realização dos exames finais nacionais, não se estando por isso perante a violação de uma necessidade social impreterível".


O Ministério e o Governo, valendo-se de uma arrogância já nossa familiar e que, agora que viram os seus intentos contrariados, mostrou as garras com todo o vigor, deu ordem às direções para que sejam convocados todos os professores. Assim, ouso fazer-vos este apelo:

Mais do que nunca, façamos todos greve no dia 17,

- respondamos à altura à arrogância destes políticos, que preferem impor a dialogar, prejudicando professores, alunos, todo o ensino, e insistindo no discurso de que são os professores que prejudicam os alunos;

- os alunos já estão a ser prejudicados pela inflexibilidade do governo, sejamos capazes de não falhar no momento decisivo, fazendo com que tudo isto valha a pena;

- há poucos anos, por muitíssimo menos, fomos capazes de nos unir numa greve, fechámos a escola, lembram-se?! sejamos capazes de fazer o mesmo próxima segunda, com um impacto muito maior - outras escolas seriam arrastadas por este impedimento numa escola. Temos mais poder do que imaginamos, sejamos capazes de dar o exemplo!

- se estivermos todos unidos, será muito mais fácil para todos, sentir-nos-emos apoiados, seguros;

- E tenham presente, segunda-feira não são os alunos que vão a exame, somos nós!

Todos os olhos estarão virados para nós, não podemos falhar! Não agora!

Os alunos, em setembro/outubro, estarão nos seus cursos, sem qualquer sombra de dúvida, seguirão os seus caminhos...

E nós???? Se nada fizermos, muitos estarão no desemprego ou a entrar na mobilidade e os que ficam estarão com mais turmas, mais horas de trabalho, para ainda piorar no ano seguinte (lembram-se da intenção de mexer no 79º?), pois nunca mais poderemos invocar força, nunca mais nos levantaremos.

Pensem nisso, por favor. Esqueçam tudo o acessório, centrem-se no essencial: este é o momento de dizerem se querem que eles continuem a destruir-nos a nós e ao ensino em Portugal.

Fátima Gomes

sexta-feira, abril 20, 2012

Música adequada à época

Parece que nova vaga de Mega-Agrupamentos vem aí, para desgraça da Escola Pública e dos seus utentes, comunidades locais e seus trabalhadores. Queríamos dedicar aos que vão à luta, em especial aos que estarão na DREC na próxima segunda-feira, a seguinte música:


Marchin on - OneRepublic


For those days we felt like a mistake,
Those times when love's what you hate
Somehow
We keep marchin on


For those nights that I couldn't be there,
I've made it harder to know that you know
That somehow
We'll keep movin on


There's so many wars we fought
There's so many things we're not
But with what we have
I promise you that
We're marchin on
We're marchin on


For all of the plans we've made
There isn't a flag I'd wave
Don't care where we've been
I'd sink us to swim
We're marchin on
We're marchin on


For those doubts that swirl all around us
For those lives that tear at the seams
We know
We're not what we've seen


Oh
For this dance we move with each other
There ain't no other step
Than one foot
Right in front of the other
Oh


There's so many wars we fought
There's so many things we're not
But with what we have
I promise you that
We're marchin on
We're marchin on


For all of the plans we've made
There isn't a flag I'd wave
Don't care where we've been
I'd sink us to swim
We're marchin on
We're marchin on


Right Right Right Right Left
Right Right Right Right Left
Right Right Right Marchin On


We'll have the days we break
And we'll have the scars to prove it
We'll have the bombs that we saved
And we'll have the heart
Not to lose it


For all of the times we stopped
For all of the things I'm not


Oh!
You put one foot in front of the other
We move like we ain't got no other
We go where we go we're marchin on
Marchin on


There's so many wars we fought
There's so many things we're not
But with what we have
I promise you that
We're marchin on
We're marchin on
Right Right Right Right Left
Right Right Right Right Left
Marchin On
Marchin on

segunda-feira, janeiro 17, 2011

A ética republicana e socialista - versão Central de Compras explicada

(imagem daqui)



No auditório da escola Eça de Queiroz, em Lisboa, surgiram várias críticas ao funcionamento da central. Os professores disseram que há produtos que surgem a preços mais elevados do que os praticados pelas empresas a nível local. Outra das queixas foi a obrigatoriedade de aquisição de elevadas quantidades: por exemplo, as escolas têm de comprar pelo menos 250 folhas de cartolina, de cada cor, por encomenda.
Ver tudo aqui
Algo não está a bater certo. Como é possível que os serviços oferecidos por uma Central de Compras do Estado fiquem mais caros que serviços idênticos contratados directamente pelas escolas?
Será que a resposta está aqui?

in Educação S. A. - post de Reitor

NOTA: vale a pena ler a notícia citada pelo Reitor:





terça-feira, setembro 21, 2010

Reflexão interessante sobre a Escola Pública e as reais possibilidades de escolha do estabelecimento de ensino

As famílias a escolher a escola ou as escolas a escolher os alunos?


A minha mãe faleceu há cerca de 2 meses. Dedicou parte substancial da sua vida a educar-me e ao meu irmão e ao ensino, actividade em que atravessou as décadas de 60, 70, 80 e 90.

Nestas últimas semanas dei por mim, muitas vezes a pensar nela, como é compreensível. Tenho a certeza de que se me visse deprimido e a patinar nos rumos que ajudou a traçar para a minha vida eu já estaria a sentir comichões intensas nas orelhas ou no nariz ou outros qualquer sintoma para contrariar isso. A minha mãe tinha, além de tudo, um sentido de humor discreto mas uma ironia mordaz (que, sem o seu equilíbrio feminino, eu potenciei, na mordacidade, que não na ironia). E, por isso, lembrá-la passa por lembrar como pensava e como agia.

Estava a ver o Prós & Contras na RTP sobre a revisão constitucional e a lembrar-me de como ela reagiria ao ver o debate sobre a “liberdade de educação” e “livre escolha de escola”. De Miguel Macedo registaria a hipocrisia de falar dos contratos de associação de escola (que existem nos sítios onde não há escolas públicas e o Estado paga tudo) e de Jorge Lacão a ignorância sobre a realidade do sistema. (Como ela diria, e eu repito desde que a ouvi dizer, toda a gente acha que percebe de escola só porque andou numa, mas eu não percebo de blocos cirúrgicos só porque fui operada….).

A minha escola escolhida

Para perceberem como o tema me toca, conto-vos a história da minha chegada à escola. Cresci na periferia em alargamento de Viana do Castelo, nos anos 70/80, numa zona em que durante a minha infância se passou dos castanheiros e juntas de bois (ainda as vi a circular na estrada) aos prédios e cafés de bairro. A escola da minha área de residência era a escola primária da Abelheira (hoje encerrada), rural, cheia de árvores e com o wc mais horrendo que já vi, frequentada pelos miúdos que moravam na encosta da Abelheira. Ficava a 10 minutos a pé de casa, a subir, que eu percorri nesses anos a dar pontapés nas castanhas e a desviar-me da bosta. Dos meus colegas de sala muito poucos (talvez 2 ou 3 chegaram) ao 12º ano.

Lembro-me de a minha mãe dizer que não teria sido difícil “escolher outra escola na cidade” e fugir à obrigação da residência. A escola onde trabalhava ficava ao lado da escola do Carmo e na família havia moradas que davam para me inscrever na Escola da Avenida. Mas a minha Mãe acreditava na escola pública e na ideia de um interesse público superior ao interesseirismo individual e isso implica respeitar as regras. E andei nessa escola e fui muito feliz. Não me tornei mais ignorante, por isso, e antes pelo contrário adquiri alguma sabedoria prática no meio das árvores e dos meus colegas.

Se morava ali ía para a escola do sítio. Na sua concepção quem usava o serviço público deveria ater-se às suas regras, quem quer escolher, em alternativa ao que o Estado dá, paga a escolha. Se o Estado dá e paga tem o direito de regular o acesso.

De certa maneira a minha mãe escolheu de acordo com o seu modelo de sociedade.

E eu concordo com a ideia. Na minha rua muito poucos foram para a escola rural dos meninos que não chegaram à faculdade. Dos filhos dos amigos da minha mãe, nossos vizinhos, nenhum andou aí, mas chegaram lá. E eu cheguei à faculdade porque a minha família elegia a educação como objectivo primordial para se gastar o dinheiro que havia: a minha mãe costumava dizer que a única coisa verdadeiramente sua era a formação que tinha. Tudo o resto podia perder-se….


Conselhos aos liberais da livre escolha de escola

E isto para dizer que quem hoje defende a liberdade de escolha de escola devia meditar mais em alguns aspectos:

- o primeiro é o território (Portugal não é igual a Lisboa e Porto e, por isso, alguns raciocínios sobre isto esquecem que o contexto da medida liberalizadora não serão só zonas metropolitanas, onde há muito por onde escolher);

- o segundo é a desigualdade de partida (os meninos que não chegaram à faculdade da minha escola, não chegaram porque o seu destino estava traçado pela desigualdade social que tinham à entrada). Eu tive livros, aprendi a ler em casa, “não guardava outras cabras”, como a minha avó dizia quando eu preguiçava e ela me lembrava que havia meninos, nos seus tempos de professora, que antes das aulas as pastoreavam (anos depois conheci alguns assim em Vila Nova de Cerveira). Comia bem, dormia em cama fofa e quentinha, ninguém me batia e brincava e estudava em conforto.

- o terceiro, os aspectos práticos - Como será se o dinheiro for dado às famílias para a escolha e se esquecerem de pagar a escola (no turbilhão do endividamento)?

- o quarto, as regras de acesso - E aqueles que ficarem nas escolas que sobram depois de todos escolherem e esgotarem as vagas das “boas” escolas? Vão ficar pior.

O problema da escolha pelas escolas. O acesso vs. a escolha

Costumo lembrar isso quando vejo na TV gente na “fila para a senha para ir para a fila da inscrição” no colégio XPTO no Porto ou em Lisboa ….. Curiosamente nas entrevistas da televisão nunca aparece o pai banqueiro ou o pai advogado de topo….. devem ter tirado a senha antes…..

Mas onde iriam os rankings e os brilhantes resultados se todas as escolas estivessem obrigadas à regra da residência que hoje abrange as públicas. Isto é, imaginem o colégio Luso-Francês no Porto a receber na sua lotação, primeiro, os alunos do bairro camarário vizinho e depois os que o escolhem de fora da área de residência.

A escolha de escola é uma falácia, sem haver regras invioláveis e blindadas para o excesso de lotação que impliquem que ninguém é excluído pela sua origem social (ou até étnica).

Muitos se ofenderão com a comparação, mas onde há clientes indesejados há sempre o mecanismo de dizer que o estabelecimento está cheio (e se ninguém for contar, essa desculpa fica de pé). Só fui barrado 2 vezes em discotecas, mas a desculpa foi sempre estar cheia e nunca “és feinho e baixinho….”.

O cigano ou beneficiário do RSI que queira escolher uma escola das boas há-de sempre chegar quando ela já estiver cheia…. E não me venham com a hipocrisia de que há escolas privadas com “programas para ensinar pobrezinhos”. Talvez a minha expressão seja injusta mas a verdade é que uma andorinha não faz a primavera …..

Como um brilhante e provocatório texto de Henrique Raposo lembrava no Expresso, este problema de acesso já existe no ensino público (com o que ele chamava “os liceus geridos por pessoas de bem”).

E essa questão do acesso e as suas regras é que é o problema.

Alguns sectores da sociedade portuguesa, invocando uma comparação limitada e torcida com o resto da Europa (em que nunca falam deste problema do acesso e de como ele é bem ou mal resolvido), vêm agora falar da escolha de escola.

O discurso é falso. Aquilo de que falam é de o Estado pagar a escola das classes médias altas que escolheram recusar a pública (que estará pior, também porque as classes médias-altas metropolitanas e urbanas de lá saíram, e se criaram em, alguns sítios, escolas gueto ou tendencialmemte guetizadas).

Se isso avançar, havemos de ter ainda mais portugueses, dirigentes políticos e administrativos, que não entendem, nem querem entender a pobreza, porque simplesmente nunca a viram realmente. Ou que são racistas porque foram criados em berço de ouro e turmas de roupa de marca não comprada na feira. Criados entre pessoas da sua “classe” e “estatuto” vão mesmo aceitar que pobreza é fatalidade ou que a culpa é dos pobres e da sua falta de iniciativa.

Os meninos que ainda hoje deixam a escola porque o seu destino está traçado antes de lá chegarem não precisam que o Estado desvie dinheiro para pagar a escolha que alguns deles não terão quem faça. Precisam é de escola pública (e eu também não digo estatal) com mais gestão comunitária, com mais apoios educativos e atenção aos reflexos da origem social e com menos burocracia perturbadora e hiperreguladora do senso educativo de quem lá trabalha. E quem quer escolher outra escola que pague….

Ou, como sou benevolente, de acho graça a cenários absurdos de acontecer, em alternativa, que todas as escolas privadas abrangidas pela generalização de escolha sejam obrigadas sob pena de encerramento a aceitar, pelo preço que o Estado gasta hoje nas públicas, primeiro, todos os alunos que residam num raio de kms curtos a determinar e só depois os outros. Imaginem os moradores do Cerco do Porto nos colégios privados da zona das Antas ou da Circunvalação ou os moradores de Vila d’Este nos colégios de Gaia…. (e, como se vê, sou do Norte). Belos rankings teríamos então e rapidamente teríamos a associação dos colégios a querer mais dinheiro (e lá se ía a milagrosa economia que agora é apresentada).

Porque afinal estamos a falar de escolha de escola pelas famílias ou de escolha das famílias pela escola?

Há problemas de gestão na escola pública (sei-o bem). Mas para acabar com eles é preciso acabar com um elemento da nossa matriz cultural e criar uma nova área de negócio que agravará a perda de capacidade de intervenção pública na educação? E nem falemos dos problemas futuros da confessionalidade paga pelo Estado ou das oportunas transferências dos alunos que vão estragar a escrita no exame….

Num país desigual como é Portugal a livre escolha não vai ser livre mas será até muito condicionada por factores estruturais da sociedade….

A melhor homenagem que farei à minha Mãe, produto da sua escola pública que sou, é que os seus netos estudem nela: numa escola pública tão exigente como a sua foi e mais igualitária do que a minha pode ser.


in vistodaprovincia - post de Luís Sottomaior Braga