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domingo, janeiro 05, 2014

Há novos dados sobre a evolução e aparecimento das angiospérmicas

Genoma de árvore transporta-nos até às primeiras plantas com flor
Nicolau Ferreira - 03.01.2014

Flor feminina da Amborella
Amborella em fruto
Flor masculina da Amborella


Estudado o genoma de planta que só vive na Nova Caledónia. É a única de uma linhagem que surgiu no início da evolução das plantas com flor.

As angiospérmicas, as plantas com flor, uma presença constante quando se olha para um jardim, prado ou floresta, são a última grande invenção da natureza na evolução das plantas. Charles Darwin, um dos pais do evolucionismo, chamou “um mistério abominável” ao aparecimento e rápida disseminação deste grupo de plantas que hoje reúne 350.000 espécies e é um pouco mais recente do que os dinossauros. Esse mistério foi agora parcialmente desvendado.
Um projecto internacional sequenciou o genoma da Amborella trichopoda, uma pequena árvore, com dois a três metros de altura, que apenas existe na ilha principal da Nova Caledónia, a Grande Terra, e é a única espécie descendente de uma linhagem muito antiga das plantas com flor. Há cerca de 200 milhões de anos deu-se um fenómeno de duplicação de genoma numa planta superior, que foi depois essencial para o aparecimento das plantas com flor. Esse fenómeno foi comprovado pela análise do genoma da Amborella trichopoda, onde a duplicação ainda é visível no seu genoma, conclui um dos três artigos publicados na revista Science, que trazem os resultados deste projecto internacional.

Existem apenas 18 populações da Amborella trichopoda, todas nas regiões montanhosas da maior ilha da Nova Caledónia, um arquipélago francês que fica na região mais a sul da Melanésia, no oceano Pacífico e a leste da Austrália. Pensa-se que o antepassado desta planta se tenha separado do restante ramo das plantas com flor há 160 milhões de anos. As características genéticas que partilha com o resto das angiospérmicas surgiram numa altura inicial da evolução das plantas com flor.

“Da mesma forma que o genoma do ornitorrinco – um sobrevivente de uma linhagem antiga [de mamíferos] – pode ajudar no estudo da evolução dos mamíferos, o genoma sequenciado da Amborella pode ajudar a descobrir a evolução de todas as flores”, explica Victor Albert, da Universidade de Búfalo, estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, que pertence ao grupo que estudou a citogenética desta planta, um dos sete grupos do Projecto do Genoma da Amborella.

O fóssil mais velho de uma planta com flor encontrado tem entre 135 e 130 milhões de anos, mas pensa-se que as angiospérmicas tenham aparecido há mais de 160 milhões de anos. Nessa altura, a Terra estava no final do Jurássico, o período do meio da era dos dinossauros, onde as florestas de coníferas (o pinheiro faz parte deste grupo de plantas) eram dominantes. Mas no final Cretácico, o último período onde os dinossauros caminharam na Terra, as plantas com flores já eram dominantes.

Depois dos fetos com o seu sistema vascular e folhas, depois das gimnospérmicas com os seus estróbilos, como as pinhas, e sementes, como os pinhões, a Terra foi dominada por plantas que mostram o seu sistema reprodutor nas belas flores, que envelhecem e caem para dar lugar a frutos, muitas vezes vistosos, que envolvem as sementes. Hoje, a alimentação do homem seria completamente diferente se este ramo da evolução não existisse, já que as espécies agrícolas e hortícolas são, na grande generalidade, angiospérmicas.

A duplicação do genoma

O resto da história dos mais de 160 milhões de anos das plantas com flor está carregado de duplicações de genoma. Mas a Amborella trichopoda, como é uma linhagem separada e muito antiga, não apresenta esses fenómenos. Por isso, os cientistas observaram no seu genoma uma outra duplicação, que já se pensava existir, e que aconteceu antes do aparecimento das plantas com flor, há cerca de 200 milhões de anos.

“A duplicação do genoma pode, por isso, oferecer uma explicação sobre o ‘abominável mistério’ de Darwin – a proliferação aparentemente abrupta de novas espécies de plantas com flor nos registos fósseis durante o período Cretácico”, explica por sua vez Claude dePamphilis, da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

Através do genoma desta planta, estima-se que o antepassado de todas as plantas com flor tivesse ao todo 14.000 genes que codificam para proteínas. Destes, 1179 genes eram novos e surgiram graças à duplicação genómica. Alguns destes genes são importantes para a floração, para a produção de madeira e para a resposta ao stress, como a predação feita pelos herbívoros. Muitos outros genes já existiam, mas ganharam novas funções nestas plantas. “Como único membro existente de uma linhagem antiga, a Amborella é uma janela única para os primeiros fenómenos da evolução das angiospérmicas”, lê-se na conclusão do artigo.



sexta-feira, novembro 21, 2008

Notícia no Público sobre mamutes

Cientistas reconstituem genoma do mamute

19.11.2008 - 18h58 Ana Gerschenfeld


Os mamutes-lanudos (Mammuthus primigenius) gostavam imenso do frio. Não admira portanto que alguns deles, quando morreram, tenham ficado presos e muito bem conservados no solo gelado da Sibéria. Mesmo o pêlo que os cobria sobreviveu até aos dias de hoje, durante milhares de anos, no permafrost. E foi graças a isso que Webb Miller e Stephan Schuster, da Universidade Estadual da Pensilvânia, conseguiram agora reconstituir a gigantesca molécula de ADN contida no núcleo das células de mamute – e começar a desvendar os segredos mais íntimos da evolução e da biologia destes mamíferos pré-históricos. É o primeiro genoma de um animal de uma espécie extinta.

Estes investigadores já tinham sequenciado o ADN das mitocôndrias de mamute, as “baterias” das células vivas. Mas enquanto o ADN mitocondrial é uma sequência molecular com apenas 13 milhões de “letras” (ou moléculas de base A, T, G, C), o ADN do núcleo celular, onde se encontra a esmagadora maioria dos genes (que no mamute são cerca de 20 mil) corresponde a uma sequência de ADN com uns quatro mil milhões de letras! Até há pouco, a mera dimensão do objecto impossibilitava a sua leitura.

Só que os avanços das técnicas de sequenciação têm sido espectaculares, tornando-as mais potentes, praticáveis, rápidas e baratas. Ao ponto que já permitiram sequenciar genomas humanos como os do Nobel James Watson. E, de facto, o assalto agora feito ao núcleo das células de mamute revelou-se um sucesso. Por enquanto, o resultado ainda é um rascunho, onde subsistem erros de leitura e faltam bocados (os cientistas estimam estar na posse de uns 80 por cento do genoma), mas isso não impede que a Nature faça na sua edição de hoje as honras ao acontecimento, publicando os novos resultados e mais dois artigos sobre o tema.

Bola de pêlo pré-histórica

Foi há cerca de 1,6 milhões de anos que apareceram os mamutes. Viveram em África, na Europa, na Ásia e na América do Norte, até se mudarem mais para norte, à procura de regiões mais frias, e desaparecerem há dez mil anos. Schuster e os seus colegas utilizaram como material de base, para extrair o ADN, o pêlo de uma múmia de mamute com 20 mil anos e de outra com 60 mil, ambas da Sibéria. O ADN capilar apresenta duas vantagens em relação ao ADN dos ossos, que é o habitualmente disponível nos restos fósseis: resiste melhor às intempéries, “porque o invólucro do pêlo o protege como uma embalagem de plástico biológico”, explica um comunicado da universidade; e resiste melhor à contaminação pelo ADN de bactérias ou fungos, algo que pode fazer com que o ADN sequenciado nem sempre pertença ao animal e torna ainda mais árdua a autenticação dos genes.

Para ter uma base de comparação que lhes permitisse colocar o carimbo “mamute”, os cientistas recorreram a um ADN de referência: o rascunho já disponível do genoma do elefante africano, um dos parentes próximos – e vivos – do extinto mamute. Mas, mesmo assim, a origem de alguns dos fragmentos é incerta. A sua autenticidade está dependente da sequenciação definitiva do genoma do elefante, a ser concluída por cientistas do MIT e de Harvard. “Só quando estiver completo é que vamos poder fazer uma avaliação final quanto à quantidade de genoma de mamute que conseguimos sequenciar”, diz Miller no comunicado.

Entretanto, os cientistas já conseguiram obter algumas pistas acerca da história deste antigo elefante e dos seus parentes actuais. “Os nossos dados sugerem que divergiram há cerca de seis milhões de anos”, salienta Miller. Também concluem que os mamutes deram origem a dois grupos há dois milhões de anos, que formaram duas sub-populações na Sibéria e que apenas uma delas sobreviveu até há dez mil anos (a outra ter-se-á extinto há 45 mil). E mostram ainda que, entre os mamutes e os elefantes modernos, as diferenças genéticas são mais pequenas do que se pensava. “Ao contrário dos humanos e dos chimpanzés, que se separaram mais ou menos na mesma altura e que rapidamente deram origem a espécies diferentes – diz Schuster –, os mamutes e os elefantes evoluíram de forma mais gradual.”

Ressuscitar o mamute?

A diversidade genética entre mamutes também era bastante baixa – a tal ponto que os animais poderão ter sido excepcionalmente susceptíveis às doenças e às mudanças climáticas – e aos homens, que os caçavam. Mas doenças e clima, por si só, permitiriam explicar o fim da subpopulação que se extinguiu há 45 mil anos, uma vez que o homem nunca chegou a cruzar-se com ela e a exterminá-la (na altura não habitava a Sibéria), como poderá ter acontecido com a subpopulação que sobreviveu mais tempo. Uma parte do debate em torno da responsabilidade humana no fim do mamute poderá portanto estar resolvida. Os cientistas esperam também descobrir no antigo genoma as características genéticas capazes de dar conta da excepcional resistência dos mamutes ao frio extremo. “Esta é realmente a primeira vez que somos capazes de estudar um animal extinto com o mesmo nível de pormenor com que estudamos os animais do nosso tempo”, diz Schuster.

Uma coisa é certa: o trabalho agora publicado mostra que é mesmo possível sequenciar o ADN de espécies extintas. A próxima etapa nesta saga será a da sequenciação da totalidade do genoma do homem de Neandertal, extinto há uns 30 mil anos, que Svante Pääbo, do Instituto Max-Planck de Antropologia Evolutiva em Leipzig, na Alemanha, espera completar num futuro não muito longínquo (em Agosto, a equipa de Pääbo publicou a sequência do ADN mitocondrial daquele homem primitivo). Aí saber-se-á, finalmente, o que nos separa e nos aproxima desse homem pré-histórico.

Claro que a pergunta mais empolgante que surge em muitas cabeças é a seguinte: agora que temos o ADN podemos trazer os mamutes de volta? Seria quase como tornar realidade o parque jurássico de Michael Crichton. Nenhum dos especialistas interrogados por Henry Nicholls, num divertido artigo também publicado na Nature, recusa a ideia de que um dia seja possível ressuscitar o velho elefante lanudo.

Mas fazer um mamute a partir do seu ADN é muito difícil. “Para pôr carne nos ossos do rascunho de genoma”, escreve Nicholls, “seria preciso dominar, no mínimo, as seguintes etapas: definir quais vão ser os genes da nossa criatura, sintetizar os cromossomas a partir dessas sequências, colocá-los dentro de um invólucro nuclear adequado; transferir esse núcleo para um ovócito compatível [os de elefante, a escolha mais natural, são extremamente escassos]; e transferir o embrião resultante para um útero que o leve até ao termo”. Um caminho pejado de obstáculos que parecem intransponíveis. Sem esquecer que, no fim, vai ser preciso criar vários indivíduos para poderem reproduzir-se, introduzir neles alguma variação genética para não gerar apenas clones – e que, para mais, esses animais não serão mamutes totalmente autênticos, mas antes híbridos de mamute e elefante (no melhor dos casos). Outro problema, talvez tão delicado como todos os anteriores: introduzir os mamutes num habitat adequado sem gerar o caos ecológico.

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