Filho do célebre
Repórter X, Reinaldo Ferreira chega a
Lourenço Marques (atual Maputo) em
1941, finaliza o 7º ano do liceu e ingressa como aspirante no Quadro Administrativo da Colónia, tendo subido até Chefe de Posto.
Os primeiros poemas começam a ser publicados nos jornais locais ou em
revistas de artes e letras. Adapta para a rádio peças de teatro e, mais
tarde, colabora no teatro de revista. Autor da letra de canções
ligeiras, entre as quais
Kanimambo,
Uma Casa Portuguesa e
Piripiri.
Em
1959 é-lhe detetado cancro do pulmão e morre em junho desse ano. Não editou nenhum livro em vida.
A coletânea dos seus poemas surgiu em 1960.
António José Saraiva e
Óscar Lopes compararam-no ao poeta
Fernando Pessoa,
realçando «o mesmo sentir pensado, a mesma disponibilidade imensamente
cética e fingidora de crenças, recordações ou afetos, o mesmo gosto
amargo de assumir todas as formas de negatividade ou avesso lógico».
Haja névoa
Haja névoa!
Dancem os véus na minha alma
(E externos nas luzes próximas,
Que se recusam como estrelas na distância).
Haja névoa!
Paire nela a memória dos maníacos
Sonhando na penumbra dos portais
Assassínios brutais.
Haja, haja névoa!
Aqui e além no mar.
No mar, nos mares, para que todas as viagens,
Para que todos os barcos em todas as paragens,
Na iminência dos naufrágios improváveis
- Improváveis, possíveis -,
Se gastem nos avisos aflitos
Das luzes, dos rádios, dos radares,
Dos gritos
Dos apitos.
Haja, haja névoa...
Desgastem-se os contornos
Das coisas excessivamente conhecidas.
Não haja céu sequer.
Névoa, só névoa!
E eu, nas ruas distorcidas,
Livre e tão leve
Como se fosse eu próprio a névoa
Da noite longa duma existência breve.
Reinaldo Ferreira