Professores, uma referência contra o medo
São José Almeida - 22.06.2013
Na semana em que se assinalam os dois anos
da posse do Governo de coligação PSD-CDS, chefiado por Pedro Passos
Coelho, o executivo sofreu uma derrota política com a greve dos
professores. O dia 17 de Junho pode vir a ficar na história deste
Governo como o dia marcante no que tem sido a investida autofágica ao
próprio Estado, que o Governo tem consumado no ataque aos funcionários
públicos.
A greve dos professores no dia de exame nacional de
Português - na continuação da greve às avaliações, que já estava a ser
um sucesso - foi uma importante derrota política de todo o Governo e em
especial do primeiro-ministro, que deu cobertura à forma como o ministro
da Educação geriu este assunto e o transformou num braço-de-ferro com
os sindicatos dos professores e com os professores em geral. A derrota
foi tal que os exames previstos para o dia da greve geral já foram
antecipados para a véspera.
O primeiro-ministro autorizou e apoiou
a forma autoritária e no limite do poder democrático e do Estado de
direito como o ministro da Educação procurou forçar os professores a
irem vigiar exames. Quebrando todas as noções de bom senso e de
tentativa de conciliação social que competem ao poder executivo em
democracia, o ministro da Educação insistiu na recusa em adiar o exame
para 20 de Junho, como foi sensatamente proposto pelo colégio arbitral a
que o próprio ministro recorreu e que se recusou a decretar serviços
mínimos. Se o tivesse feito, Nuno Crato tinha de uma penada saído como
um governante que sabe dialogar e reconhecer o direito democrático à
greve, mas que pôs em primeiro lugar o interesse dos alunos. Seria visto
como um vencedor e teria esvaziado a greve dos professores, deixando os
sindicatos sem espaço político e social para remarcar a greve para
outro dia de exames.
Mas o primeiro-ministro, com o respaldo e o
veemente apoio político que deu a Nuno Crato nesta cruzada, decidiu que
mais uma vez os professores iam servir de exemplo. E adoptando a
arrogância do autoritarismo neoliberal perante o trabalho e prosseguindo
a mesma linha ideológica de que tem governado com o intuito de baixar o
valor do trabalho, o Governo seguiu em relação à greve dos professores
as regras de um manual de thatcherismo de trazer por casa. Convenceu-se
que também ele ia "quebrar a espinha" aos sindicatos. Enganou-se.
O
que o Governo conseguiu foi lançar a confusão nos exames de Português,
que ou não se realizaram ou realizaram em muitos casos atabalhoadamente.
Se não, vejamos os dados que resultam de um dia de greve. Segundo o
próprio Ministério da Educação, apenas 76% dos 75 mil alunos inscritos a
exame conseguiram realizar a provas, ou seja, cerca de 20 mil alunos
ficaram sem exame de Português, pelo que o ministério foi obrigado a
anunciar logo no mesmo dia que se realiza novo exame dia 2 de Julho.
Mas
a imagem da seriedade e do rigor de Estado, que é necessária à execução
de exames, ficou comprometida. Mesmo antes do dia, o facto de o
ministério convocar para vigiarem exames dez vezes mais professores do
que os dez mil que normalmente estariam envolvidos, mostra o desespero e
a falta de racionalidade com que o Governo agiu perante o problema. Já
em relação ao dia, os dados conhecidos falam por si.
Conclusão: o
exercício de autoritarismo protagonizado por Nuno Crato redundou em
descrédito da autoridade de Estado e na mácula do currículo dos alunos. A
greve teve assim apenas um aspecto positivo - a vitória que ela foi
para os professores. E neste sentido, ou seja, num sentido social mais
amplo, pode dizer-se que esta greve foi uma mais-valia para a sociedade
portuguesa e para a democracia.
Isto porque, se o Governo pensou
que ia fazer dos professores um exemplo e que ia "quebrar a espinha" ao
movimento sindical, a união dos sindicatos e a união com que todos os
professores agiram deu uma lição ao Governo sobre como nem tudo é
permitido e como há pessoas que não se deixam intimidar pelo medo. A
maioria da classe docente, ao mostrar que não se deixava acobardar pela
intimidação do Governo, deu uma lição de dignidade e serviu de exemplo a
toda a função pública, a todos os trabalhadores, à sociedade portuguesa
e à democracia portuguesa. Os professores estão assim de parabéns, pois
voltaram a ser uma referência para a sociedade, uma referência contra o
autoritarismo e contra o medo.
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