Estátua da Rainha D. Leonor em Beja, sua cidade natal
A
Infanta D. Leonor, chamada também
Dona Leonor de Portugal ou
D. Leonor de Lencastre, e mais recentemente, no estrangeiro, "Leonor de Viseu", do nome do título secundário de seu pai, o Infante
D. Fernando (
Beja,
2 de maio de
1458 -
Paço de Xabregas,
Lisboa,
17 de novembro de
1525), foi uma princesa portuguesa da
Casa de Avis, e
Rainha de
Portugal a partir de 1481, pelo casamento com o seu primo D.
João II de Portugal, o Príncipe Perfeito. Pela sua vida exemplar, pela prática constante da
misericórdia, e mais virtudes cristãs, alcançou de alguns historiadores o epíteto de
Princesa Perfeitíssima, inspirado no
cognome do El-Rei seu marido, a cuja altura sempre se soube manter para o juizo da história.
A rainha D. Leonor de Avis é também a terceira e última rainha consorte de Portugal nascida em Portugal, tendo a primeira sido
D. Leonor Teles e a segunda a sua tia, e sogra, D.
Isabel de Avis, mulher de D. Afonso V. Com o seu casamento acaba o
Século de Oiro Português, caracterizado por casamentos endogâmicos continuados entre os descendentes da
Ínclita Geração,
entre a prole de D. João I e da sua rainha D. Filipa de Lancastre. D.
Leonor foi sem dúvida uma das mais notáveis soberanas portuguesas de
todos os tempos, pela sua vida, importância, influência, obra, e legado
aos vindouros.
Foi também a primeira dos ocupantes do trono português com sangue
Bragança, pela sua avó materna, a
Infanta D. Isabel, filha do 1º duque de Bragança - logo se lhe seguindo o seu irmão
D. Manuel I, como primeiro rei reinante, e o seu sobrinho
D. Jaime, duque de Bragança, como primeiro Bragança herdeiro jurado do trono, na permanente relação entre a
Casa Real, de origem ilegítima, e o seu ramo Bragança, igualmente ilegítimo, sempre casando entre si.
Armas da Rainha D. Leonor de Avis, em casada
Biografia
As Pessoas Reais, em Portugal, não tiveram, usaram ou assinaram jamais qualquer sobrenome até ao século XIX.
No entanto, duas das netas da rainha D. Filipa de Lancastre parecem
ter usado algum tempo, ou sido conhecidas, por Lancastre, em homenagem a
essa sua avó ou bisavó: D. Filipa, filha do Infante Regente D. Pedro, e
D. Leonor.
Entre os seus irmãos o mais velho foi o Infante D. João, 3º duque de
Viseu e Beja, que morreu novo, solteiro, logo sucedido pelo infeliz
secundogénito,
D. Diogo, 4º duque de Viseu e Mestre da
Ordem de Cristo. Outra sua irmã, com apenas menos um ano de idade, foi a
Infanta D. Isabel, Duquesa de Bragança pelo seu casamento, e finalmente o
benjamim da família, onze anos mais novo do que a futura rainha, D.
Manuel.
Era ainda prima direita do Maximiliano I, filho de uma irmã de seu pai,
e de Isabel a Católica, rainha de Castela, filha de uma irmã de sua
mãe, entre outros.
D. Leonor foi destinada ao nascer ao
Príncipe Perfeito por vontade e promessa de seu tio
D. Afonso V, quando nasceu, ao seu único irmão e melhor amigo, pai da noiva, o
Infante D. Fernando.
Casou com o primo D. João quando apenas tinha 12 anos de idade, e o
noivo 15. Tendo crescido juntos e amigos, tiveram um casamento unido,
que nem, quando o rei teve de executar o irmão mais velho da rainha, o
seu primo e cunhado D. Diogo, duque de Viseu e Beja, e mandar julgar e
decapitar ao seu outro cunhado
Fernando II, Duque de Bragança, ambos por traição e conjura a favor dos primos dos Bragança, os
Reis Católicos, se viu afectado.
A Rainha e as Misericórdias
Em
22 de janeiro de
1470, casou-se com o rei
D. João II,
o qual era seu primo direito e segundo, pelo lado paterno, e o mesmo
pelo lado materno. De facto, tanto o rei como a rainha eram netos, cada
qual, de dois filhos diferentes de D. João I e de D. Filipa de
Lancastre. Após a morte do rei, em
1495, subiu seu irmão D. Manuel ao trono, e ao casar-se este, a rainha passou a ser conhecida como
Rainha Velha até à sua morte.
As rainhas de Portugal contaram, desde muito cedo, com o rendimento
de bens senhoriais e patrimoniais da Coroa, independentes, destinados à
sua sustentação e dignidade. Esta seu património era chamado
Casa das Rainhas. D. Leonor, além das vilas anteriores mencionadas nas rainhas que a precederam, foi dotada pelo rei com as cidades de
Silves e
Faro, e as terras de
Aldeia Galega e
Aldeia Gavinha. Na Casa das Rainhas, que manteve em viúva, mesmo depois de D. Manuel casar, estava também incluida a cidade das
Caldas, que ela própria fundara.
Dona Leonor reinou no apogeu da fortuna da expansão portuguesa, quando
Lisboa
se transformara na capital europeia do comércio de riquezas exóticas: e
foi por isso mesmo no seu tempo a mais rica princesa da Europa,
conforme demonstra uma obra recente a respeito da administração da sua
grande casa.
Essa grande fortuna, que cresceu exponencialmente com a chegada à
Índia e com o comércio ultramarino, visto seu pai ter sido filho
adoptivo e herdeiro universal do Infante D. Henrique, o Navegador, e das
grandes mercês que recebeu dos reis seu marido e seu irmão, empregou-a
depois de viúva na prática da caridade constante, da devoção verdadeira,
no patrocínio de obras religiosas, e sobretudo na assistência social
aos pobres: assim, encorajou, fomentou e financiou o projecto de Frei
Miguel Contreiras de estabelecimento de
Misericórdias
gerida por irmandades em todo o Reino, notável iniciativa precursora em
toda a Europa. A rede de Misericórdias portuguesa chegou até aos nossos
dias, sempre activa no papel social e caritativo a que a rainha a
destinou.
Rainha Velha - obra e legados
A Rainha D. Leonor, em viúva, manteve grande destaque na corte lusitana, sendo regente do
Reino mais do que uma vez. Desprezando a vida mundana, retirou-se para viver no seu
Paço de Xabregas, junto com a imensa casa dos seus servidores e criados. Apesar de se situar relativamente perto do
Terreiro do Paço,
a residência independente em Xabregas permitia-lhe uma vida mais serena
e propícia à devoção e austeridade religiosas que se determinou a
seguir, ao tomar o hábito laico de viúva.
Apoiou D. Manuel na fundação do
Hospital de Todos os Santos, no
Rossio de
Lisboa, o melhor hospital da Europa no seu tempo; e esteve ainda na origem da fundação do hospital termal das
Caldas da Rainha, cuja construção e funcionamento custeou, e que dela tira o seu nome. Ainda hoje as
Caldas da Rainha
mantêm como armas as da rainha D. Leonor, ladeado à esquerda pelo seu
próprio emblema (o camaroeiro) e, à direita, pelo emblema de D. João II
(o pelicano). Ao manter estas armas, a cidade tornou-se uma das poucas
povoações portuguesas a manter um brasão anterior à normalização
republicana da heráldica municipal, levada a cabo no princípio do século
XX.
Brasão das Caldas da Rainha, cidade fundada pela Princesa Perfeitíssima, baseado nas armas da soberana
O mais belo e notável dos monumentos, ou edifícios que a rainha ordenou fossem construídos, e onde repousa, o
convento da Madre de Deus, em estilo gótico
manuelino, abriga hoje o
Museu Nacional do Azulejo, constituindo um dos mais ricos patrimónios culturais portugueses. Nele mandou ser sepultada. Foi mandado construir em
1509, e desde então ficou sempre integrado na
Casa das Rainhas.
Foi ocupado por clarissas, Franciscanas Descalças da primeira regra de
Santa Clara, à qual a própria rainha, enquanto viúva, fez voto, e quis
obedecer.
O majestoso
Convento da Madre de Deus
foi sujeito a magníficas intervenções arquitectónicas e a luxuosa
decoração ao longo dos séculos, tendo possuído um excepcional património
em ourivesaria e obras de arte. Do tempo da sua fundação restam
sobretudo no interior o piso térreo, notável pelo seu Claustrim, e a
chamada Capela de D. Leonor. E, sobrevivente ao
terremoto de 1755, no exterior existe ainda a fachada, ornamentada com belos portais e janelas em puro
estilo manuelino, que dantes davam directamente para as areias da praia de
Xabregas, sobre o
Tejo.
Sucessão no Trono
A Rainha teve apenas dois filhos: um morto à nascença, e o outro o Príncipe,
D. Afonso, o herdeiro do trono morto precocemente num infeliz e inesperado acidente de cavalo no
Vale de Santarém em
1491, pouco depois de casado com a princesa
D. Isabel de Aragão, herdeira dos
Reis Católicos nos seus tronos de Aragão, Castela, Nápoles e Sicília.
Tendo o rei chamado para a corte este seu filho, pediu a D. Leonor
lhe servisse de mãe, o que a rainha aceitou, vivendo o Senhor D. Jorge
junto do
Infante D. Manuel e do
Príncipe D. Afonso
seu meio-irmão até à sua morte. Depois desta data, no entanto, D.
Leonor distancia-se do enteado, custando-lhe vê-lo vivo e o seu único
filho já desaparecido, tanto mais que descobre que o rei seu marido
determinara agora torná-lo sucessor na coroa, apesar de o direito
constitucional português não o autorizar a isso, pois jamais a escolha
da sucessão coube ao soberano em Portugal.
No entanto, e com essa finalidade, D. João tentou uma acção
diplomática junto da Santa Sé, querendo obter o seu reconhecimento pelo
papa como filho legítimo capaz de suceder na coroa - no que foi
contrariado pela Rainha, que defendeu os direitos sucessórios de seu
irmão D. Manuel - o varão legítimo mais próximo do rei, que subiria ao
trono em
1495 após a sua morte, como
D. Manuel, O Venturoso.
Ao subir ao trono o seu irmão mais novo, ainda solteiro, a rainha
tornou-se automaticamente herdeira do trono. E se este tivesse falecido
por essa altura, teria passado de rainha consorte a rainha reinante.
Porém, viúva, e já sem idade para vir a ter sucessão própria, além de
consagrada às boas obras, não quis nunca ser jurada Princesa Herdeira,
pelo que o Rei se determinou a mandar voltar do exílio em Castela sua
outra irmã, a
Infanta e Duquesa de Bragança, D. Isabel,
que ali se acolhera viúva com os filhos desde a sentença que lhe
condenara o marido, fazendo por acordo de família jurar como sucessor e
herdeiro a
D. Jaime, filho desta, até lhe nascer sucessão do seu futuro casamento.
Morte
A Rainha D. Leonor faleceu no seu
Paço de Xabregas, nos arredores de Lisboa, junto ao convento do mesmo nome.
Ali mesmo, em
Xabregas, quis ficar sepultada, no seu magnífico
Convento da Madre de Deus,
em campa rasa de fria e nua pedra, num lugar de passagem, para que
todos a pisassem: gesto de grande humildade que comove, e quis deixar
aos vindouros que por ali viessem a passar como sinal da pequenez das
coisas do mundo diante da eternidade.