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sábado, fevereiro 15, 2020

O poeta brasileiro Ronald de Carvalho morreu há 85 anos

(imagem daqui)
   
Ronald de Carvalho (Rio de Janeiro, 16 de maio de 1893 - Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1935) foi um poeta e político brasileiro.
    
Vida
Ronald de Carvalho era filho do engenheiro naval Artur Augusto de Carvalho e de Alice Paula e Silva Figueiredo de Carvalho, concluindo o curso secundário no Colégio naval.
Entrou na Faculdade Livre de Ciéncias Jurídicas e Sociaes do Rio de Janeiro, precursora da atual Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, fazendo um bacharelato em 1912. Desde 1910 trabalhava como jornalista, no Diário de Notícias, cujo diretor era Ruy Barbosa.
Na sua ida para a Europa, cursou Filosofia e Sociologia em Paris. Ao voltar para o Brasil, entrou para o Itamaraty. Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna, que decorreu em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, a qual foi o momento determinante do modernismo brasileiro.
Em 1924 dirigiu a Seção dos Negócios Políticos e Diplomáticos na Europa. Durante a gestão de Félix Pacheco, esteve no México, como hóspede de honra daquele governo. Em 1926 foi oficial de gabinete do ministro Otávio Mangabeira. Em 1930, o seu poema Brasil foi entusiasticamente lido na conferência Poesia Moderníssima do Brasil, apresentada pelo professor Manoel de Souza Pinto, da Cadeira de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras de Coimbra (tal estudo saiu estampado depois no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, edição de domingo, 11 de janeiro de 1931). Exerceu cargos diplomáticos de relevância, servindo na Embaixada de Paris, com o embaixador Sousa Dantas, por dois anos, e depois em Haia (Países Baixos). Regressou a Paris, de onde, em 1933, voltou para o Rio de Janeiro.
Foi secretário da Presidência da República, cargo que ocupava quando morreu. Em concurso realizado pelo Diário de Notícias, em 1935, foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros, em substituição a Coelho Neto. Colaborou, com destaque, em O Jornal e também se encontra colaboração da sua autoria nas revistas Alma nova (1914-1930) e Atlântida (1915-1920). Casou com Leilah Accioly de Carvalho, de quem teve quatro filhos.
Ronald de Carvalho faleceu com 41 anos de idade, vítima de acidente automobilístico, no Rio de Janeiro, a 15 de fevereiro de 1935.
   
Literatura
Na biblioteca de Fernando Pessoa da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, existe um exemplar do livro Luz Gloriosa - Poema de Ronald de Carvalho, com o seguinte colofon:
«Terminou-se a impressão deste livro em Novembro do anno de MCMXIII, nas officinas graphicas da Casa Crès et Cie, Paris.»
Este exemplar foi oferecido a Fernando Pessoa pelo autor e enviado, através de Luís de Montalvor, no seu regresso a Lisboa, após dois anos como secretário da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. O livro tem uma dedicatória escrita pelo punho de Ronald de Carvalho:
«Para as mãos de Fernando Pessôa, fraternalmente Ronaldo de Carvalho. Rio MCMXIV»
Em 29 de fevereiro de 1915, Fernando Pessoa escreveu ao autor, agradecendo o livro que este lhe oferecera e fazendo uma apreciação de Luz Gloriosa:
   
«O seu livro é dos mais belos que recentemente tenho lido. Digo-lhe isto para que, não me conhecendo, me não julgue posto a severidade sem atenção às belezas do seu Livro. Há em si o com que os grandes poetas se fazem. De vez em quando a mão do escultor faz falar as curvas irreais da sua Matéria. E então é o seu poema sobre o Cais e a sua impressão do Outono, e este e aquele verso, caído dos deuses como o que é azul no céu nos intervalos da tormenta. Exija de si o que sabe que não pode fazer. Não é outro o caminho da Beleza.»
in Correspondência (1905-1922) - Fernando Pessoa
   
A crítica de Fernando Pessoa parece ter influenciado o escritor brasileiro, que iria aderir ao modernismo, destacando-se a sua intervenção na Semana de Arte Moderna. cinco anos mais novo do que Fernando Pessoa, Ronald de Carvalho viria a morrer, por coincidência, no mesmo ano do escritor português.
 
   
Orpheu – Revista Trimestral de Literatura
Ronald de Carvalho foi, em conjunto com Luís de Montalvor, diretor do primeiro número da revista literária Orpheu, publicada em Lisboa, em março de 1915, causando enorme polémica. Esta revista, de que se publicaram apenas dois números, foi uma das mais importantes no panorama literário português, contribuindo decisivamente para a introdução do modernismo em Portugal e exercendo uma duradoura influência na literatura portuguesa do século XX. Para além desses dois escritores, Orpheu publicou grandes nomes das letras portuguesas, como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada-Negreiros.
Na folha de rosto do primeiro número da «revista trimestral de literatura» Orpheu, correspondente ao primeiro trimestre de 1915, pode ler-se:
DIRECÇÃO

PORTUGAL

Luiz de Montalvor - 17, Caminho do Forno do Tijolo - LISBOA

BRAZIL

Ronald de Carvalho -104, Rua Humaytá - RIO DE JANEIRO
Nas páginas 21 a 25 a mesma revista contém os poemas de Ronald de Carvalho «A Alma que Passa», «Lampada Nocturna», «Torre Ignota», «O Elogio dos Repuxos» e «Reflexos (Poema da Alma enferma)».
   
Obras
  • Luz Gloriosa (1913)
  • Pequena História da Literatura Brasileira (1919)
  • Poemas e Sonetos (1919)
  • Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922)
  • Toda a América (1926)
  • O Mercador de Prata, de Ouro e Esmeralda
  • Epigrama
  • Uma noite em Los Andes
  • Sabedoria
  • Brasil
    
in Wikipédia
   
Écloga Tropical
 
Entre a chuva de ouro das carambolas
e o veludo polido das jabuticabas,
sobre o gramado morno,
onde voam borboletas e besouros,
sobre o gramado lustroso
onde pulam gafanhotos de asas verdes e vermelhas,
  
Salta uma ronda de crianças!
O ar é todo perfume,
perfume tépido de ervas, raízes e folhagens.
 
O ar cheira a mel de abelhas...
 
E há nos olhos castanhos das crianças
a doçura e o travor das resinas selvagens,
e há nas suas vozes agudas e dissonantes
um áureo rumor de flautas, de trilos, de zumbidos
e de águas buliçosas...
   

 
in
Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922) - Ronald de Carvalho

sábado, junho 15, 2019

Almada Negreiros morreu há 49 anos

José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de abril de 1893 - Lisboa, 15 de junho de 1970) foi um artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas portugueses.
Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico português do século XX. Essencialmente autodidata (não frequentou qualquer escola de ensino artístico), a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início de carreira prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ou literária. Almada teve um papel particularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica do grupo ligado à Revista Orpheu, sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel central na dinâmica do futurismo em Portugal: "Se à introversão de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do «futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que era preciso dar a cara".
Mas a intervenção pública de Almada e a sua obra não marcaram apenas o primeiro quartel do século XX. Ao contrário de companheiros próximos como Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita, ambos mortos em 1918, a sua ação prolongou-se ao longo de várias décadas, sobrepondo-se à da segunda e terceira geração de modernistas. A contundência das suas intervenções iniciais iria depois abrandar, cedendo o lugar a uma atitude mais lírica e construtiva que abriu caminho para a sua obra plástica e literária da maturidade. Eduardo Lourenço escreve: "Estranho arco de vida e arte o que une Almada «Futurista e tudo», Narciso do Egipto da provocante juventude, ao mago hermético certo de ter encontrado nos anos 40, «a chave» de si e do mundo no «número imanente do universo»".
Almada é também um caso particular no modo como se posicionou em termos de carreira artística. Esteve em Paris, como quase todos os candidatos a artista então faziam, mas fê-lo desfasado dos companheiros de geração e por um período curto, sem verdadeiramente se entrosar com o meio artístico parisiense. E se Paris foi para ele pouco mais do que um ponto de passagem, a sua segunda permanência no estrangeiro revelou-se ainda mais atípica. Residiu em Madrid durante vários anos e o seu regresso ficou associado à decisão de se centrar definitiva e exclusivamente em Portugal.
Ao longo da vida empenhou-se numa enorme diversidade de áreas e meios de expressão – desenho e pintura, ensaio, romance, poesia, dramaturgia… até o bailado –, que Fernando de Azevedo classifica de "fulgurante dispersão". Sem se fixar num domínio único e preciso, o que emerge é sobretudo a imagem do artista total, inclassificável, onde o todo supera a soma das partes. Também neste aspeto Almada se diferencia dos seus pares mais notáveis, Amadeo de Souza-Cardoso e Fernando Pessoa, cuja concentração num território único, exclusivo, foi condição necessária à realização das obras máximas que nos deixaram como legado.
Personalidade incontornável, a inserção de Almada Negreiros na vida e na cultura nacionais é extremamente complexa; segundo José Augusto França, dele fica sobretudo a imagem de "português sem mestre" e, também, tragicamente, "sem discípulos".
  
(...)
  
Duplo Retrato, 1934-36, óleo sobre tela (com a esposa, Sarah Afonso)
  
Em 1952 expõe individualmente na Galeria de Março (exposição inaugural dessa galeria) e participa na Exposição de Arte Moderna (Lisboa). Dois anos mais tarde pinta a primeira versão de Retrato de Fernando Pessoa para o restaurante Irmãos Unidos. Em 1957 participa na I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, sendo galardoado com um prémio extra concurso. Ainda dentro da colaboração com Pardal Monteiro, entre 1957 e 1961 realiza grandes painéis decorativos para as fachadas de vários edifícios da Cidade Universitária de Lisboa (Faculdade de Direito; Faculdade de Letras; Reitoria). Em 1960 dá uma série de entrevistas, publicadas no Diário de Notícias, onde de algum modo encerra o seu "itinerário espiritual" e retoma a questão da reconstrução do Painéis de São Vicente de Fora; em 1963 expõe na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, e nesse mesmo ano é alvo de homenagem por ocasião do seu septuagésimo aniversário, sendo publicada a primeira monografia sobre a sua obra, da autoria de José Augusto França. Encomendas e atividades diversas preenchem os anos finais, entre as quais se destacam as tapeçarias para a Exposição de Lausana, para o Tribunal de Contas e para o Hotel Ritz, Lisboa; uma série de gravuras em vidro acrílico (1963) e cenários para o «Auto da Alma», de Gil Vicente, no Teatro Nacional de São Carlos, a sua última participação no teatro. É condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada a 13 de julho de 1967. Em 1968-1969 realiza o painel Começar, para o átrio do edifício sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Em julho de 1969 faz a sua derradeira intervenção pública, participando no programa televisivo Zip-Zip.
Morre em Lisboa, a 15 de junho de 1970, no mesmo quarto em que faleceu Fernando Pessoa, no Hospital de São Luís dos Franceses, no Bairro Alto.
   

Retrato de Fernando Pessoa, 1954, óleo sobre tela
  

quinta-feira, junho 13, 2019

Fernando Pessoa nasceu há 131 anos

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de junho de 1888 - Lisboa, 30 de novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português.
Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever seus primeiros poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como "Whitman renascido", e o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa mas também da inglesa.
Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês (v.g. de Shakespeare e Edgar Poe) para o português, e obras portuguesas (nomeadamente de António Botto e Almada Negreiros) para o inglês.
Enquanto poeta, escreveu sob múltiplas personalidades – heterónimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro –, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz: "outros modernistas como Yeats, Pound, Elliot inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas inteiros."
  
  
  Identidade
  
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
 
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
 
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

domingo, maio 19, 2019

Mário de Sá-Carneiro nasceu há 129 anos

Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de maio de 1890 - Paris, 26 de abril de 1916) foi um poeta, contista e ficionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.

Quási

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quási vivido...

Quási o amor, quási o triunfo e a chama,
Quási o princípio e o fim - quási a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quási, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos d'alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

in
Dispersão - Mário de Sá-Carneiro

sexta-feira, abril 26, 2019

Mário de Sá-Carneiro suicidou-se há 103 anos

Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de maio de 1890 - Paris, 26 de abril de 1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.
   
(...)
   
Uma vez que a vida que trazia não lhe agradava, e aquela que idealizava tardava em se concretizar, Sá-Carneiro entrou numa cada vez maior angústia, que viria a conduzi-lo ao seu suicídio prematuro, perpetrado no Hôtel de Nice, no bairro de Montmartre, em Paris, com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina.
  
  
  
Último Soneto

Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço ---
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...

Mário de Sá-Carneiro

domingo, abril 07, 2019

Almada Negreiros nasceu há 126 anos

José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, 7 de abril de 1893 - Lisboa, 15 de junho de 1970) foi um artista multidisciplinar, pintor, escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista português ligado ao grupo modernista. Também foi um dos principais colaboradores da Revista Orpheu.
 
Retrato de Fernando Pessoa, 1954, óleo sobre tela
 

segunda-feira, junho 18, 2018

Mário Saa nasceu há 125 anos

(imagem daqui)

Mário Paes da Cunha e Sá (Caldas da Rainha, 18 de junho de 1893 - Ervedal, 23 de janeiro de 1971) foi um escritor português.
  
Biografia
Mário Paes da Cunha e Sá, que adoptou Mário Saa como nome literário, descendia de uma família de grandes proprietários da elite económica e social do concelho alentejano de de Avis. Aquando do seu nascimento, o seu pai era notário e sub-delegado no julgado de Óbidos, vivendo nas Caldas da Rainha. Em 1895, a sua família volta para Avis e o seu pai constrói o Monte de Pero Viegas, onde Mário Saa residiu quase toda a vida. Recebeu formação no Colégio de S. Fiel, em Louriçal do Campo (Beira Baixa), no Liceu de Évora e, em 1913, era aluno do Instituto Superior Técnico. Através da revista Presença (n.º 19, 1929), sabe-se que em 1917 continuaria a frequentar o IST. No ano seguinte inscreveu-se no curso de Ciências Matemáticas na Universidade de Lisboa e, em 1930, no curso de Medicina da mesma Universidade, não tendo, no entanto, concluído qualquer das licenciaturas. A vida de Mário Saa repartiu-se entre a administração agrícola das suas propriedades e a investigação e produção literária. Em consonância com o perfil dos intelectuais do seu tempo dedicou-se e interessou-se por temáticas distintas publicando várias obras e numerosos artigos em periódicos. Dedicou-se à filosofia, à genealogia, à geografia antiga, à poesia, à problemática camoniana, às investigações arqueológicas, e mesmo à astrologia e à grafologia. O seu interesse pela arqueologia e a investigação que realizou sobre vias romanas deram origem à sua obra de maior importância, «As Grandes Vias da Lusitânia», em seis volumes, o produto de mais de 20 anos de investigações e prospecções arqueológicas que é, ainda hoje, uma obra de referência. A par com a arqueologia, Mário Saa destacou-se, também, no panorama da poesia portuguesa das décadas de 20 e 30 do século XX, publicando com assiduidade na revista Presença e privando com os grandes poetas e intelectuais da época no âmbito da boémia literária da Brasileira do Chiado. Em 1959 colaboraria ainda no primeiro número da revista «Tempo Presente».
  
Obras publicadas:
  • Evangelho de S.Vito (1917)
  • Portugal Cristão-Novo ou os Judeus na República (1921)
  • Poemas Heróicos / Simão Vaz de Camões; Pref. de Mário Saa (1921)
  • Camões no Maranhão (1922)
  • Táboa Genealógica da Varonia Vaz de Camões (1924)
  • A Invasão Dos Judeus (1925)
  • A Explicação do Homem: Através de uma auto explicação em 207 táboas filosóficas (1928)
  • Origens do Bairro-Alto de Lisboa: Verdadeira notícia (1929)
  • Nós, Os Hespanhóis (1930)
  • Proclamações à Pátria: Uma Aliança Luso-Catalã (?)
  • Proclamações à Pátria: Até ao Mar Cantábrico (1931)
  • Erridânia: A Geografia Mais Antiga do Ocidente (1936)
  • As Memórias Astrológicas de Camões e o Nascimento do Poeta em 23 de Janeiro de 1524 (1940)
  • As Grandes Vias da Lusitânia: O Itinerário de Antonino Pio (6 T.; 1957-1967)
  • Poesia e alguma prosa - Organização, introdução e notas de João Rui de Sousa, INCM, (2006)


Xácara das Mulheres Amadas

Quem muitas mulheres tiver,
em vez de uma amada esposa,
mais se afirma e se repousa
pera amar sua mulher;
Quem isto não entender...
em cousas d'amor não ousa,
em cousas d'amor não quer!

Quantas mais, mais se descansa,
mais a gente serve a todas;
quantas mais forem as bodas,
quantos mais os pares da dança,
menos a dança nos cansa
O gosto d'andar nas rodas.

Que quantas mais, mais detido
a cada uma per si;
nem cansa tanto o que vi,
nem fica o gosto partido;
ao contrário, é acrescido
a cada uma per si!

No paladar de mudar
mais se sente o gosto agudo:
que amar nada ou amar tudo
é estar pronto a muito amar;
o enjoo vem de não estar
a par do nada e do tudo.

Mais facilmente se chega
pera muitas que pera uma;
e a razão é porque, em suma,
se esta razão me não cega,
quem quer que muitas adrega
é como tendo...nenhuma!

Com muitas, descanso vem,
faz o desejo acrescido:
que é o mais apetecido
aquilo que se não tem;
e o apetite é o bem;
e em saciá-lo é perdido.
Também a mulher que tem
seu marido repartido
é mais gostosa do bem
que advém de seu marido!

Tão gostosa e recolhida,
tão pronta e tão conformada,
quanto o gosto é não ter nada;
porque o gosto é ser servida
e não o estar contentada.
O gosto é coisa corrente,
e quem o tem já não sente
o gosto dessa corrida,
que tê-lo, é cousa ... jazente...
que tê-lo , é cousa... perdida!

Ora, pois, nesta jornada
não vi nada mais de amar
que ter muito por chegar
e cousa alguma chegada;
não vi nada mais de ter...
que ter muito que perder...
e cousa alguma ganhada!


 

in 366 Poemas que falam de Amor (2003) - antologia organizada por Vasco Graça Moura

quarta-feira, maio 16, 2018

O poeta brasileiro Ronald de Carvalho nasceu há 125 anos

Ronald de Carvalho era filho do capitão-tenente e engenheiro naval Artur Augusto de Carvalho e de Alice Paula e Silva Figueiredo de Carvalho, concluindo o curso secundário no Colégio Abílio.
Entrou na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais, atual Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, fazendo bacharelado em 1912. Desde 1910 trabalhava como jornalista, no Diário de Notícias, cujo diretor era Ruy Barbosa.
Na sua ida para a Europa, cursou Filosofia e Sociologia em Paris. Ao voltar para o Brasil, entrou para o Itamaraty. Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna, que decorreu em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, a qual foi o momento determinante do Modernismo brasileiro.
Em 1924, dirigiu a Seção dos Negócios Políticos e Diplomáticos na Europa. Durante a gestão de Félix Pacheco, esteve no México, como hóspede de honra daquele governo. Em 1926, foi oficial de gabinete do ministro Otávio Mangabeira. Em 1930, o seu poema Brasil foi entusiasticamente lido na conferência Poesia Moderníssima do Brasil, apresentada pelo professor Manoel de Souza Pinto, da Cadeira de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras de Coimbra. Exerceu cargos diplomáticos de relevância, servindo na Embaixada de Paris, com o embaixador Sousa Dantas, por dois anos, e depois em Haia (Países Baixos). Retornou a Paris, de onde, em 1933, foi removido para o Rio de Janeiro.
Foi secretário da Presidência da República, cargo que ocupava quando morreu. Em concurso realizado pelo Diário de Notícias, em 1935, foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros, em substituição de Coelho Neto. Colaborou, com destaque, em O Jornal. Casou com Leilah Accioly de Carvalho, com quem teve quatro filhos.
Ronald de Carvalho faleceu com 41 anos de idade, vítima de acidente automobilístico, no Rio de Janeiro, em 15 de fevereiro de 1935.
Na biblioteca de Fernando Pessoa da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, existe um exemplar do livro Luz Gloriosa - Poema de Ronald de Carvalho, com o seguinte colofon:
« Terminou-se a impressão deste livro em Novembro do anno de MCMXIII, nas officinas graphicas da Casa Crès et Cie, Paris. »
Este exemplar foi oferecido a Fernando Pessoa pelo autor e enviado através de Luís de Montalvor, no seu regresso a Lisboa após dois anos como secretário da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. O livro tem uma dedicatória escrita pelo punho de Ronald de Carvalho:
« Para as mãos de Fernando Pessôa, fraternalmente Ronaldo de Carvalho. Rio MCMXIV »
Em 29 de fevereiro de 1915, Fernando Pessoa escreveu ao autor, agradecendo o livro que este lhe oferecera e fazendo uma apreciação de Luz Gloriosa:
«O seu Livro é dos mais belos que recentemente tenho lido. Digo-lhe isto para que, não me conhecendo, me não julgue posto a severidade sem atenção às belezas do seu Livro. Há em si o com que os grandes poetas se fazem. De vez em quando a mão do escultor faz falar as curvas irreais da sua Matéria. E então é o seu poema sobre o Cais e a sua impressão do Outono, e este e aquele verso, caído dos deuses como o que é azul no céu nos intervalos da tormenta. Exija de si o que sabe que não pode fazer. Não é outro o caminho da Beleza.»
Fernando Pessoa in Correspondência (1905-1922) 
A crítica de Fernando Pessoa parece ter influenciado o escritor brasileiro, que iria aderir ao modernismo, destacando-se a sua intervenção na Semana de Arte Moderna. cinco anos mais novo do que Fernando Pessoa, Ronald de Carvalho viria a morrer, por coincidência, no mesmo ano do escritor português.
Ronald de Carvalho foi, em conjunto com Luís de Montalvor, diretor do primeiro número da revista literária Orpheu, publicada em Lisboa em Março de 1915, causando enorme polémica. Esta revista, de que se publicaram apenas dois números, foi uma das mais importantes no panorama literário português, contribuindo decisivamente para a introdução do modernismo em Portugal e exercendo uma duradoura influência na literatura portuguesa do século XX. Para além desses dois escritores, Orpheu publicou grandes nomes das letras portuguesas, como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada-Negreiros.
Na folha de rosto do primeiro número da «revista trimestral de literatura» Orpheu, correspondente ao primeiro trimestre de 1915, pode ler-se:

DIRECÇÃO
PORTUGAL
Luiz de Montalvor - 17, Caminho do Forno do Tijolo—LISBOA
BRAZIL
Ronald de Carvalho - 104, Rua Humaytá—RIO DE JANEIRO

Nas páginas 21 a 25 a mesma revista contém os poemas de Ronald de Carvalho «A Alma que Passa», «Lampada Nocturna», «Torre Ignota», «O Elogio dos Repuxos» e «Reflexos (Poema da Alma enferma)».

Écloga Tropical

Entre a chuva de ouro das carambolas
e o veludo polido das jabuticabas,
sobre o gramado morno,
onde voam borboletas e besouros,
sobre o gramado lustroso
onde pulam gafanhotos de asas verdes e vermelhas,

Salta uma ronda de crianças!
O ar é todo perfume,
perfume tépido de ervas, raízes e folhagens.

O ar cheira a mel de abelhas...

E há nos olhos castanhos das crianças
a doçura e o travor das resinas selvagens,
e há nas suas vozes agudas e dissonantes
um áureo rumor de flautas, de trilos, de zumbidos
e de águas buliçosas...

in
Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922) - Ronald de Carvalho

sábado, abril 07, 2018

Almada Negreiros nasceu há 125 anos!

Duplo Retrato, 1934-36
  
José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de abril de 1893 - Lisboa, 15 de junho de 1970) foi um artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas portugueses.
Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico português do século XX. Essencialmente autodidata (não frequentou qualquer escola de ensino artístico), a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início de carreira prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ou literária. Almada teve um papel particularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica do grupo ligado à Revista Orpheu, sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel central na dinâmica do futurismo em Portugal: "Se à introversão de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do «futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que era preciso dar a cara".
Mas a intervenção pública de Almada e a sua obra não marcaram apenas o primeiro quartel do século XX. Ao contrário de companheiros próximos como Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita, ambos mortos em 1918, a sua ação prolongou-se ao longo de várias décadas, sobrepondo-se à da segunda e terceira geração de modernistas. A contundência das suas intervenções iniciais iria depois abrandar, cedendo o lugar a uma atitude mais lírica e construtiva que abriu caminho para a sua obra plástica e literária da maturidade. Eduardo Lourenço escreve: "Estranho arco de vida e arte o que une Almada «Futurista e tudo», Narciso do Egipto da provocante juventude, ao mago hermético certo de ter encontrado nos anos 40, «a chave» de si e do mundo no «número imanente do universo»".
Almada é também um caso particular no modo como se posicionou em termos de carreira artística. Esteve em Paris, como quase todos os candidatos a artista então faziam, mas fê-lo desfasado dos companheiros de geração e por um período curto, sem verdadeiramente se entrosar com o meio artístico parisiense. E se Paris foi para ele pouco mais do que um ponto de passagem, a sua segunda permanência no estrangeiro revelou-se ainda mais atípica. Residiu em Madrid durante vários anos e o seu regresso ficou associado à decisão de se centrar definitiva e exclusivamente em Portugal.
Ao longo da vida empenhou-se numa enorme diversidade de áreas e meios de expressão – desenho e pintura, ensaio, romance, poesia, dramaturgia… até o bailado –, que Fernando de Azevedo classifica de "fulgurante dispersão". Sem se fixar num domínio único e preciso, o que emerge é sobretudo a imagem do artista total, inclassificável, onde o todo supera a soma das partes. Também neste aspeto Almada se diferencia dos seus pares mais notáveis, Amadeo de Souza-Cardoso e Fernando Pessoa, cuja concentração num território único, exclusivo, foi condição necessária à realização das obras máximas que nos deixaram como legado.
Personalidade incontornável, a inserção de Almada Negreiros na vida e na cultura nacionais é extremamente complexa; segundo José Augusto França, dele fica sobretudo a imagem de "português sem mestre" e, também, tragicamente, "sem discípulos".
  
  

terça-feira, abril 26, 2016

Mário de Sá-Carneiro morreu há um século...

Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de maio de 1890 - Paris, 26 de abril de 1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.

(...)

Uma vez que a vida que trazia não lhe agradava, e aquela que idealizava tardava em se concretizar, Sá-Carneiro entrou numa cada vez maior angústia, que viria a conduzi-lo ao seu suicídio prematuro, perpetrado no Hôtel de Nice, no bairro de Montmartre em Paris, com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina. Embora tivesse adiado por alguns dias o dramático desfecho da sua vida, numa «carta de despedida» para Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro revela as suas razões para se suicidar:
Paris - 31 Março 1916
Meu Querido Amigo.
A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas "cartas de despedida"... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas: mas não tenho dinheiro. [...]
Mário de Sá-Carneiro, carta para Fernando Pessoa
Contava apenas vinte e cinco anos. Extravagante tanto na morte como em vida (de que o poema Fim é um dos mais belos exemplos), convidou para presenciar a sua agonia o seu amigo José de Araújo. E apesar de o grupo modernista português ter perdido um dos seus mais significativos colaboradores, nem por isso o entusiasmo dos restantes membros esmoreceu – no segundo número da revista Athena, Pessoa dedicou-lhe um belo texto, apelidando-o de «génio não só da arte como da inovação dela», e dizendo dele, retomando um aforismo das Báquides (IV, 7, 18), de Plauto, que «Morre jovem o que os Deuses amam» (tradução literal de Quem di diligunt adulescens moritur).



Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro!

Mário de Sá Carneiro,
Paris, 1916

terça-feira, abril 07, 2015

Almada Negreiros nasceu há 122 anos

José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de abril de 1893 - Lisboa, 15 de junho de 1970) foi um artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas portugueses.
Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico português do século XX. Essencialmente autodidata (não frequentou qualquer escola de ensino artístico), a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início de carreira prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ou literária. Almada teve um papel particularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica do grupo ligado à Revista Orpheu, sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel central na dinâmica do futurismo em Portugal: "Se à introversão de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do «futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que era preciso dar a cara".
Mas a intervenção pública de Almada e a sua obra não marcaram apenas o primeiro quartel do século XX. Ao contrário de companheiros próximos como Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita, ambos mortos em 1918, a sua ação prolongou-se ao longo de várias décadas, sobrepondo-se à da segunda e terceira geração de modernistas3 . A contundência das suas intervenções iniciais iria depois abrandar, cedendo o lugar a uma atitude mais lírica e construtiva que abriu caminho para a sua obra plástica e literária da maturidade. Eduardo Lourenço escreve: "Estranho arco de vida e arte o que une Almada «Futurista e tudo», Narciso do Egipto da provocante juventude, ao mago hermético certo de ter encontrado nos anos 40, «a chave» de si e do mundo no «número imanente do universo»".
Almada é também um caso particular no modo como se posicionou em termos de carreira artística. Esteve em Paris, como quase todos os candidatos a artista então faziam, mas fê-lo desfasado dos companheiros de geração e por um período curto, sem verdadeiramente se entrosar com o meio artístico parisiense. E se Paris foi para ele pouco mais do que um ponto de passagem, a sua segunda permanência no estrangeiro revelou-se ainda mais atípica. Residiu em Madrid durante vários anos e o seu regresso ficou associado à decisão de se centrar definitiva e exclusivamente em Portugal.
Ao longo da vida empenhou-se numa enorme diversidade de áreas e meios de expressão – desenho e pintura, ensaio, romance, poesia, dramaturgia… até o bailado –, que Fernando de Azevedo classifica de "fulgurante dispersão". Sem se fixar num domínio único e preciso, o que emerge é sobretudo a imagem do artista total, inclassificável, onde o todo supera a soma das partes. Também neste aspeto Almada se diferencia dos seus pares mais notáveis, Amadeo de Souza-Cardoso e Fernando Pessoa, cuja concentração num território único, exclusivo, foi condição necessária à realização das obras máximas que nos deixaram como legado.
Personalidade incontornável, a inserção de Almada Negreiros na vida e na cultura nacionais é extremamente complexa; segundo José Augusto França, dele fica sobretudo a imagem de "português sem mestre" e, também, tragicamente, "sem discípulos".

Retrato de Fernando Pessoa, 1954, óleo sobre tela


domingo, fevereiro 15, 2015

O poeta Ronald de Carvalho morreu há oitenta anos

(imagem daqui)

Ronald de Carvalho (Rio de Janeiro, 16 de maio de 1893 - Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1935) foi um poeta e político brasileiro.

Vida
Ronald de Carvalho era filho do engenheiro naval Artur Augusto de Carvalho e de Alice Paula e Silva Figueiredo de Carvalho, concluindo o curso secundário no Colégio naval.
Entrou na Faculdade Livre de Ciéncias Jurídicas e Sociaes do Rio de Janeiro, precursora da atual Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, fazendo um bacharelato em 1912. Desde 1910 trabalhava como jornalista, no Diário de Notícias, cujo diretor era Ruy Barbosa.
Na sua ida para a Europa, cursou Filosofia e Sociologia em Paris. Ao voltar para o Brasil, entrou para o Itamaraty. Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna, que decorreu em 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, a qual foi o momento determinante do modernismo brasileiro.
Em 1924 dirigiu a Seção dos Negócios Políticos e Diplomáticos na Europa. Durante a gestão de Félix Pacheco, esteve no México, como hóspede de honra daquele governo. Em 1926 foi oficial de gabinete do ministro Otávio Mangabeira. Em 1930, o seu poema Brasil foi entusiasticamente lido na conferência Poesia Moderníssima do Brasil, apresentada pelo professor Manoel de Souza Pinto, da Cadeira de Estudos Brasileiros da Faculdade de Letras de Coimbra (tal estudo saiu estampado depois no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, edição de domingo, 11 de janeiro de 1931). Exerceu cargos diplomáticos de relevância, servindo na Embaixada de Paris, com o embaixador Sousa Dantas, por dois anos, e depois em Haia (Países Baixos). Regressou a Paris, de onde, em 1933, voltou para o Rio de Janeiro.
Foi secretário da Presidência da República, cargo que ocupava quando morreu. Em concurso realizado pelo Diário de Notícias, em 1935, foi eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros, em substituição a Coelho Neto. Colaborou, com destaque, em O Jornal e também se encontra colaboração da sua autoria nas revistas Alma nova (1914-1930) e Atlântida (1915-1920). Casou com Leilah Accioly de Carvalho, de quem teve quatro filhos.
Ronald de Carvalho faleceu com 41 anos de idade, vítima de acidente automobilístico, no Rio de Janeiro, a 15 de fevereiro de 1935.

Literatura
Na biblioteca de Fernando Pessoa da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, existe um exemplar do livro Luz Gloriosa - Poema de Ronald de Carvalho, com o seguinte colofon:
«Terminou-se a impressão deste livro em Novembro do anno de MCMXIII, nas officinas graphicas da Casa Crès et Cie, Paris.»
Este exemplar foi oferecido a Fernando Pessoa pelo autor e enviado, através de Luís de Montalvor, no seu regresso a Lisboa, após dois anos como secretário da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. O livro tem uma dedicatória escrita pelo punho de Ronald de Carvalho:
«Para as mãos de Fernando Pessôa, fraternalmente Ronaldo de Carvalho. Rio MCMXIV»
Em 29 de fevereiro de 1915, Fernando Pessoa escreveu ao autor, agradecendo o livro que este lhe oferecera e fazendo uma apreciação de Luz Gloriosa:
«O seu livro é dos mais belos que recentemente tenho lido. Digo-lhe isto para que, não me conhecendo, me não julgue posto a severidade sem atenção às belezas do seu Livro. Há em si o com que os grandes poetas se fazem. De vez em quando a mão do escultor faz falar as curvas irreais da sua Matéria. E então é o seu poema sobre o Cais e a sua impressão do Outono, e este e aquele verso, caído dos deuses como o que é azul no céu nos intervalos da tormenta. Exija de si o que sabe que não pode fazer. Não é outro o caminho da Beleza.»
in Correspondência (1905-1922) - Fernando Pessoa
A crítica de Fernando Pessoa parece ter influenciado o escritor brasileiro, que iria aderir ao modernismo, destacando-se a sua intervenção na Semana de Arte Moderna. cinco anos mais novo do que Fernando Pessoa, Ronald de Carvalho viria a morrer, por coincidência, no mesmo ano do escritor português.

Orpheu – Revista Trimestral de Literatura
Ronald de Carvalho foi, em conjunto com Luís de Montalvor, diretor do primeiro número da revista literária Orpheu, publicada em Lisboa, em março de 1915, causando enorme polémica. Esta revista, de que se publicaram apenas dois números, foi uma das mais importantes no panorama literário português, contribuindo decisivamente para a introdução do modernismo em Portugal e exercendo uma duradoura influência na literatura portuguesa do século XX. Para além desses dois escritores, Orpheu publicou grandes nomes das letras portuguesas, como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada-Negreiros.
Na folha de rosto do primeiro número da «revista trimestral de literatura» Orpheu, correspondente ao primeiro trimestre de 1915, pode ler-se:
DIRECÇÃO

PORTUGAL

Luiz de Montalvor - 17, Caminho do Forno do Tijolo - LISBOA

BRAZIL

Ronald de Carvalho -104, Rua Humaytá - RIO DE JANEIRO
Nas páginas 21 a 25 a mesma revista contém os poemas de Ronald de Carvalho «A Alma que Passa», «Lampada Nocturna», «Torre Ignota», «O Elogio dos Repuxos» e «Reflexos (Poema da Alma enferma)».
Obras
  • Luz Gloriosa (1913)
  • Pequena História da Literatura Brasileira (1919)
  • Poemas e Sonetos (1919)
  • Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922)
  • Toda a América (1926)
  • O Mercador de Prata, de Ouro e Esmeralda
  • Epigrama
  • Uma noite em Los Andes
  • Sabedoria
  • Brasil

Sabedoria

Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!

Faze da tua realidade
uma obra de beleza

Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece…


Ronald de Carvalho

domingo, junho 15, 2014

Almada Negreiros morreu há 44 anos

José Sobral de Almada Negreiros (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de abril de 1893 - Lisboa, 15 de junho de 1970) foi um artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas portugueses.
Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico português do século XX. Essencialmente autodidata (não frequentou qualquer escola de ensino artístico), a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início de carreira prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ou literária. Almada teve um papel particularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica do grupo ligado à Revista Orpheu, sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel central na dinâmica do futurismo em Portugal: "Se à introversão de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do «futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que era preciso dar a cara".
Mas a intervenção pública de Almada e a sua obra não marcaram apenas o primeiro quartel do século XX. Ao contrário de companheiros próximos como Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita, ambos mortos em 1918, a sua ação prolongou-se ao longo de várias décadas, sobrepondo-se à da segunda e terceira geração de modernistas. A contundência das suas intervenções iniciais iria depois abrandar, cedendo o lugar a uma atitude mais lírica e construtiva que abriu caminho para a sua obra plástica e literária da maturidade. Eduardo Lourenço escreve: "Estranho arco de vida e arte o que une Almada «Futurista e tudo», Narciso do Egipto da provocante juventude, ao mago hermético certo de ter encontrado nos anos 40, «a chave» de si e do mundo no «número imanente do universo»".
Almada é também um caso particular no modo como se posicionou em termos de carreira artística. Esteve em Paris, como quase todos os candidatos a artista então faziam, mas fê-lo desfasado dos companheiros de geração e por um período curto, sem verdadeiramente se entrosar com o meio artístico parisiense. E se Paris foi para ele pouco mais do que um ponto de passagem, a sua segunda permanência no estrangeiro revelou-se ainda mais atípica. Residiu em Madrid durante vários anos e o seu regresso ficou associado à decisão de se centrar definitiva e exclusivamente em Portugal.
Ao longo da vida empenhou-se numa enorme diversidade de áreas e meios de expressão – desenho e pintura, ensaio, romance, poesia, dramaturgia… até o bailado –, que Fernando de Azevedo classifica de "fulgurante dispersão". Sem se fixar num domínio único e preciso, o que emerge é sobretudo a imagem do artista total, inclassificável, onde o todo supera a soma das partes. Também neste aspeto Almada se diferencia dos seus pares mais notáveis, Amadeo de Souza-Cardoso e Fernando Pessoa, cuja concentração num território único, exclusivo, foi condição necessária à realização das obras máximas que nos deixaram como legado.
Personalidade incontornável, a inserção de Almada Negreiros na vida e na cultura nacionais é extremamente complexa; segundo José Augusto França, dele fica sobretudo a imagem de "português sem mestre" e, também, tragicamente, "sem discípulos".

(...)

Duplo Retrato, 1934-36, óleo sobre tela (com a esposa, Sarah Afonso)

Em 1952 expõe individualmente na Galeria de Março (exposição inaugural dessa galeria) e participa na Exposição de Arte Moderna (Lisboa). Dois anos mais tarde pinta a primeira versão de Retrato de Fernando Pessoa para o restaurante Irmãos Unidos. Em 1957 participa na I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian, sendo galardoado com um prémio extra concurso. Ainda dentro da colaboração com Pardal Monteiro, entre 1957 e 1961 realiza grandes painéis decorativos para as fachadas de vários edifícios da Cidade Universitária de Lisboa (Faculdade de Direito; Faculdade de Letras; Reitoria). Em 1960 dá uma série de entrevistas, publicadas no Diário de Notícias, onde de algum modo encerra o seu "itinerário espiritual" e retoma a questão da reconstrução do Painéis de São Vicente de Fora; em 1963 expõe na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, e nesse mesmo ano é alvo de homenagem por ocasião do seu septuagésimo aniversário, sendo publicada a primeira monografia sobre a sua obra, da autoria de José Augusto França. Encomendas e atividades diversas preenchem os anos finais, entre as quais se destacam as tapeçarias para a Exposição de Lausana, para o Tribunal de Contas e para o Hotel Ritz, Lisboa; uma série de gravuras em vidro acrílico (1963) e cenários para o «Auto da Alma», de Gil Vicente, no Teatro Nacional de São Carlos, a sua última participação no teatro. É condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada a 13 de julho de 1967. Em 1968-1969 realiza o painel Começar, para o átrio do edifício sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Em julho de 1969 faz a sua derradeira intervenção pública, participando no programa televisivo Zip-Zip.
Morre em Lisboa, a 15 de junho de 1970, no mesmo quarto em que faleceu Fernando Pessoa, no Hospital de São Luís dos Franceses, no Bairro Alto.

Começar, 1968-69