sábado, julho 13, 2024

Poesia alusiva a um triste evento desta data...

 

As primeiras lágrimas de El-Rei 

A M. Pinheiro Chagas

   
I
O príncipe morrera, e logo os cortesãos, 
Em prantos derredor do mortuário leito, 
Erguem a voz em grita aos céus levando as mãos. 
 
II 
El-Rei, João Segundo, a fronte sobre o peito, 
Contempla dos brandões à luz ensanguentada 
O filho, e a dor lhe avinca o grave e duro aspeito. 
 
III 
E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada 
A pouco e pouco sai, reina o silêncio, apenas 
Cortado pelo uivar longínquo da nortada. 
 
IV 
Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas, 
Aquelle rei sinistro, enérgico e tigrino, 
Tinha na frouxa voz modulações serenas. 
V E o filho inerte e mudo! Então num desatino Deixou-se El-Rei cair, ao acaso, num escabelo E quedou-se a pensar no seu atroz destino. VI Um enorme, um confuso e brônzeo pesadelo Caíu-lhe sobre o enfermo espírito enlutado, E o suor inundou-lhe as barbas e o cabelo. VII Talvez que o triste visse, em sonho alucinado. Do Duque de Viseu o espectro vingativo Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado. VIII E escutasse a feroz imprecação que altivo No cadafalso, outrora, o Duque de Bragança Às faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.

IX
Súbito ergue-se o Rei, e para o leito avança, E uma lágrima então, embalde reprimida. Das barbas lhe caiu no rosto da criança.

X A vez primeira foi que El-Rei chorou em vida.

    
Gonçalves Crespo

Sem comentários: