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terça-feira, maio 07, 2024

A geóloga Drª Ana Neiva nasceu há 83 anos...



A nossa mestra, a geóloga professora catedrática jubilada da Universidade de Coimbra, Professora Doutora Ana Margarida Ribeiro Neiva, fazia hoje 83 anos. Embora já não estando entre nós, os seus ex-alunos geopedrados recordam com saudade a docente que tantas aulas lhes deu na Universidade...

segunda-feira, maio 06, 2024

João de Lemos nasceu há 205 anos...

  
João de Lemos Seixas Castelo Branco, (Peso da Régua, 6 de maio de 1819 - Maiorca, Figueira da Foz, 16 de janeiro de 1890), foi um jornalista, poeta e dramaturgo português.

O «trovador» João de Lemos, como era conhecido desde o tempo de Coimbra, onde se formou em direito, pela publicação do jornal poético O Trovador, interessantíssimo repositório das produções poéticas dum grupo de moços estudantes. Além dele, alma e diretor dessa publicação, faziam parte do Trovador Luís da Costa Pereira, António Xavier Rodrigues Cordeiro, Luís Augusto Palmeirim, José Freire de Serpa, Augusto Lima e Couto Monteiro.

Ultra romântico e estrénuo miguelista, adepto furibundo do ancien-regime e da Monarquia absoluta que sempre ansiou, com todo o ardor que ressuscitasse, nasceu muito prosaicamente no Peso da Régua, em 1819, às vésperas, portanto, da Revolução de 1820. Mas toda a sua vida dedicou-a ele ao seu ideal político, tendo usufruído de grande prestígio dentro da corte dos talassas da época.

Colaborou em diversas outras publicações periódicas, de que são exemplo o jornal humorístico A Comédia Portuguesa começado a publicar em 1888, a Revista Universal Lisbonense (1841-1859) e a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil (1859-1865).

 

in Wikipédia

 

A lua de Londres

É noite. O astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu,
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor,
Não traz cortejo de estrelas,
Não fala de amor às belas,
Não fala aos homens de amor.

Meiga Lua! Os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias de além do mar?
Foi na terra tua amada,
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores,
Pátria do meu coração!

Oh! que foi!... Deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noite de Primavera
Se escutasse o rouxinol.

Tu vens, ó Lua, tu deixas
Talvez há pouco o país
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz;
Amaste do ar a doçura,
Do azul e formosura,
Das águas o suspirar.
Como hás-de agora entre gelos
Dardejar teus raios belos,
Fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima,
Do Mondego os salgueirais;
Quem andou por Tejo acima,
Por cima dos seus cristais;
Quem foi ao meu pátrio Douro
Sobre fina areia de ouro
Raios de prata esparzir
Não pode amar outra terra
Nem sob o céu de Inglaterra
Doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa
Tens aqui; mas Deus igual
Não quis dar-lhe essa lindeza
Do teu e meu Portugal.
Aqui, a indústria e as artes;
Além, de todas as partes,
A natureza sem véu;
Aqui, ouro e pedrarias,
Ruas mil, mil arcarias;
Além... a terra e o céu!

Vastas serras de tijolo,
Estátuas, praças sem fim
Retalham, cobrem o solo,
Mas não me encantam a mim.
Na minha pátria, uma aldeia,
Por noites de lua cheia,
É tão bela e tão feliz!...
Amo as casinhas da serra
Co'a Lua da minha terra,
Nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade,
Padecemos igual dor;
Temos a mesma saudade,
Sentimos o mesmo amor.
Em Portugal, o teu rosto
De riso e luz é composto;
Aqui, triste e sem clarão.
Eu, lá, sinto-me contente;
Aqui, lembrança pungente
Faz-me negro o coração.

Eia, pois, ó astro amigo,
Voltemos aos puros céus.
Leva-me, ó Lua, contigo,
Preso num raio dos teus.
Voltemos ambos, voltemos,
Que nem eu nem tu podemos
Aqui ser quais Deus nos fez,
Terás brilho, eu terei vida,
Eu já livre e tu despida
Das nuvens do céu inglês.

  
  
João de Lemos

sexta-feira, maio 03, 2024

A Professora Doutora Ana Neiva morreu há cinco anos...


 

Ana Margarida Ribeiro Neiva

Desempenhou os seguintes cargos:

na Universidade de Coimbra – naturalista, 1964-1971 e técnico investigador, 1972 do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico; prof. auxiliar, 1972-1975 e 1976-1977; prof. associada, 1983-1985 e prof. catedrática definitiva desde 1985 da Faculdade de Ciências e Tecnologia; b) na Universidade de Brasília, Brasil – prof. adjunto, 1975-1976; c) na Universidade do Porto – prof. auxiliar, 1977-1979, prof. associada, 1979-1983.
Trabalhou no Depart. of Mineralogy and Petrology, Univ. Cambridge, U.K., 1966-1971, onde se doutorou, e posteriormente alguns meses em 1976, 1980 e 1981; b) no dept. of Geology, Univ. Manchester, U.K., alguns meses de 1971, 1972, 1974, 1979, 1982, 1984, 1988, 1992, 1994, 1996 e 1997 para obtenção de dados analíticos por fluorescência de raios-X e microsonda; c) no Dept. of Earth Sciences, Univ. Leeds, U.K., em setembro e outubro de 1988 para datar rochas e minerais por Rb-Sr; d) no Nuclear Reactor Centre, Imperial College, Ascot, U.K., algun meses de 1988, 1993 e 1994 para determinar terras raras de rochas graníticas; e) no Instituto Geológico e Mineiro, Porto, desde 1977.
Foi membro do International Working Group of IGCP project “Mineralization associated with acid magmatism” até 1980. É membro do Mica Subcommittee of the International Mineralogical Association.
Tem colaboração em trabalhos científicos com: Johns Hopkins Univ. (U.S.A.), Geological Survey of Malaysia, CNRS (França), Univ. London (U.K.), Thessaloniki Univ. (Grécia), Yamagate Univ. (Japão), Univ. of Science and Technology of China, Hefei, Univ. Manchester (U.K.) e Instituto de Geociências da UFRGS (Brasil) e Departamento de Geologia da UFRGN (Brasil).
Tem sido “referee” de trabalhos submetidos às publicações: Mineralogical magazine, Bulletin de Minéralogie, Geochemical Exploration, European Journal of Mineralogy, Lithos, Canadian Mineralogist e Applied geochemistry Journal of South America Earth Science.
Proferiu conferências nas Universidades de: a) Faculdade de Engenharia, Porto (1986); b) LNETI, Lisboa (1986); c) Reading, U.K. (1987); d) Thessaloniki, Grécia (1987); e) Nuclear reactor, Ascot, U.K. (1988); f) Science and Technology of China, Hefei (1991); g) Seoul National Univ., Seoul, Coréia do Sul (1992); h) Aveiro (1994); i)Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997); j) Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1997); k)Academia de Ciências de Lisboa (1997 e 1998).
Apresentou comunicações em 41 congressos internacionais e em 16 congressos portugueses.
Publicou um total de 66 trabalhos, sendo 36 em revistas internacionais, 4 em livros internacionais e 26 em revistas portuguesas.

 

in DCT

segunda-feira, abril 29, 2024

Bernardino Machado morreu há oitenta anos...


Bernardino Luís Machado Guimarães (Rio de Janeiro, 28 de março de 1851Santo Ildefonso, Porto, 29 de abril de 1944) foi o terceiro e o oitavo presidente eleito da República Portuguesa. Foi presidente da República Portuguesa por duas vezes: primeiro, de 6 de agosto de 1915 até 5 de dezembro de 1917, quando Sidónio Pais, à frente de uma junta militar, dissolve o Congresso e o destitui, obrigando-o a abandonar o país; mais tarde, em 1925, volta à presidência da República para, um ano depois, voltar a ser destituído pela revolução militar de 28 de maio de 1926, que instituirá a Ditadura Militar e abrirá caminho à instauração do Estado Novo

 

Bernardino Machado, aquando do seu doutoramento

 

Bernardino Luís Machado Guimarães nasceu no Rio de Janeiro, no Império do Brasil, no dia 28 de Março de 1851, tratando-se do único Presidente da República Portuguesa que nasceu fora do território nacional. Filho de pai português, António Luís Machado Guimarães (a quem viria a ser concedido, por decreto régio, o título de 1.º Barão de Joane em 1870), e de mãe brasileira, Praxedes de Sousa Ribeiro Guimarães (falecida em Vila do Conde, Vila do Conde, em 1901), segunda mulher de seu pai. Tinha ainda um irmão que originou o nome de um de seus filhos, Narciso Luís Machado, que veio a viver sua vida no Rio e se tornou comendador no Brasil (se casando com a irmã de sua esposa) e um meio-irmão, António Machado Guimarães, nascido do primeiro matrimónio de seu pai com Joana Teresa Guimarães.

Recebeu no baptismo o nome próprio do avô materno, Bernardino de Sousa Guimarães, capitalista estabelecido em terras brasileiras.

Vive os seus primeiros anos no Brasil, iniciando os estudos no Liceu de Laranjeiras em 1859. Em 1860, ainda Bernardino Machado não tinha completado 9 anos, a família regressa a Portugal, fixando-se primeiro em Joane e depois em Vila Nova de Famalicão. Os seus estudos passam então pelo Colégio Podestá, concluindo a instrução primária no Liceu Nacional do Porto em 1862. Ao atingir a maioridade, em 1872, Bernardino Machado opta pela nacionalidade portuguesa.

Com apenas 15 anos, em 1866, ingressa na Universidade de Coimbra, onde viria a concluir em 1873 o bacharelato em Matemática e em Filosofia (que iniciara, entretanto, em 1867). Em 1875 licencia-se em Filosofia com a tese "Theoria Mechanica da Reflexão e da Refracção da Luz: segundo Fresnel", e no ano seguinte termina o doutoramento na mesma área de estudo, defendendo a tese "Deducção das Leis dos Pequenos Movimentos Periodicos Proprios da Força Elastica".

Casou-se no Porto, Cedofeita, a 19 de janeiro de 1882 com Elzira Dantas Gonçalves Pereira (Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 1865 – 21 de abril de 1942), também nascida no Brasil, fundadora da Cruzada das Mulheres Portuguesas e Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo a 12 de junho de 1919, filha do conselheiro Miguel Dantas Gonçalves Pereira e de sua mulher Bernardina Maria da Silva, de quem teve 19 filhos e filhas. Dentre os seus descendentes, viriam a destacar-se o escritor e autarca Aquilino Ribeiro Machado (1930-2012), primeiro presidente da Câmara Municipal de Lisboa democraticamente eleito após o 25 de abril; o investigador, professor e médico Júlio Machado Vaz (1949-presente).

Em virtude da sua notável progressão académica, e após apresentar a dissertação intitulada "Theoria Mathematica das Interferencias", Bernardino Machado é, em Fevereiro de 1877, nomeado lente substituto da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, encarregado da cadeira de Agricultura. Dois anos depois é nomeado professor catedrático. Em 1880, leciona Geologia; em 1881 fica encarregue da cadeira de Agricultura, passando em 1883 a reger a 1.ª e a 2.ª cadeira de Física. Em 1886, fica responsável pela cadeira de Antropologia - cadeira criada por sua iniciativa no ano anterior, marcando um dos pontos altos da sua atividade docente.

No final do século tem uma intensa atividade enquanto pedagogo. Em 1890, preside à Academia de Estudos Livres; em 1892 e 1897 preside aos congressos do Magistério Primário (organizado pelo professorado primário e realizado em Lisboa), e representa igualmente Portugal nas comemorações do tricentenário de Cristóvão Colombo e nas Jornadas do Congresso Pedagógico Hispano-Luso-Americano, ambos realizados na cidade de Madrid. No ano letivo 1891-1892 dirige o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa; em 1892, é nomeado vogal do Conselho Superior de Instrução Pública. Em 1894, tornou-se presidente do Instituto de Coimbra, ao qual tinha sido admitido como sócio em 1873.

Publica ainda por esta altura uma larga bibliografia versando a pedagogia, como "A Introdução à Pedagogia" (1892), "O Ensino" (1898), "O Ensino Primário e Secundário" (1899) e "O Ensino Profissional" (1899).

Bernardino Machado é iniciado na política bastante novo, pela mão do líder do Partido Regenerador, Fontes Pereira de Melo. É pelos regeneradores que é pela primeira vez eleito deputado, pelo círculo eleitoral de Lamego, nas eleições suplementares de 1882. Na legislatura seguinte (1884-1887) é reeleito, desta vez pelo círculo de Coimbra.

Em 1890 é eleito Par do Reino pelos estabelecimentos científicos, lugar que ocupa até 1893. Em abril de 1894 é reeleito Par do Reino, cargo que ocupa até à abolição dos pares eletivos, em setembro do ano seguinte. Como parlamentar, dedica uma especial atenção ao ensino.

Em fevereiro de 1893 integra o primeiro ministério de Hintze Ribeiro, como ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria, apresentando a sua demissão em Dezembro desse mesmo ano.

Teve um importante percurso como dirigente da Maçonaria (na Loja Perseverança do Grande Oriente Lusitano, com o nome simbólico de "Littré"). De 1892 a 1895 foi o 7.º Presidente do Conselho da Ordem do Grande Oriente Lusitano, de 1895 a 1899 foi o 18.º Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho afecto ao Grande Oriente Lusitano e 7.º Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido e de 1929 até à sua morte em 1944 foi o 23.º Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho afecto ao Grande Oriente Lusitano.

Em 1903, cada vez mais descrente dos valores monárquicos, adere ao Partido Republicano Português. Em 31 de outubro de 1903 faz a sua profissão de fé republicana numa conferência proferida no Ateneu Comercial de Lisboa, marcando assim a sua adesão formal ao partido. A partir de então, muito contribui para a remodelação e organização do partido enquanto força política; toma parte nas vigorosas campanhas de propaganda dos ideais republicanos, intervindo ativamente em numerosos comícios. Em 1904, 1905 e 1906 é candidato a deputado nas listas republicanas, sempre pelo círculo eleitoral de Lisboa, todavia, não chega a ser eleito.

Em 1906 é eleito membro do Diretório do Partido e seu Presidente (cargo que ocupa até 1909).

Em 1907, rebenta a Greve Académica de 1907, num movimento generalizado de contestação à ditadura de João Franco. Bernardino Machado solidariza-se com os estudantes grevistas, acabando mesmo por pedir a sua exoneração do cargo de lente da Universidade, como forma de protesto contra os meios de repressão exercidos sobre os estudantes durante a greve académica.


Nas eleições legislativas de agosto de 1910, é um dos cinco deputados eleitos por Lisboa Oriental, juntamente com António José de Almeida, Afonso Costa, Alfredo de Magalhães, e Miguel Bombarda.

A 5 de outubro de 1910, tem conhecimento em Alenquer da Implantação da Republica, onde voltaria um ano depois para dar inicio à tradição do jantar do 5 de outubro em Alenquer. 

Com o advento da República, Bernardino Machado foi o escolhido para a pasta dos Negócios Estrangeiros no Governo Provisório da República Portuguesa, cargo que desempenhou até à tomada de posse do primeiro governo constitucional republicano em 1911. Assume ainda, interinamente, entre abril e junho de 1911, a pasta da Justiça, em virtude de doença de Afonso Costa, titular da pasta.

Em 28 de maio de 1911, foi eleito à Assembleia Nacional Constituinte, com vista à lavra da Constituição Política da República Portuguesa. Após os trabalhos da Constituição, torna-se um candidato à Presidência da República nas primeiras eleições presidenciais, apoiado por Afonso Costa e pela fação mais radical do Partido, na qual perde para o moderado Manuel de Arriaga.

A 20 de janeiro de 1912 é nomeado ministro de Portugal no Rio de Janeiro, tomando posse em Julho desse ano. A legação diplomática é promovida a embaixada em Novembro de 1913, sendo Bernardino Machado o primeiro embaixador português naquele país.

Quando regressa a Portugal, em fevereiro de 1914, vive-se no país uma crise ministerial com a demissão de Afonso Costa do cargo de chefe do governo. Bernardino Machado é chamado a constituir um ministério extrapartidário, por forma a apaziguar os exaltados ânimos políticos, prevendo no seu programa uma proposta de tréguas a monárquicos, sindicalistas e católicos, a quem prometia uma revisão da lei da separação. Em junho desse ano, Bernardino Machado pede a exoneração do executivo a que preside, mas é novamente chamado a formar governo: o 7.º governo republicano é novamente "extrapartidário", com todos os ministros, à exceção do presidente, independentes.

A Primeira Guerra Mundial rebenta em julho de 1914, encontrando Bernardino Machado na chefia do governo, em mãos com a difícil tarefa de definir a posição de Portugal no conflito. Em 23 de novembro de 1914, lê no Congresso a declaração do governo sobre a intervenção militar portuguesa na guerra: dar-se-á se e quando o Reino Unido necessitar.

Bernardino Machado não consegue gerar uma posição maioritária quanto ao assunto, que lhe merece severas críticas por parte dos diferentes quadrantes políticos. Se, por um lado, o Partido Republicano, a maçonaria e o rei exilado D. Manuel II são pró-Aliados, os católicos integralistas e os guerrilheiros de Paiva Couceiro são pró-germânicos, e os socialistas, anarquistas, e sindicalistas apoiam o campo pacifista. Há ainda muitos democráticos e evolucionistas, que entendem que Portugal deve forçar uma intervenção, mesmo sem o expresso pedido dos ingleses.

Uma questão menor, todavia, leva à exoneração do governo em 5 de dezembro, e Bernardino Machado regressa ao seu lugar no Senado. Em 1915, o general Pimenta de Castro forma um governo ditatorial apoiado por fações militares conservadoras. Bernardino Machado toma uma posição frontal contra o governo de Pimenta de Castro, participando no Parlamento do Tojal - quando os deputados e senadores foram impedidos de entrar no Palácio de São Bento pelas forças militares de Pimenta de Castro que cercavam o edifício, e reuniram no Palácio da Mitra, em Loures, para declarar a nulidade dos atos do Governo de Pimenta de Castro e do Presidente da República, Manuel de Arriaga, e apelar à desobediência.

A 14 de maio de 1915 dá-se uma revolta democrática que põe fim à ditadura de Pimenta de Castro. A vitória do Partido Democrático nas eleições legislativas que se seguiram, garante a Bernardino Machado a vitória nas eleições presidenciais que se deram na sequência da cessação do mandato de Teófilo Braga.

Bernardino Machado é eleito pelo Congresso da República a 6 de agosto de 1915. Todavia, a sua eleição não é pacífica, dividindo-se as preferências entre ele e o também democrático António Xavier Correia Barreto. Bernardino Machado é eleito à terceira volta, com os votos de 134 congressistas, contra 18 para Correia Barreto.

Bernardino Machado tomou posse a 5 de outubro de 1915, no 5.º aniversário da Implantação da República, numa sessão conjunta das duas câmaras do Congresso da República (Câmara dos Deputados e Câmara dos Senadores), presidida por Correia Barreto. O Presidente eleito leu e assinou a fórmula expressa na Constituição: "Afirmo solenemente, pela minha honra, manter e cumprir com lealdade e fidelidade a Constituição da República, observar as leis, promover o bem geral da Nação, sustentar e defender a integridade e a independência da Pátria Portuguesa", e, em seguida, discursou.

Menos de dois meses após tomar posse, Bernardino Machado chama Afonso Costa a constituir um governo inteiramente democrático.

No início de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido solicita a Portugal o apresamento dos navios mercantes alemães surtos em águas portuguesas. Perfeitamente ciente do risco que uma medida desse género acarretaria, o governo português procede à tomada das embarcações a 23 de Fevereiro: forças da Marinha Portuguesa entram nos navios alemães no porto de Lisboa, ocupam-nos, arreiam a bandeira alemã e hasteiam a bandeira de Portugal com honras militares.[8] A resposta vem como esperada: a 9 de Março, o embaixador alemão em Lisboa, Friedrich Rosen, entrega a declaração de guerra ao ministro dos Negócios Estrangeiros luso,[8] e, a breve trecho, a Áustria-Hungria corta relações diplomáticas com Portugal.[2]

Portugal entrava agora, formalmente, na Primeira Guerra Mundial. Por iniciativa do Presidente Bernardino Machado, e devido à nova conjuntura, é constituído um novo governo de unidade republicana que ficou conhecido como o "Ministério da União Sagrada", presidido pelo evolucionista António José de Almeida: embora apenas o Partido Democrático e o Partido Republicano Evolucionista estivessem representados no executivo, o Partido Unionista e o Partido Socialista concedem-lhe o seu apoio. Este ministério tem em mãos a difícil tarefa de organizar uma força expedicionária para combater não só na Frente Ocidental mas também nas frentes em Angola e Moçambique. Todavia, o exército português não está em condições de sofrer o confronto com os modernos exércitos europeus. Simultânea e internamente, católicos e monárquicos conspiram contra a República.

O reduzido espaço de manobra deixado pelos democráticos levam a que os evolucionistas abandonem o governo, sem que, no entanto, retirem o seu apoio parlamentar ao executivo. Caído o ministério, Bernardino Machado chama Afonso Costa a reassumir o poder num novo governo. Costa, todavia, perde o apoio de todos os sectores da vida nacional: do movimento operário e sindical, que é contra a política de guerra e não se conforma com as medidas repressivas exercidas pelo governo à chamada "Revolta da Batata", movimento reivindicativo sem precedentes contra a carestia de vida; do patronato, que cada vez mais receia as alterações da ordem pública que o governo não consegue suster completamente; da Igreja e dos católicos, que temem o bolchevismo e que encontram uma nova força com as aparições de Fátima entre maio e outubro desse ano.

Em Outubro, Bernardino Machado desloca-se à frente das operações militares portuguesas em França, tratando-se esta da primeira deslocação de um Presidente da República Portuguesa ao estrangeiro. O Presidente aproveita esta ocasião para se encontrar com líderes políticos estrangeiros: Afonso XIII de Espanha, o presidente francês Raymond Poincaré, Jorge V do Reino Unido, e Alberto I da Bélgica.

O crescente clima de agitação social precipitou uma insurreição militar em dezembro de 1917 protagonizada por Sidónio Pais, principal líder da contestação ao governo. Bernardino Machado tenta negociar com a Junta Revolucionária, aceitando a demissão do governo e procurando formar um executivo liderado por Brito Camacho, mas as tentativas são infrutíferas. A 9 de dezembro o Presidente Bernardino Machado é convidado a renunciar ao seu mandato, mas recusa. No dia seguinte é preso, e no dia que se seguiu, é destituído do cargo, por decreto da Junta Revolucionária, decretando a mesma que Bernardino Machado deverá seguir para o exílio até ao dia em que, caso não tivesse sido destituído, terminaria o seu mandato (5 de outubro de 1919).

Bernardino Machado parte para o exílio em França, via Madrid, no dia 15 de dezembro de 1917. Chega a Paris no mês que se segue, e fixa residência na capital francesa até abril de 1918, quando se muda para Hendaye, na Aquitânia. Em novembro de 1918 segue para Cambo-les-Bains, e em dezembro regressa novamente para Paris. Durante todo o exílio, Bernardino Machado escreve várias publicações e manifestos contra o consulado sidonista, concede entrevistas e profere conferências públicas, encontrando-se ainda com políticos e altas individualidades francesas e inglesas. Sofre um rude golpe quando, em maio de 1918, os governos francês e inglês reconhecem oficialmente o regime sidonista.

Contudo, a 14 de dezembro de 1918, Sidónio Pais é assassinado a tiro na Estação do Rossio, em Lisboa, por um militante republicano. Inicialmente, Bernardino Machado espera que o chamem de volta a Portugal para completar o que restava do seu mandato presidencial interrompido, mas torna-se aparente que poucos o querem de volta, tendo o Congresso eleito João do Canto e Castro dois dias depois do atentado. Em fevereiro de 1919, após declarar renunciar a quaisquer pretensões sobre o cargo de Presidente da República, é autorizado a regressar ao país.

Regressa do exílio em Agosto desse ano, e cedo volta à atividade política, sendo eleito para o Senado por Lisboa nas legislativas de outubro de 1919. Retoma ainda a atividade académica ao ser reintegrado como professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, mas é efémero o seu regresso, aposentando-se pouco depois.

A 25 de fevereiro de 1921, o Presidente da República António José de Almeida convida-o a formar governo, constituindo este um executivo composto por diferentes forças políticas que entra em funções a 2 de março. O governo não é, no entanto longevo: sob o pretexto de Machado ter preparado um golpe de Estado para depor António José de Almeida, a Guarda Nacional Republicana protagoniza movimentações que levam à queda do ministério menos de três meses depois de tomar posse. O Congresso é dissolvido e são marcadas novas eleições, para as quais Bernardino Machado decide não concorrer.

Candidata-se novamente, nas eleições de 1923, à Presidência da República. Todavia, as divergências políticas do tempo do golpe de Sidónio Pais e as decisões então tomadas por Bernardino Machado fazem com que o Partido Democrático não lhe dê o seu apoio, preferindo apoiar Manuel Teixeira Gomes. Bernardino Machado aceita então o apoio da direita republicana, o Partido Republicano Nacionalista, mas a sua candidatura é derrotada.

Em novembro de 1925, nas últimas eleições legislativas da Primeira República, é eleito Senador pela Conjunção Republicano-Socialista.

Num contexto de enorme perturbação política e social, em que é constantemente atacado pelos nacionalistas e profundamente desgostoso com o rumo da política, o Presidente Manuel Teixeira Gomes renuncia à Presidência República, alegando razões de saúde. Bernardino Machado candidata-se novamente à Presidência da República naquelas que viriam a ser as últimas eleições presidenciais da Primeira República

 

Retrato oficial do Presidente Bernardino Machado (1935), por Martinho da Fonseca. Museu da Presidência da República

 

Bernardino Machado, agora com 74 anos de idade, consegue ser eleito ao fim do segundo escrutínio pelo Congresso, onde o Partido Democrático tem maioria absoluta dos assentos, derrotando o candidato do Partido Liberal, Duarte Leite por uma larga margem. O Presidente eleito entrou em seguida na sala das sessões, "acompanhado do cerimonial do estilo", leu e assinou a fórmula constitucional do compromisso de honra, e proferiu um discurso aos congressistas reunidos.

Um dos primeiros atos de Bernardino Machado no seu segundo mandato, uma semana após tomar posse, foi indigitar o governo do democrático António Maria da Silva.

No entanto, o descontentamento económico, social e político face ao regime político instalara-se e generalizara-se na sociedade portuguesa. Esse sentimento era agudizado pelo reconhecimento que, um pouco por toda a Europa, as forças pró-ordem pública cresciam, exemplo forte o do êxito da ditadura de Miguel Primo de Rivera em Espanha. As oposições juntam-se e as tentativas de golpe militar sucedem-se: logo em fevereiro de 1926 há um golpe no quartel da Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas, agora encabeçada pelos antigos ministros Martins Júnior e Lacerda de Almeida com a ajuda de sargentos e civis. O clima era tal que os intelectuais da Seara Nova já alertavam para o perigo de vir a ser instaurado em Portugal um regime de tipo fascista.

Conforme vaticinado, inicia-se a 28 de maio de 1926 uma sublevação militar em Braga, liderada por Manuel Gomes da Costa, organizando-se uma coluna que marcha sobre Lisboa. Na capital, José Mendes Cabeçadas secunda-o de imediato.

O Presidente Bernardino Machado acha possível isolar a conspiração e responde com ações intimidatórias, mas as adesões de militares e civis dão-se um pouco por todo o país. Mendes Cabeçadas reclama junto de Bernardino Machado a demissão do Governo, e o Presidente vê-se obrigado a dar posse a um executivo presidido pelo oficial, que assume a gestão de todas as pastas ministeriais, a 30 de maio. Mendes Cabeçadas, através da secretaria do Ministério da Guerra, dá a ordem para se encerrar o Congresso da República. Cada vez mais isolado e sem meios de resistência, Bernardino Machado resigna no dia, entregando a chefia do Estado a Mendes Cabeçadas na esperança de manter o golpe dentro dos limites constitucionais.

Após o abandono do cargo de Presidente da República, Bernardino Machado continua a viver na sua casa na Cruz Quebrada. No entanto, após estreitar relações com os opositores que conspiravam contra o regime ditatorial instalado, logo é novamente expulso do território nacional, em fevereiro de 1927.

Após passar por Vigo, segue para França (em Julho, Cambo-les-Bains; em abril de 1928, para Paris; em abril de 1929, para Bayonne; em julho do mesmo ano para Ustaritz; em outubro novamente para Bayonne, e em janeiro de 1932 para Biarritz). Após a Proclamação da República em Espanha, fixa-se na localidade raiana de A Guarda, na Galiza, mas cedo a ditadura portuguesa faz pressão junto do governo de Lerroux para que os chefes oposicionistas exilados fiquem longe da fronteira: Bernardino Machado é então forçado a estabelecer residência provisória na Corunha, transferindo-se em novembro de 1935 para Madrid. O rebentar da Guerra Civil Espanhola obriga-o a sair de Madrid e, instado por familiares e amigos, fixa-se novamente em Paris, França.

Durante os seus anos no exílio, Bernardino Machado interessa-se ativamente pela situação política portuguesa, contactando com Afonso Costa e outros para realizar uma força de oposição. Recebe em sua casa várias reuniões com outros exilados políticos e, repetidamente, dirige-se aos chefes de Estado e à Sociedade das Nações para que não se veja oficialmente reconhecida o Estado Novo. Publica, ainda vários manifestos contra o regime, dentre os quais A Pastoral Financeira do Patriarca (1928), O Crime Financeiro da Ditadura (1929), O Estado Novo Ditatorial (1931), Os Perigos da Ditadura (1933), O Estado Novo e o Grande Empréstimo Externo (1935) e Os Perigos Coloniais (1935).

Bernardino Machado encontra-se ainda em Paris durante a Segunda Guerra Mundial, e só sai do país quando os exércitos alemães invadem a França. Convicto de que Portugal seria chamado a intervir no conflito europeu, Bernardino Machado regressa a Portugal a 28 de junho de 1940, acompanhado de um grupo de exilados políticos, sendo-lhe fixada residência pelo governo de Salazar a norte do rio Douro, longe da capital. Passa a viver no Palacete de Mantelães, em Paredes de Coura e, mais tarde, nos arredores do Porto.

Em 1942 enviúva de Elzira Dantas Machado, que morre no Hospital da Ordem Terceira de S. Francisco, no Porto. Em 1944, é internado na Casa de saúde Dr. Alberto Gonçalves, na freguesia de Santo Ildefonso, no Porto, com uma pneumonia aguda. Aí morre no dia 29 de Abril, aos 93 anos de idade. O seu funeral tem lugar em Vila Nova de Famalicão, com uma grande manifestação popular de sentimento, apesar da repressão policial que tentou minimizar o significado do acontecimento.
   

quarta-feira, abril 17, 2024

Há um novo mural em Coimbra a celebrar o 55º aniversário da crise académica de 1969...

A Crise Académica de 1969, que abalou o Estado Novo, em filme de tvAAC

Coimbra começou uma crise académica há 55 anos...

(imagem daqui)
 
A crise académica de 1969 começou quando não foi permitido aos estudantes o uso da palavra durante uma inauguração. À greve e à falta aos exames assumidos pelos estudantes respondeu o governo com a prisão e a mobilização para a guerra do ultramar.

A crise começou no dia 17 de abril de 1969. Os estudantes pretendiam intervir durante a inauguração do edifício das matemáticas e o presidente da Direção Geral da Associação Académica, Alberto Martins, pediu a palavra, mas foi impedido de o fazer.

Os estudantes, que já estavam em protesto exigindo a reintegração de professores e a democratização do ensino superior, tomaram conta da sala onde decorria a inauguração. A crise agudiza-se nas horas e dias seguintes com a prisão de vários dirigentes académicos e a ocupação de Coimbra por forças militares e policiais.

O Ministro da Educação e o Reitor acabariam por se demitir, mas vários estudantes da academia seriam forçados a integrar as forças armadas, seguindo para a guerra do ultramar.

 

NOTA: A sala onde a crise começou não é desconhecida para os Geopedrados - eu, por exemplo, fiz o meu último exame, como estudante da licenciatura em Geologia, no edifício das Matemáticas da FCTUC, numa sala chamada, naturalmente, de 17 de abril...

segunda-feira, abril 15, 2024

Fernando Namora nasceu há 105 anos

  
Fernando Namora (Condeixa-a-Nova, 15 de abril de 1919 - Lisboa, 31 de janeiro de 1989) de nome completo Fernando Gonçalves Namora, foi um médico e escritor português, autor de uma extensa obra, das mais divulgadas e traduzidas nos anos 70 e 80.
 
Licenciado em Medicina (1942) pela Universidade de Coimbra, pertenceu à geração de 40, grupo literário que reuniu personalidades marcantes como Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, Joaquim Namorado ou João José Cochofel, moldando-o, certamente, como homem, à semelhança do exercício da profissão médica, primeiro na sua terra natal depois nas regiões da Beira Baixa e Alentejo, em locais como Tinalhas, Monsanto e Pavia, até que, em 1951, acabaria por se instalar em Lisboa - onde, curiosamente, muito jovem estudara, no Liceu Camões - como médico assistente do Instituto Português de Oncologia.
O seu volume de estreia foi Relevos (1937), livro de poesia, porventura sob a influência de Afonso Duarte e do grupo da Presença. Mas já publicara em conjunto com Carlos de Oliveira e Artur Varela, um pequeno livro de contos Cabeças de Barro. Em (1938) surge o seu primeiro romance As Sete Partidas do Mundo que viria a ser galardoado com o Prémio Almeida Garrett no mesmo ano em que recebe o Prémio Mestre António Augusto Gonçalves, de artes plásticas - na categoria de pintura. Ainda estudante e com outros companheiros de geração funda a revista Altitude e envolve-se activamente no projecto do Novo Cancioneiro (1941), colecção poética de 10 volumes que se inicia com o seu livro-poema Terra, assinalando o advento do neo-realismo, tendo esta iniciativa colectiva, nascida nas tertúlias de Coimbra, de João José Cochofel, demarcado esse ponto de viragem na literatura portuguesa. Na mesma linha estética, embora em ficção, é lançada a colecção dos Novos Prosadores (1943), pela Coimbra Editora, reunindo os romances Fogo na Noite Escura, do biografado, Casa na Duna, de Carlos de Oliveira, Onde Tudo Foi Morrendo, de Vergílio Ferreira, Nevoeiro, de Mário Braga ou O Dia Cinzento, de Mário Dionísio, entre outros.
Com uma obra literária que se desenvolve ao longo de cinco décadas é de salientar a sua precoce vocação artística, de feição naturalista e poética, tal como a importância do período de formação em Coimbra, mais as suas tertúlias e movimentos estudantis. Ao dar-se o amadurecimento estético do neo-realismo e coincidente com as vivências dos anos 50, enveredaria por novos caminhos, através de uma interpretação pessoal da narrativa, que o levaria a situar-se entre a ficção e a análise social. Os muitos textos que escreveu, nos diferentes momentos ou fases da vida literária, apresentam retratos com aspectos de picaresco, observações naturalistas e algum existencialismo. Independentemente do enquadramento, Namora foi um escritor dotado de uma profunda capacidade de análise psicológica, inseparável de uma grande sensibilidade e linguagem poética. Escreveu, para além de obras de poesia e romances, contos, memórias e impressões de viagem, com destaque para os cadernos de um escritor, que proporcionam um diálogo vivo com o leitor, a abertura a outras culturas, terras e gentes, a visão de um mundo em transformação, de uma realidade emergente, expressa em Estamos no Vento (Fevereiro de 1974).
Entre os muitos títulos que publica em prosa contam-se Fogo na Noite Escura (1943), Casa da Malta (1945), As Minas de S. Francisco (1946), (capítulo inédito publicado no nº 16 da revista Mundo literário existente entre 1946 e 1948), Retalhos da Vida de um Médico (1949 e 1963), A Noite e a Madrugada (1950), O Trigo e o Joio (1954), O Homem Disfarçado (1957), Cidade Solitária (1959), Domingo à Tarde (1961, Prémio José Lins do Rego), Os Clandestinos (1972), Resposta a Matilde (1980) e O Rio Triste (1982, Prémio Fernando Chinaglia, Prémio Fialho de Almeida e Prémio D. Dinis). Ou, as biografias romanceadas de Deuses e Demónios da Medicina (1952). Além dos títulos já referidos, publicou em poesia Mar de Sargaços (1940), Marketing (1969) e Nome para uma Casa (1984) . Toda a sua produção poética seminal foi reunida numa antologia(1959) denominada As Frias Madrugadas. Escreveu ainda sobre o mundo e a sociedade em geral, na forma de narrativas romanceadas ou de anotações de viagem e reflexões críticas, sendo disso exemplo Diálogo em Setembro (1966), Um Sino na Montanha (1968), Os Adoradores do Sol (1971), Estamos no Vento (1974), A Nave de Pedra (1975), Cavalgada Cinzenta (1977), URSS, Mal Amada, Bem Amada e Sentados na Relva, ambos de (1986). Porém, foram romances como os Retalhos da Vida de um Médico, O Trigo e o Joio, Domingo à Tarde, O Homem Disfarçado ou O Rio Triste, que vieram a ser traduzidos em diversas línguas, tendo inclusive, em 1981, sido proposto para o Prémio Nobel da Literatura, pela Academia das Ciências de Lisboa e pelo PEN Clube.
    

Profecia 

Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue...
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que não posso recuar.

Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas não sei trocar a minha sorte!

Não venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
à minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas não quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar...
O que eu quero é ir em frente
sem loas, ópios ou afagos
dos lábios que mentem.

É esta, não é outra, a minha crença.
Raios vos partam, vós que duvidais,
raios vos partam, cegos de nascença!
 
 
in Relevos (1927) - Fernando Namora

terça-feira, abril 09, 2024

Saudades de Adriano...

Adriano Correia de Oliveira nasceu há oitenta e dois anos...

(imagem daqui)
    
Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira (Porto, 9 de abril de 1942 - Avintes, 16 de outubro de 1982) foi um músico português. Mudou-se para Avintes ainda com poucos meses de vida.
 
Filho de Joaquim Gomes de Oliveira e de sua mulher, Laura Correia, Adriano foi um intérprete do fado de Coimbra e cantor de intervenção. A sua família era marcadamente católica, crescendo num ambiente que descreveu como «marcadamente rural, entre videiras, cães domésticos e belas alamedas arborizadas com vista para o rio». Depois de frequentar o Liceu Alexandre Herculano, no Porto, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 1959. Viveu na Real República Ras-Teparta, foi solista no Orfeon Académico, membro do Grupo Universitário de Danças e Cantares, ator no CITAC, guitarrista no Conjunto Ligeiro da Tuna Académica e jogador de voleibol na Briosa. Na década de 60 adere ao Partido Comunista Português, envolvendo-se nas greves académicas de 62, contra o salazarismo. Nesse ano foi candidato à Associação Académica de Coimbra, numa lista apoiada pelo MUD.
Data de 1963 o seu primeiro EP, Fados de Coimbra. Acompanhado por António Portugal e Rui Pato, o álbum continha a interpretação de Trova do vento que passa, poema de Manuel Alegre, que se tornaria uma espécie de hino da resistência dos estudantes à ditadura. Em 1967 gravou o álbum Adriano Correia de Oliveira, que, entre outras canções, tinha Canção com lágrimas.
Em 1966 casa-se com Maria Matilde de Lemos de Figueiredo Leite, filha do médico António Manuel Vieira de Figueiredo Leite (Coimbra, Taveiro, 11 de outubro de 1917 - Coimbra, 22 de março de 2000) e de sua mulher Maria Margarida de Seixas Nogueira de Lemos (Salsete, São Tomé, 13 de junho de 1923), depois casada com Carlos Acosta. O casal, que mais tarde se separaria, veio a ter dois filhos: Isabel, nascida em 1967, e José Manuel, nascido em 1971. Chamado a cumprir o Serviço Militar, em 1967, ficaria apenas a uma disciplina de se formar em Direito.
Em 1970 troca Coimbra por Lisboa, exercendo funções no Gabinete de Imprensa da FIL - Feira Industrial de Lisboa, até 1974. Ainda em 1969 vê editado o álbum O Canto e as Armas, revelando, de novo, vários poemas de Manuel Alegre. Pela sua obra recebe, no mesmo ano, o Prémio Pozal Domingues.
Lança Cantaremos, em 1970, e Gente d' aqui e de agora, em 1971, este último com o primeiro arranjo, como maestro, de José Calvário, e composição de José Niza. Em 1973 lança Fados de Coimbra, em disco, e funda a Editora Edicta, com Carlos Vargas, para se tornar produtor na Orfeu, em 1974. Participa na fundação da Cooperativa Cantabril, logo após a Revolução dos Cravos e lança, em 1975, Que nunca mais, onde se inclui o tema Tejo que levas as águas. A revista inglesa Music Week elege-o Artista do Ano. Em 1980 lança o seu último álbum, Cantigas Portuguesas, ingressando no ano seguinte na Cooperativa Era Nova, em rutura com a Cantabril.
Vítima de uma hemorragia esofágica, morreu na quinta da família, em Avintes, nos braços da sua mãe.
A 24 de setembro de 1983 foi feito Comendador da Ordem da Liberdade e a 24 de abril de 1994 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em ambos os casos a título póstumo.
  

 

 

Por Aquele Caminho - Adriano Correia de Oliveira
Música de Adriano Correia de Oliveira e Rui Pato
Letra de José Afonso
 
 

Por aquele caminho
De alegria escrava
Vai um caminheiro
Com sol nas espáduas

Ganha o seu sustento
De plantar o milho
Aquece-o a chama
De um poder antigo

Leva o solitário
Sob os pés marcado
Um rasto de sangue
De sangue lavado

Levanta-se o vento
Levanta-se a mágoa
Soltam-se as esporas
De uma antiga chaga

Mas tudo no rosto
De negro nascido
Indica que o negro
É um espectro vivo

Quem lhe dá guarida
Mostra-lhe a pintura
Duma cor que valha
Para a sepultura

Não de mão beijada
Para que não viva
Nele toda a raiva
Dessa dor antiga

Falta ao caminheiro
Dentro da algibeira
Um grão de semente
De outra sementeira

O sol vem primeiro
Grande como um sino
Pensa o caminheiro
Que já foi menino