Rafael Augusto Prostes Bordalo Pinheiro (Lisboa, 21 de março de 1846 — 23 de janeiro de 1905) foi um artista português, de obra vasta dispersa por largas dezenas de livros e publicações, precursor do cartaz artístico em Portugal, desenhador, aguarelista, ilustrador, decorador, caricaturista político e social, jornalista, ceramista
e professor. O seu nome está intimamente ligado à caricatura
portuguesa, à qual deu um grande impulso, imprimindo-lhe um estilo
próprio que a levou a uma visibilidade nunca antes atingida. É o autor
da representação popular do Zé Povinho, que se veio a tornar num símbolo do povo português. Entre seus irmãos estava o pintor Columbano Bordalo Pinheiro.
O Museu Rafael Bordalo Pinheiro, em Lisboa, reúne a sua obra.
Biografia
Nascido Rafael Augusto Prostes Bordalo Pinheiro, filho de
Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1815-1880) e D. Maria Augusta do Ó
Carvalho Prostes, em família de artistas, cedo ganhou o gosto pelas
artes. Em 1860 inscreveu-se no Conservatório e posteriormente matriculou-se sucessivamente na Academia de Belas Artes (desenho de arquitectura civil, desenho antigo e modelo vivo), no Curso Superior de Letras e na Escola de Arte Dramática, para logo de seguida desistir. Estreou-se no Teatro Garrett embora nunca tenha vindo a fazer carreira como actor.
Em 1863, o pai arranjou-lhe um lugar na Câmara dos Pares, onde acabou por descobrir a sua verdadeira vocação, derivado das intrigas políticas dos bastidores.
Desposou Elvira Ferreira de Almeida em 1866 e no ano seguinte nasceu o seu filho Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro.
Começou por tentar ganhar a vida como artista plástico com
composições realistas apresentando pela primeira vez trabalhos seus em 1868
na exposição promovida pela Sociedade Promotora de Belas-Artes, onde
apresentou oito aguarelas inspiradas nos costumes e tipos populares, com
preferência pelos campinos de trajes vistosos. Em 1871 recebeu um prémio na Exposição Internacional de Madrid. Paralelamente foi desenvolvendo a sua faceta de ilustrador e decorador.
Em 1875 criou a figura do Zé Povinho, publicada n'A Lanterna Mágica. Nesse mesmo ano, partiu para o Brasil onde colaborou em alguns jornais e enviava a sua colaboração para Lisboa, voltando a Portugal em 1879, tendo lançado O António Maria.
Experimentou trabalhar o barro em 1885 e começou a produção de louça artística na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha.
Faleceu a 23 de janeiro de 1905 em Lisboa, no nº 28 da rua da Abegoaria (actual Largo Raphael Bordallo-Pinheiro), no Chiado, freguesia do Sacramento, em Lisboa.
O desenhador
Raphael Bordallo-Pinheiro deixou um legado iconográfico
verdadeiramente notável,tendo produzido dezenas de litografias. Compôs
inúmeros desenhos para almanaques, anúncios e revistas estrangeiras como
El Mundo Comico (1873-74), Ilustrated London News, Ilustracion Española y Americana (1873), L'Univers Illustré e El Bazar. Fez desenhos em álbuns de senhoras, foi o autor de capas e de centenas de ilustrações em livros, e em folhas soltas deixou portraits-charge
de diversas personalidades. Começou a fazer caricatura por brincadeira
como aconteceu nas paredes dos claustros do edifício onde dava aulas o
Professor Jaime Moniz, onde apareceram, desenhados a ponta de charuto,
as caricaturas dos mestres. Mas é a partir do êxito alcançado pel'O Dente da Baronesa (1870), folha de propaganda a uma comédia em 3 actos de Teixeira de Vasconcelos, que Bordalo entra definitivamente para a cena do humorismo gráfico.
Dotado de um grande sentido de humor mas também de uma crítica social
bastante apurada e sempre em cima do acontecimento, caricaturou todas
as personalidades de relevo da política, da Igreja e da cultura da
sociedade portuguesa. Apesar da crítica demolidora de muitos dos seus
desenhos, as suas características pessoais e artísticas cedo
conquistaram a admiração e o respeito público que tiveram expressão
notória num grande jantar em sua homenagem realizado na sala do Teatro Nacional D. Maria II, em 6 de Junho de 1903 que, de forma inédita, congregou à mesma mesa praticamente todas as figuras que o artista tinha caricaturado.
Na sua figura mais popular, o Zé Povinho, conseguiu projectar a
imagem do povo português de uma forma simples mas simultaneamente
fabulosa, atribuindo um rosto ao país. O Zé Povinho continua ainda hoje a
ser retratado e utilizado por diversos caricaturistas para revelar de
uma forma humorística os podres da sociedade.
O ceramista
Tendo aceitado o convite para chefiar o setor artístico da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha (1884), aí criou o segundo momento de renovação da cerâmica Caldense. Raphael Bordallo-Pinheiro dedicou-se à produção de peças de cerâmica
que, nas suas mãos, rapidamente, adquiriram um cunho original. Jarras,
vasos, bilhas, jarrões, pratos e outras peças demonstram um labor tão
frenético e criativo quanto barroco e decorativista, características,
aliás, também presentes nos seus trabalhos gráficos. Mas Bordalo não se
restringiu apenas à fabricação de loiça ornamental. Além de ter
desenhado uma baixela de prata da qual se destaca um originalíssimo
faqueiro que executou para o 3º visconde de S. João da Pesqueira,
satisfez dezenas de pequenas e grandes encomendas para a decoração de
palacetes: azulejos, painéis, frisos, placas decorativas, floreiras,
fontes-lavatório, centros de mesa, bustos, molduras, caixas, e também
broches, alfinetes, perfumadores, etc.
No entanto, a cerâmica também não poderia excluir as figuras do seu
repertório. A par das esculturas que modelou para as capelas do Buçaco representando cinquenta e duas figuras da Via Sacra,
Bordalo apostou sobretudo nas que lhe eram mais gratas: O Zé Povinho
(que será representado em inúmeras atitudes), a Maria Paciência, a
mamuda ama das Caldas, o polícia, o padre tomando rapé e o sacristão de
incensório nas mãos, a par de muitos outros.
Embora financeiramente, a fábrica se ter revelado um fracasso, a
genialidade deste trabalho notável teve expressão nos prémios
conquistados: uma medalha de ouro na Exposição Colombiana de Madrid em 1892, em Antuérpia (1894), novamente em Madrid (1895), em Paris (1900), e nos Estados Unidos, em St. Louis (1904).
O jornalista
Raphael Bordallo-Pinheiro destacou-se sobretudo como um homem de
imprensa. Durante cerca de 35 anos (de 1870 a 1905) foi a alma de todos
os periódicos que dirigiu quer em Portugal, quer nos três anos que
trabalhou em terras brasileiras.
Semanalmente, durante as décadas referidas, os seus periódicos
debruçaram-se sobre a sociedade portuguesa nos mais diversos quadrantes,
de uma forma sistemática e pertinente.
Em 1870 lançou três publicações: "O Calcanhar de Aquiles", "A Berlinda" e "O Binóculo",
este último, um semanário de caricaturas sobre espectáculos e
literatura, talvez o primeiro jornal, em Portugal, a ser vendido dentro
dos teatros. Seguiu-se o "M J ou a História Tétrica de uma Empresa
Lírica", em 1873. Todavia, foi "A Lanterna Mágica", em 1875, que inaugurou a época da actividade regular deste jornalista "sui generis" que, com todo o desembaraço, ao longo da sua actividade, fez surgir e também desaparecer inúmeras publicações. Seduzido pelo Brasil, também aí (de 1875 a 1879) animou "O Mosquito", o "Psit!!!" e "O Besouro", tendo tido tanto impacto que, numa obra recente, intitulada "Caricaturistas Brasileiros", Pedro Corrêa do Lago lhe dedica diversas páginas, enfatizando o seu papel...
"O António Maria",
nas suas duas séries (1879-1885 e 1891-1898), abarcando quinze anos de
actividade jornalística, constitui a sua publicação de referência. Ainda
fruto do seu intenso labor, "Pontos nos ii" são editados entre 1885-1891 e "A Paródia", o seu último jornal, surge em 1900.
A seu lado, nos periódicos, estiveram Guilherme de Azevedo, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, João Chagas, Marcelino Mesquita
e muitos outros, com contributos de acentuada qualidade literária. Daí
que estas publicações constituam um espaço harmonioso em que o material
textual e o material icónico se cruzam de uma forma polifónica.
Vivendo numa época caracterizada pela crise económica e política,
Raphael enquanto homem de imprensa soube manter uma indiscutível
independência face aos poderes instituídos, nunca calando a voz,
pautando-se sempre pela isenção de pensamento e praticando o livre
exercício de opinião. Esta atitude granjeou um apoio público tal que,
não obstante as tentativas, a censura nunca logrou silenciá-lo. E, todas
as quintas-feiras, dia habitual da saída do jornal, o leitor e
observador podia contar com os piparotes costumeiros, com uma crítica a
que se juntava o divertimento. Mas como era natural, essa independência e
o enfrentar dos poderes instituídos originaram-lhe alguns problemas
como por exemplo o retirar do financiamento d'O António Maria como
represália pela crítica ao partido do seu financiador. Também no Brasil
arranjou problemas, onde chegou mesmo a receber um cheque em branco para
se calar com a história de um ministro conservador metido com
contrabandistas. Quando percebe que a sua vida começa a correr perigo,
volta a Portugal, não sem antes deixar uma mensagem:
".... não estamos filiados em nenhum partido; se o estivéssemos, não seríamos decerto conservadores nem liberais. A nossa bandeira é a VERDADE. Não recebemos inspirações de quem quer que seja e se alguém se serve do nosso nome para oferecer serviços, que só prestamos à nossa consciência e ao nosso dever, - esse alguém é um infame impostor que mente."
in O Besouro, 1878
O homem do teatro
Com 14 anos apenas, integrado num grupo de amadores, pisou como actor
o palco do teatro Garrett, inscrevendo-se depois na Escola de Arte
Dramática que, devido à pressão da parte do pai, acabou por abandonar.
Estes inícios - que revelaram que o talento de Raphael Bordallo-Pinheiro
não se direccionava propriamente para a carreira de actor - selaram,
porém, uma relação com a arte teatral que não mais abandonou.
Tendo esporadicamente desenhado figurinos e trabalhado em cenários, Raphael Bordallo-Pinheiro foi sobretudo um amante do teatro.
Era espectador habitual das peças levadas à cena na capital,
frequentava assiduamente os camarins dos artistas, participava nas
tertúlias constituídas por críticos, dramaturgos e actores. E
transpunha, semana a semana, o que via e sentia, graficamente, nos
jornais que dirigia. O material iconográfico legado por Raphael
Bordallo-Pinheiro adquire, neste contexto, uma importância extrema
porque permite perceber muito do que foi o teatro, em Portugal, nessas décadas.
Em centenas de caricaturas, Raphael Bordallo-Pinheiro faz aparecer o
espectáculo, do ponto de vista da produção: desenha cenários, revela
figurinos, exibe as personagens em acção, comenta prestações e critica
'gaffes'. A par disso, pelo seu lápis passam também as mais variadas reacções do público: as palmas aos sucessos, muitos deles obra de artistas estrangeiros, já que Lisboa
fazia parte do circuito internacional das companhias; as pateadas
estrondosas quando o público se sentia defraudado; os ecos dos
bastidores; as anedotas que circulavam; as bisbilhotices dos camarotes
enfim, todo um conjunto de aspectos que têm a ver com a recepção do
espectáculo e que ajudam a compreender o que era o teatro e qual o seu
papel na Lisboa oitocentista.
in Wikipédia
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