quinta-feira, abril 18, 2013

O padre e músico brasileiro José Maurício Nunes Garcia morreu há 183 anos

O padre José Maurício Nunes Garcia (Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1767 - 18 de abril de 1830) foi um compositor brasileiro de música sacra que viveu a transição entre o Brasil Colónia e o Brasil Império. É considerado um dos maiores compositores das Américas de seu tempo.
Nunes Garcia era um religioso, mas conhecedor das ideias iluministas, compositor, regente, virtuoso do órgão e do cravo, professor de renome, autor de modinhas e, por fim, mestre-de-capela da da cidade (posto mais importante para um músico no Brasil Colónia).
De origem humilde, sua história está entrelaçada com factos marcantes da história brasileira. No começo do século XIX, o músico mulato atinge estatura intelectual e herda um legado precioso de compositores, mulatos-livres que alcançaram prestígio com a música, como Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto, Ignácio Parreiras Neves e José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita. No final do século XVII torna-se aluno do poeta e bacharel Silva Alvarenga, um dos fundadores da Sociedade Literária, difusora das ideias do Iluminismo. É assim que José Maurício busca o único caminho para o exercício da profissão de músico à época: tornar-se padre.

Biografia
José Maurício era filho de Apolinário Nunes Garcia e Victória Maria da Cruz. Ele, da Ilha de Paquetá, filho de escrava. Ela, também filha de uma escrava da Guiné, que veio para o Rio de Janeiro acompanhando o seu "senhor". Aí se conheceram, ambos "pardos forros" (como se chamavam os filhos livres de escravos) e casaram-se na Igreja de Santa Rita de Cássia. Desde cedo revela talento para a música. Aos 16 anos compõe a sua primeira obra, uma antífona para a Catedral e Sé do Rio de Janeiro: Tota pulcra es Maria (1783).
A sua trajetória, entretanto, não foi tranquila. O músico nasceu na Rua da Vala, caminho para o Valolongo - mercado de escravos do Rio de Janeiro (1767). Aos seis anos perde o pai e passa a ser criado pela mãe com a ajuda de uma tia. As duas mulheres, lavadeiras, percebem o interesse do menino para a música e trabalham o dobro para custear as aulas particulares com o professor Salvador José de Almeida Faria, músico mineiro que trazia na bagagem toda a tradição clássica setecentista. Em 1792, o neto de escravos é ordenado padre e, em 1798 torna-se mestre-de-capela da Catedral do Rio de Janeiro. Como mestre-de-capela, Padre José Maurício Nunes Garcia compunha novas obras e dirigia os músicos e cantores nas cerimónias da Sé, além de atuar ele mesmo como organista.
Em 1808, a chegada da Família Real Portuguesa, além de transformar a cidade do Rio de Janeiro, influi diretamente na vida do compositor. A cidade passa a ser a sede administrativa da corte: ganha a Biblioteca Nacional, a Imprensa Régia, o Jardim Botânico, a Academia de Belas Artes e o Museu Nacional e, o mais importante para o Nunes Garcia, a Capela Real que passa a receber músicos de toda a Europa. O Príncipe-Regente D. João VI, grande admirador de música, nomeia o padre José Maurício mestre da Capela Real, recém-criada nos moldes da que existia na corte lisboeta e formada por músicos locais e europeus. A Capela Real funcionava na Igreja do Carmo da cidade, que passou a ser também a catedral.
O período entre 1808 e 1811 é o mais produtivo de Nunes Garcia, durante o qual ele compõe cerca de setenta obras. Em 1809, D. João VI condecora-o com o Hábito da Ordem de Cristo, sinal da grande estima que tinha pelo músico. Não escapou porém do preconceito de alguns membros da corte, que se referiam à sua cor de pele como um "defeito visível".
Em 1811 chega à corte Marcos Portugal, o compositor português mais célebre do seu tempo, que tinha suas obras apresentadas por toda a Europa de então. A fama do recém-chegado leva D. João VI a pôr Marcos Portugal à frente da Capela Real, substituindo Nunes Garcia. O brasileiro continua, porém, a ser custeado pelo governo e a compor esporadicamente novas obras para a Capela Real.
Em 1816 dirige na Igreja da Ordem Terceira do Carmo um Requiem, de sua autoria, em homenagem à rainha portuguesa D. Maria I, morta naquele ano no Rio. Em 1816 chega à corte o compositor austríaco Sigismund Neukomm, que estabelece uma grande amizade com o brasileiro. Mais tarde Nunes Garcia dirige as estreias brasileiras do Requiem de Mozart (1819) e de A Criação de Haydn (1821).
O empobrecimento da vida cultural após o retorno de D. João VI a Portugal e a crise financeira depois da Independência do Brasil (1822) causaram uma diminuição da atividade de Nunes Garcia, agravada pelas más condições de saúde do compositor. Em 1826 compôs a sua última obra, a Missa de Santa Cecília, para a irmandade de mesmo nome. Morreu em 18 de abril de 1830. Apesar de ser padre, teve cinco filhos, dos quais reconheceu um.

Contexto musical
O padre José Maurício floresceu numa época crítica para a história brasileira. O Rio de Janeiro, pouco antes da chegada da corte portuguesa, culturalmente em nada se distinguia dos demais grandes centros nacionais - Salvador, Recife, Minas Gerais, São Paulo. A presença real no Rio mudou esta situação radicalmente e de improviso, atraindo todas as atenções e passando a ser o centro de irradiação de estéticas novas, nomeadamente o neoclassicismo, com o abandono da tradição barroca que até então continuava a exercer grande influência em todo país. É certo que esta tradição ancestral não feneceu imediatamente, mas, dali em diante, o patrocínio oficial à vertente neoclássica foi o golpe mortal nela infligido, e do Rio irradiou-se uma visão diferente que aos poucos dominaria em todo o território, em particular pela atuação da Missão Francesa e de outros artistas que chegaram da Europa.
José Maurício tinha luzes surpreendentes para alguém de sua origem e condição social. Pobre, mulato, perdendo o pai cedo e sendo educado com grande dificuldade, até hoje não se sabe exatamente como conseguiu adquirir a cultura que seus primeiros biógrafos reiteradamente alegam ter-lhe pertencido. O seu progresso na Igreja foi muito rápido, a ponto de ser dispensado de formalidades e pré-requisitos, onde a ascendência de sangue escravo era um estorvo considerável para uma carreira eclesiástica e mesmo mundana bem sucedida, naquela sociedade escravocrata e preconceituosa. Mais tarde foi indicado Pregador Régio da Capela Real, e o bispo seu superior declarou que ele era um dos mais ilustrados sacerdotes de sua diocese.
Antes do período cortesão suas composições se ressentem da escassez de recursos humanos e técnicos do ambiente, a diversas peças suas traem a indisponibilidade de instrumentistas, forçando-o a adotar soluções fora da ortodoxia, como acompanhamentos reduzidos ao órgão, ou às madeiras. Durante bastante tempo as aulas de teoria e prática musical que ministrava tinham de ser realizadas apenas com a viola de arame, não podendo contar sequer com um cravo ou pianoforte.
Indicado Mestre de Capela da corte, e seu arquivista, teve acesso à importante biblioteca musical da Casa de Bragança que Dom João VI trouxe consigo, contribuindo para sua instrução geral, para uma maior variedade de gêneros musicais trabalhados e para o conhecimento da obra de grandes mestres europeus como Mozart e Haydn. Os muitos músicos e cantores altamente qualificados contratados pelo rei à sua chegada, que formaram uma orquestra considerada por todos os conhecedores e os viajantes estrangeiros como uma das melhores do mundo em seu tempo, possibilitaram que aprofundasse a sua técnica de instrumentação e escrita vocal.
Os seis filhos que teve com Severiana Rosa de Castro eram um facto embaraçoso para um padre que subira a uma alta posição, e isso possivelmente contribui para o gradual ostracismo a que foi submetido a partir da chegada ao Rio de Marcos Portugal, celebrado operista português neoclássico que logo caiu nas graças da nobreza. O estilo vocal profusamente ornamentado, derivado da ópera napolitana que passou a ser privilegiado na corte, mais sua inapetência para a música profana, foram outras pedras no caminho para o padre tímido e ingénuo que desenvolvia um estilo direto e de melodismo simples e sincero, que ainda tinha raízes plantadas na tradição rococó, e logo a sua música saiu de moda. As suas tentativas de adaptação ao gosto vigente foram uma violência que exerceu contra si mesmo e a sua música, em busca da aprovação do monarca que admirava, e as composições que escreveu depois da chegada de Marcos Portugal, já não possuem o fervor religioso espontâneo e tocante que mostram as suas obras anteriores, como a série de motetos a capella das Matinas de Finados, de 1809, intensamente expressivos, embora tenham evidenciado sensíveis avanços técnicos que possibilitaram a criação de obras de grande envergadura como a Missa de Santa Cecília, de 1826.
O seu declínio acentuou-se com a partida de Dom João VI e com o vazio que isso produziu na cena musical carioca. O seu sucessor, Dom Pedro I, apesar de amante da música e simpático com o padre, não pôde manter a pensão do compositor, e ele teve de fechar a sua escola. Um de seus filhos, escrevendo sobre o pai nesta fase de obscurecimento, fala de sua frustração, de um envelhecimento precoce e de doenças crónicas que perturbaram sua produção e paz de espírito.
A apreciação contemporânea o considera o maior compositor brasileiro de seu tempo, mas critica suas concessões aos modismos que não encontravam eco verdadeiro na sua natureza, e certa contenção excessiva na sua escrita, que nunca mostra rasgos mais audazes ou experimentalismos. A sua produção conhecida chega a cerca de 240 obras, muitas delas redescobertas ou restauradas em meados do século XX por Cleofe Person de Mattos, musicóloga que teve papel fundamental na revalorização da música do período colonial brasileiro. Hoje em dia suas composições voltaram às salas de concertos e recitais em igrejas, já tendo diversas delas gravadas e publicadas.


Sem comentários: