António Pereira Nobre (Porto, 16 de agosto de 1867 - Foz do Douro, 18 de março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português. A sua principal obra, Só (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia, imbuída de subjectivismo, mas simultaneamente suavizada pela presença de um fio de auto-ironia e com a rotura com a estrutura formal do género poético em que se insere, traduzida na utilização do discurso coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas. Apesar da sua produção poética mostrar uma clara influência de Almeida Garrett e de Júlio Dinis, ela insere-se decididamente nos cânones do simbolismo francês. A sua principal contribuição para o simbolismo lusófono foi a introdução da alternância entre o vocabulário refinado dos simbolistas e um outro mais coloquial, reflexo da sua infância junto do povo nortenho. Faleceu com apenas 32 anos de idade, após uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar.
Vida
António Nobre nasceu na cidade do Porto a 16 de agosto de 1867, numa família abastada. Passou a sua infância em Trás-os-Montes e na Póvoa de Varzim. Em 1888 matriculou-se no curso de Direito da Universidade de Coimbra, mas não se inseriu na vida estudantil coimbrã, reprovando por duas vezes. Optou então por partir, em 1890, para Paris onde frequentou a Escola Livre de Ciências Políticas (École Libre des Sciences Politiques, de Émile Boutmy), licenciando-se em Ciências Políticas no ano de 1895. Durante a sua permanência em França familiarizou-se com as novas tendências da poesia do seu tempo, aderindo ao simbolismo. Foi também em Paris que contactou com Eça de Queirós, na altura cônsul de Portugal naquela cidade, e escreveu a maior parte dos poemas que viriam a constituir a colectânea Só, que publicaria naquela cidade, em 1892.
O livro de poesia Só, que seria a sua única obra publicada em vida, constitui um dos marcos da poesia portuguesa do século XIX. Esta obra seria, ainda em sua vida, reeditada em Lisboa, com variantes, lançando definitivamente o poeta no meio cultural português. Aparecida num período em que o simbolismo era a corrente dominante na poesia portuguesa coeva, Só diferencia-se dos cânones dominantes desta corrente, o que poderá explicar as críticas pouco lisonjeiras com que a obra foi inicialmente recebida em Portugal. Apesar desse acolhimento, a obra de António Nobre teve como mérito, juntamente com Cesário Verde, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, entre outros, de influenciar decisivamente o modernismo português e tornar a escrita simbolista mais coloquial e leve.
No seu regresso a Portugal decidiu enveredar pela carreira diplomática, tendo participado, sem sucesso, num concurso para cônsul. Entretanto adoece com tuberculose pulmonar, doença que o obriga a ocupar o resto dos seus dias em viagens entre sanatórios na Suíça, na Madeira, passando por New York, pelos arredores de Lisboa e pela casa da família no Seixo, procurando em vão na mudança de clima o remédio para o seu mal.
Vítima da tuberculose pulmonar, faleceu na Foz do Douro, a 18 de Março de 1900, com apenas 32 anos de idade, em casa de seu irmão Augusto Nobre, reputado biólogo e professor da Universidade do Porto. Deixou inédita a maioria da sua obra poética. Apesar da morte prematura, e de só ter publicado em vida uma obra, a colectânea Só, António Nobre influenciou os grandes nomes do modernismo português, como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, deixando uma marca indelével na literatura lusófona.
Obra
António Nobre referindo-se ao seu único livro publicado em vida, Só (1892), declara que é o livro mais triste que há em Portugal. Apesar disso, e de ser real o sentimento de tristeza e de exílio que perpassa em toda a sua obra, ela aparece marcada pela memória de uma infância feliz no norte de Portugal e pelo relembrar das paisagens e das gentes que conheceu no Douro interior e no litoral português a norte do Porto, onde passou na infância e juventude, e em Coimbra, onde começou estudos de Direito.
Na sua poesia concede grande atenção ao real, descrito com minúcia e afecto, mesmo se à distância da memória e do sentimento de exílio que entretanto o invadira. Este sentimento, só aparentemente resultado da sua ida para Paris, estará presente em toda a sua obra, mesmo naquela que foi escrita após o seu regresso a Portugal.
Embora a tuberculose pulmonar apenas se tenha manifestado depois de publicada a primeira edição do livro, pelo que são erróneas as leituras que pretendem ver os poemas de Só à luz daquela doença, em toda a obra de António Nobre está presente a procura de um regresso a um passado feliz, que transfigura a realidade, poetizando-a e aproximando-a da intimidade do poeta. Estas características da sua obra, que reflectem as influências simbolistas e decadentistas que recebeu em Coimbra e Paris, são acompanhadas de alguma ironia amarga perante o que achava ser a agonia de Portugal e a sua própria, particularmente na fase final da sua vida na qual as circunstâncias críticas do seu estado de saúde contribuíram em muito para as características da sua obra.
Em todos os seus livros (Só e os póstumos Primeiros versos e Despedidas), bem como no seu abundante epistolário, está presente um sentimentalismo aparentemente simples, reflectido nos temas recorrentes da sua obra: a saudade, o exílio, a pátria e a poesia. Este sentimentalismo ganha uma dimensão mítica, por vezes um certo visionarismo, na procura de um passado pessoal entretanto perdido pelo desenraizamento da sua pátria ou pelo sentimento de amargura a sua estagnação lhe causa, como se percebe no seu poema Carta a Manuel.
Na sua obra poética, António Nobre procurou recuperar um pitoresco português ligado à vida dos simples, ao seu vigor e à sua tragédia, pelos quais sentia uma ternura ingénua e pueril. Nessa tentativa assume uma atitude romântica e saudosista que marcaria profundamente a literatura portuguesa posterior, aproximando-o de figuras literárias como Guerra Junqueiro e Almeida Garrett.
Esta proximidade e admiração a Almeida Garrett são confessadas pelo próprio autor no poema intitulado significativamente Viagens na minha terra:
- «Ora, às ocultas, eu trazia No seio, um livro e lia, lia Garrett da minha paixão»
Estilisticamente, António Nobre, recusou a elaboração convencional, a oratória e a linguagem elevada do simbolismo do seu tempo, procurando dar à sua poesia um tom de coloquialidade, cheio de ritmos livres e musicais, acompanhado de uma imagística rica e original. Nesta ruptura com o simbolismo foi precursor da modernidade. Marcantes, ainda, na sua obra são o seu pessimismo e a obsessão da morte (como em Balada do Caixão, Ca(ro) Da(ta) Ver(mibus), Males de Anto ou Meses depois, num cemitério), o fatalismo com a sua predestinação para a infelicidade (como em Memória, Lusitânia No Bairro Latino ou D. Enguiço) e o apreço pela paisagem e pelos tipos pitorescos portugueses (como na segunda e terceira partes de António, Viagens na Minha Terra ou no soneto Poveirinhos! Meus velhos pescadores).
Considerada ousada para a época, a obra de António Nobre foi lida por alguns como nacionalista e tradicionalista. Essa leitura foi abandonada pela crítica mais recente que reconhece não se tratar de uma obra solipsista e ensimesmada, antes vê nela a representação de um universo interior e de um Portugal que epitomizam o sujeito finissecular e que expressam uma crise de valores que em breve, historicamente, traria mudanças de vulto.
Na sua obra póstuma, constam Despedidas 1895-1899 (1902), que inclui um fragmento de um poema sebastianista de intenção épica, O Desejado, e Primeiros Versos 1882-1889 (1921). A sua vasta correspondência foi entretanto editada, acompanhada de diversos estudos sobre a sua vida e obra. António Nobre colaborou ainda em revistas como A Mocidade de Hoje (1883) e Boémia Nova (1889).
Apesar do escasso número de volumes da obra de António Nobre, ela constitui um dos grandes marcos da poesia do século XIX e uma referência obrigatória da Literatura Portuguesa. Aquele autor é assim, à semelhança de outros autores de obra quase única, como são Cesário Verde e Camilo Pessanha, uma figura incontornável da poesia lusófona.
in Wikipédia
Para as raparigas de Coimbra
1
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avozinho,
Falta-te apenas a voz.
2
Minha capa vos acoite
Que é p'ra vos agasalhar:
Se por fora é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...
3
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobrais, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!
4
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cai, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!
5
A lua é a hóstia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d'uma certa farinha
Que não apanha bolor!
6
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água?
Qu'é dos prantos que eu chorei?
7
A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.
8
- E só porque o mundo zomba
Que pões luto? Importa lá!
Antes te vistas de pomba...
- Pombas pretas também há!
9
Terezinhas! Ursulinas!
Tardes de novena, adeus!
Os corações às batinas
Que diriam? sabe-o Deus...
10
Teu coração é uma igreja:
N'uma eça dorme, ali,
Manuel, bendito seja,
Que morreu d'amor por ti.
11
Manuel no Pio reposa:
Todos os dias, lá vou
Ver se quer alguma coisa,
Perguntar como passou.
12
Agora, são tudo amores
A roda de mim, no Cais,
E, mal se apanham doutores,
Partem e não voltam mais...
13
Aos olhos da minha fronte
Vinde os cântaros encher:
Não há, assim, segunda fonte
Com duas bicas a correr!
14
Nossa Senhora faz meia
Com linha feita de luz:
O novelo é a lua-cheia,
As meias são p'ra Jesus.
15
Meu violão é um cortiço,
Tem por abelhas os sons
Que fabricam, valha-me isso,
Fadinhos de mel, tão bons...
16
Ó fogueiras, ó cantigas,
Saudades! recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!
in Só (1892) - António Nobre
1
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avozinho,
Falta-te apenas a voz.
2
Minha capa vos acoite
Que é p'ra vos agasalhar:
Se por fora é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...
3
Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobrais, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!
4
A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cai, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!
5
A lua é a hóstia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d'uma certa farinha
Que não apanha bolor!
6
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água?
Qu'é dos prantos que eu chorei?
7
A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.
8
- E só porque o mundo zomba
Que pões luto? Importa lá!
Antes te vistas de pomba...
- Pombas pretas também há!
9
Terezinhas! Ursulinas!
Tardes de novena, adeus!
Os corações às batinas
Que diriam? sabe-o Deus...
10
Teu coração é uma igreja:
N'uma eça dorme, ali,
Manuel, bendito seja,
Que morreu d'amor por ti.
11
Manuel no Pio reposa:
Todos os dias, lá vou
Ver se quer alguma coisa,
Perguntar como passou.
12
Agora, são tudo amores
A roda de mim, no Cais,
E, mal se apanham doutores,
Partem e não voltam mais...
13
Aos olhos da minha fronte
Vinde os cântaros encher:
Não há, assim, segunda fonte
Com duas bicas a correr!
14
Nossa Senhora faz meia
Com linha feita de luz:
O novelo é a lua-cheia,
As meias são p'ra Jesus.
15
Meu violão é um cortiço,
Tem por abelhas os sons
Que fabricam, valha-me isso,
Fadinhos de mel, tão bons...
16
Ó fogueiras, ó cantigas,
Saudades! recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!
in Só (1892) - António Nobre
Sem comentários:
Enviar um comentário