Fernando Namora (Condeixa-a-Nova, 15 de abril de 1919 - Lisboa, 31 de janeiro de 1989) de nome completo Fernando Gonçalves Namora, médico e escritor português, autor de uma extensa obra, das mais divulgadas e traduzidas nos anos 70 e 80.
in Wikipédia
Profecia
Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue...
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que não posso recuar.
Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas não sei trocar a minha sorte!
Não venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
à minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas não quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar...
O que eu quero é ir em frente
sem loas, ópios ou afagos
dos lábios que mentem.
É esta, não é outra, a minha crença.
Raios vos partam, vós que duvidais,
raios vos partam, cegos de nascença!
in Relevos (1927) - Fernando Namora
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