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domingo, maio 19, 2024

Poesia para uma camponesa...

Gravura de Catarina Eufémia, como parte da obra de arte "Revolução subterrada", na passagem subterrânea da estação de Alcantâra-Mar, em Lisboa

 

AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 
  
Carlos Aboim Inglez

terça-feira, fevereiro 13, 2024

Carlos Aboim Inglez morreu há vinte e dois anos...

    
Carlos Aboim Inglez
(Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
     
Biografia

Entrou no partido apenas com 16 anos, em 1946. Preocupou-se, nos últimos anos de vida, sobre o tema da globalização, sob uma perspetiva marxista, articulando-a com a noção de fases na mundialização do capitalismo e a noção de imperialismo.

 

Vida na clandestinidade

Em 1953, com 23 anos, torna-se funcionário do PCP, o que significava, nessa altura, e durante mais de duas décadas ainda, passar à clandestinidade, algo que viveu com a sua mulher Maria Adelaide Aboim Inglez. Esteve preso durante o regime do Estado Novo, altura em que tentou traduzir a "Fenomenologia do Espírito" de Hegel, tendo ficado pela "Introdução".

  

Escrita

Poeta, mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!", como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval entre o realismo e nominalismo.

 

Falecimento

Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da ópera Nabucco, de Verdi.

 

Homenagem 

A Câmara Municipal de Lisboa prestou-lhe a sua homenagem ao atribuir o seu nome a uma rua, na freguesia da Charneca, no Alto do Lumiar.

  
 
 
AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 
  
Carlos Aboim Inglez

sexta-feira, janeiro 05, 2024

Carlos Aboim Inglez nasceu há 94 anos

(imagem daqui)
     
Carlos Aboim Inglez (Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
  

 
 
Um homem só no segredo

 

Um homem só no segredo
sabe um segredo profundo:
nunca está só nem tem medo
quem ama os homens e o mundo.

  
   
  
Carlos Aboim Inglez

 

Nota: poema escrito com um prego na parede de um segredo das casamatas de Caxias, em dezembro de 1959.

segunda-feira, fevereiro 13, 2023

Carlos Aboim Inglez morreu há vinte e um anos...

    
Carlos Aboim Inglez
(Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
     
Biografia

Entrou no partido apenas com 16 anos, em 1946. Preocupou-se, nos últimos anos de vida, sobre o tema da globalização, sob uma perspetiva marxista, articulando-a com a noção de fases na mundialização do capitalismo e a noção de imperialismo.

 

Vida na clandestinidade

Em 1953, com 23 anos, torna-se funcionário do PCP, o que significava, nessa altura, e durante mais de duas décadas ainda, passar à clandestinidade, algo que viveu com a sua mulher Maria Adelaide Aboim Inglez. Esteve preso durante o regime do Estado Novo, altura em que tentou traduzir a "Fenomenologia do Espírito" de Hegel, tendo ficado pela "Introdução".

  

Escrita

Poeta, mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!", como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval entre o realismo e nominalismo.

 

Falecimento

Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da Ópera Nabucco, de Verdi.

 

Homenagem 

A Câmara Municipal de Lisboa prestou-lhe a sua homenagem ao atribuir o seu nome a uma rua, na freguesia da Charneca, no Alto do Lumiar.

  
 
 
AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 
  
Carlos Aboim Inglez

quinta-feira, janeiro 05, 2023

Carlos Aboim Inglez nasceu há 93 anos

(imagem daqui)
     
Carlos Aboim Inglez (Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
  

 
 
Um homem só no segredo

 

Um homem só no segredo
sabe um segredo profundo:
nunca está só nem tem medo
quem ama os homens e o mundo.

  
   
  
Carlos Aboim Inglez

 

Nota: poema escrito com um prego na parede de um segredo das casamatas de Caxias, em dezembro de 1959.

domingo, fevereiro 13, 2022

O intelectual comunista Carlos Aboim Inglez morreu há vinte anos...

    
Carlos Aboim Inglez
(Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
     
Biografia

Entrou no partido apenas com 16 anos, em 1946. Preocupou-se, nos últimos anos de vida, sobre o tema da globalização, sob uma perspetiva marxista, articulando-a com a noção de fases na mundialização do capitalismo e a noção de imperialismo.

 

Vida na clandestinidade

Em 1953, com 23 anos, torna-se funcionário do PCP, o que significava, nessa altura, e durante mais de duas décadas ainda, passar à clandestinidade, algo que viveu com a sua mulher Maria Adelaide Aboim Inglez. Esteve preso durante o regime do Estado Novo, altura em que tentou traduzir a "Fenomenologia do Espírito" de Hegel, tendo ficado pela "Introdução".

  

Escrita

Poeta, mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!", como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval entre o realismo e nominalismo.

 

Falecimento

Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da Ópera Nabucco, de Verdi.

 

Homenagem 

A Câmara Municipal de Lisboa prestou-lhe a sua homenagem ao atribuir o seu nome a uma rua na freguesia da Charneca, no Alto do Lumiar.

  
 
 
AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 
  
Carlos Aboim Inglez

quarta-feira, janeiro 05, 2022

Carlos Aboim Inglez nasceu há 92 anos

(imagem daqui)
     
Carlos Aboim Inglez (Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
  

 
 
AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

  
   
  
Carlos Aboim Inglez

sábado, fevereiro 13, 2021

Carlos Aboim Inglez morreu há 19 anos

(imagem daqui)
       
Carlos Aboim Inglez (Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
  
(...)
   
Poeta, mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!", como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval entre o realismo e nominalismo. Postumamente, em 2003, foi publicado o seu livro de poemas “Soma pouca”.
Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da Ópera Nabucco, de Verdi.
  
 
 
AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 
  
Carlos Aboim Inglez

terça-feira, janeiro 05, 2021

O intelectual comunista Carlos Aboim Inglez nasceu há 91 anos

(imagem daqui)
     
Carlos Aboim Inglez (Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP
  
(...)
   
Poeta, mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!", como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval entre o realismo e nominalismo. Postumamente, em 2003, foi publicado o seu livro de poemas “Soma pouca”.
Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da Ópera Nabucco, de Verdi.
  
 
 
AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 
  
Carlos Aboim Inglez

domingo, janeiro 05, 2020

Carlos Aboim Inglez nasceu há noventa anos

 
(imagem daqui)
   
Carlos Aboim Inglez (Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP. Entrou no partido apenas com 16 anos, em 1946. Preocupou-se, nos últimos anos de vida, sobre o tema da globalização, sob uma perspectiva marxista, articulando-a com a noção de fases na mundialização do capitalismo e a noção de imperialismo.
Em 1953 (com 23 anos) tornou-se funcionário do PCP, o que significava, nessa altura, e durante mais de duas décadas ainda, passar à clandestinidade. Esteve preso durante o regime do Estado Novo (altura em que tentou traduzir a "Fenomenologia do Espírito" de Hegel - tendo ficado pela "Introdução"). Poeta, mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!", como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval entre o realismo e nominalismo. Postumamente, em 2003, foi publicado o seu livro de poemas “Soma pouca”.
Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da Ópera Nabucco, de Verdi.
  
 
 
AO RETRATO DE CATARINA
 
 
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta
 
Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido
 
Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura
  
Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto

 
  
Carlos Aboim Inglez

segunda-feira, janeiro 05, 2015

Carlos Aboim Inglez nasceu há 85 anos

 
(imagem daqui)

Carlos Aboim Inglez (Lisboa, 5 de janeiro de 1930 - Lisboa, 13 de fevereiro de 2002) foi um intelectual comunista português, militante e dirigente do PCP. Entrou no partido apenas com 16 anos, em 1946. Preocupou-se, nos últimos anos de vida, sobre o tema da globalização, sob uma perspectiva marxista, articulando-a com a noção de fases na mundialização do capitalismo e a noção de imperialismo.
Desde 1953 (com 23 anos) que se tornou funcionário do PCP, o que significava, nessa altura, e durante mais de duas décadas ainda, passar à clandestinidade. Esteve preso durante o regime do Estado Novo (altura em que tentou traduzir a "Fenomenologia do Espírito" de Hegel - tendo ficado pela "Introdução"). Poeta, mostrou grande interesse pela poesia portuguesa, como se nota no facto de incluir várias notas sobre poesia no jornal comunista "Avante!", como a respeito de Sá de Miranda, Camões ou Gil Vicente. Interessava-o as relações entre o pensamento materialista e a controvérsia medieval entre o realismo e nominalismo. Postumamente, em 2003, foi publicado o seu livro de poemas “Soma pouca”.
Quando morreu, pediu para ser cremado ao som do Coro dos Escravos da Ópera Nabucco, de Verdi.



AO RETRATO DE CATARINA


Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta

Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido

Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura

Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto



Carlos Aboim Inglez