sexta-feira, dezembro 30, 2011

Israel e Vaticano/Santa Sé estabeleceram relações diplomáticas há 18 anos

(imagem daqui)

Relações diplomáticas Israel-Vaticano

Relações diplomáticas plenas e formais entre Israel e a Santa Sé foram estabelecidas em 1993.

Relações diplomáticas plenas e formais entre Israel e a Santa Sé foram estabelecidas em 1993. Elas foram precedidas, entretanto, por quase um século de contatos e atividades diplomáticas, sem mencionar quase um milénio de encontros católico-judaicos que, por vezes, estiveram longe de ser harmoniosos.

1. A era pré-Estado

Em 1897, quando a ideia sionista estava começando a ganhar força na Europa e quatro meses antes de o Primeiro Congresso Sionista ter sido realizado em Basle, o respeitado jornal jesuíta, Civiltà Cattolica, fez saber que um Estado Judaico na Terra Santa, com Jerusalém como capital e com a custódia dos Lugares Sagrados era impensável para a Igreja Católica.

Sete anos mais tarde, em 1904, o fundador do Movimento Sionista, Theodor Herzl, encontrou-se com o papa Pio X, na esperança de ganhar o apoio da Santa Sé para a iniciativa sionista. Pio X recusou, declarando que a Igreja não poderia reconhecer o povo judeu e suas aspirações na Palestina, uma vez que os judeus "não reconheceram o nosso Deus". Herzl era movido por considerações políticas; a resposta do papa decorreu da teologia católica.

Os contatos sionistas com a hierarquia da Igreja e os pronunciamentos das autoridades do Vaticano em relação à ambição Sionista foram esporádicos durante as próximas quatro décadas que compreenderam as duas Guerras Mundiais. Eles foram, entretanto, suficientes para confirmar os elementos básicos e consistentes na posição predefinida do Vaticano, tal como eram, pelo Civiltà Cattolica e por Pio X. A Santa Sé opunha-se a uma pátria judaica na Palestina, especialmente conforme concebido na "Declaração de Balfour" britânica de 2 de novembro de 1917. Os Locais Sagrados eram de interesse vital e a custódia deles pelos judeus não era aceitável. Sua disposição e salvaguarda eram assuntos a serem determinados entre a Igreja e as grandes potências. Questões teológicas cercavam uma possível soberania judaica na Terra Santa.

A resolução 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 29 de novembro de 1947 (a "Resolução de Partição"), contemplando um status de "corpus separatum" para Jerusalém e cercanias, foi vista de modo favorável pelo Vaticano. Aquela resolução foi, entretanto, imediatamente rejeitada pelos Estados Árabes e, após as hostilidades de 1948, a concessão do status de "corpus separatum" (entidade separada) para Jerusalém não se concretizou.

Em outubro daquele ano, o papa Pio XII, profundamente perturbado pelo violento conflito na Terra Santa, emitiu a encíclica In Multiplicibus Curis, na qual ele conclamava os negociadores a dar a Jerusalém e cercanias "um caráter internacional" e para assegurar, com "garantias internacionais", a liberdade de acesso e oração aos Locais Sagrados espalhados pela Palestina. Na segunda encíclica, Redemptoris Nostra, de abril de 1949, Pio apelou para justiça para os refugiados palestinos e repetiu seu apelo por um "status internacional" como a melhor forma de proteção dos Locais Sagrados. A posição oficial do Vaticano sobre o assunto, bem como sobre a questão dos refugiados, foi essencialmente apresentada nas duas décadas seguintes.


2. A era pós-Estado – o reconhecimento de facto

Em 1948, o recém-nascido Estado de Israel estava ansioso por assegurar o reconhecimento da Santa Sé de sua soberania e ganhos territoriais à luz da posição moral internacional do Vaticano e da influência que o Vaticano exercia, em maior ou em menor grau, junto aos governos de determinados países católicos e sobre mais da metade dos cristãos do mundo. Para este fim, representantes foram enviados ao Vaticano em setembro. Embora a delegação tenha falhado em alcançar seu objetivo principal, diversos entendimentos foram feitos para tratar dos problemas mútuos que preocupavam as partes, até certo ponto em bases bilaterais, até certo ponto por meio do núncio papal para a Terra Santa e do patriarca para a Galileia. Implícito nesses entendimentos estava o reconhecimento de facto do Estado de Israel por parte do Vaticano, algo que a Santa Sé mencionava com frequência nos tratos subsequentes com Israel.

O Vaticano continuou a se esforçar para a internacionalização de Jerusalém e dos Lugares Sagrados. Em 1950, orquestrou uma tentativa sem sucesso junto às Nações Unidas para trazer o assunto à tona. Desde então, o Vaticano não renovou sua iniciativa junto às Nações Unidas mas, igualmente, não desistiu das suas aspirações para Jerusalém e para os Lugares Sagrados.

Em paralelo, os contatos Israel-Vaticano progrediram em diversos níveis. É digno de nota nos primeiros anos, que o chanceler Moshe Sharrett encontrou-se com Pio XII em 1952 e a Orquestra Filarmónica de Israel tocou para ele em 1955. O objetivo declarado de Israel permaneceu sendo o estabelecimento de relações diplomáticas plenas com a Santa Sé. Tentativas sucessivas levadas a efeito pelos diplomatas israelenses nos anos seguintes foram em vão. A peregrinação do papa Paulo VI à Terra Santa, em janeiro de 1964, foi conduzida de modo a tornar patente e dolorosamente claro que a Santa Sé não reconhecia Israel formalmente.

Em 1965, o Concílio Vaticano Segundo promulgou uma declaração conhecida como Nostra Aetate, que alterou fundamentalmente as relações entre a Igreja e os judeus, afirmando, entre outras coisas, que "Deus tem especial apreço pelos judeus por causa dos seus patriarcas; Ele não se arrepende dos presentes que deu [a eles]". Além disso, a paixão de Jesus (morte e crucificação) "não pode ser imputada a todos os judeus da época, sem distinção, nem contra os judeus de hoje".

Mesmo com o abrandamento de certas objeções teológicas no caminho do reconhecimento formal de Israel, obstáculos políticos maiores permaneceram. Ao lado da questão da soberania de Israel sobre todos os seus territórios, inclusive partes de Jerusalém, a falta de fronteiras reconhecidas e a questão dos Lugares Sagrados e sua proteção, o Vaticano mantinha sua preocupação com relação às necessidades dos católicos locais, bem como com relação à difícil situação dos refugiados palestinianos. Além disso, havia a preocupação de uma reação adversa contra as minorias cristãs nos países árabes e contra o próprio Vaticano, caso Israel fosse reconhecido formalmente. Quanto a Israel, surgiram hesitações em certas partes sobre o estabelecimento de plenas relações com o Vaticano, na medida em que as ramificações se tornaram aparentes.

A Guerra dos Seis Dias de 1967 mudou a situação geopolítica na região. Israel tinha a posse firme de toda a Terra Santa na parte ocidental do rio Jordão, incluindo todos os Lugares Sagrados cristãos ali localizados. Isso levou o Vaticano a modificar sua posição de modo pragmático. Em um discurso aos cardeais em dezembro de 1967, Paulo VI cobrou um "estatuto especial, internacionalmente garantido" para Jerusalém e os Lugares Sagrados (ao invés da internacionalização). Essa permanece sendo a posição formal do Vaticano sobre o assunto até os dias de hoje.

Ao mesmo tempo, os contatos de alto nível entre as partes continuaram. Paulo VI, entre outros, recebeu o chanceler Abba Eban em 1969, a primeira-ministra Golda Meir em 1973 e o chanceler Moshe Dayan em 1978. O primeiro-ministro Itzhak Shamir foi recebido pelo papa João Paulo II em 1982. A questão do estabelecimento de relações diplomáticas plenas foi levantada nesses e em outros contatos, mas o Vaticano permaneceu reticente e, embora Israel tenha iniciado as conversações, não houve muita pressão.

Os primeiros sinais de uma possível mudança de atmosfera vieram após a ascensão do papa João Paulo II em 1978, que tinha um histórico muito diferente dos seus antecessores italianos. Quando jovem, teve muitos amigos judeus em sua cidade natal de Wadowice; havia testemunhado o Holocausto (ele próprio, forçado a trabalhar sob a ocupação nazi da Polónia) e sentia simpatia pelos anseios nacionalistas dos polacos e de outros povos. Em 1984, ele clamou por segurança e tranquilidade para o povo judeu vivendo no Estado de Israel, "como prerrogativa de todas as nações". Dirigindo-se aos líderes judaicos em Miami, em setembro de 1987, ele reconheceu o direito do povo judeu a uma terra "assim como qualquer nação civil, de acordo com as leis internacionais (que é o que buscamos), para o povo judeu que vive no Estado de Israel…".

Embora outros no Vaticano sinalizassem que os empecilhos teológicos e políticos ao estabelecimento de relações diplomáticas plenas com Israel tivessem sido removidos em grande parte, outros cinco anos se passaram antes que João Paulo traduzisse seus sentimentos em realidade diplomática. Após a primeira Guerra do Golfo em 1991, o processo de paz árabe-israelita foi reativado. A OLP reconheceu Israel e diversos Estados Árabes estabeleceram laços diplomáticos com o Estado. Paralelamente, a União Soviética e um número significativo de estados renovaram suas relações com Israel (interrompidas após a Guerra dos Seis Dias). Além disso, alguns países líderes, como a China e a Índia, estabeleceram relações diplomáticas plenas com Israel pela primeira vez, a fim de poderem participar das negociações de paz multilaterais.

Uma vez que o reconhecimento árabe e palestino de Israel não levou a uma revolta no Oriente Médio e talvez sentindo que a Santa Sé estivesse na situação singular de não poder tratar com Israel formalmente quando assuntos de vital interesse a ela eram eventualmente discutidos nas negociações de paz, João Paulo permitiu alguns "balões de ensaio" diplomáticos com relação a Israel e então tomou, ele próprio, a iniciativa. No início de abril de 1992, o embaixador de Israel na Itália, Avi Pazner, e sua esposa foram convidados para uma audiência particular com o papa. A pedido do papa, o embaixador fez uma exposição da situação do Oriente Médio, durante a qual fez alusão à recusa de alguns estados árabes de aceitar Israel, apesar do reconhecimento da Palestina e do processo de paz em andamento. A referência indireta foi aparentemente entendida e pode ter sido a gota de água, uma vez que dez dias mais tarde o ministro do exterior do Vaticano, arcebispo Jean-Louis Tauran, informou ao embaixador Pazner que João Paulo havia instruído a Cúria para abrir negociações com o objetivo de possibilitar o estabelecimento de relações diplomáticas plenas com Israel. Após o encontro com o papa em outubro, o chanceler Shimon Peres (agora presidente de Israel), destacou que, mesmo à luz do reconhecimento recente de Israel por muitas outras nações, "acrescentar o Vaticano a elas realmente muda as coisas".


3. 1993 em diante – o reconhecimento formal

Um ano e meio de negociações complicadas culminaram com a assinatura do Acordo Fundamental entre a Santa Sé e o Estado de Israel em 30 de dezembro de 1993. Então, de acordo com o protocolo adicional ao Acordo Fundamental, houve a troca de embaixadores plenipotenciários em maio de 1994. Constituindo-se mais como um acordo geral, o Acordo Fundamental abriu caminho para o estabelecimento de subcomissões jurídicas e fiscais para lidar com uma ampla gama de assuntos importantes que foram propositadamente deixados pendentes. Acrescentando uma dimensão incomum, o acordo reconheceu a natureza única das relações entre a Igreja e o povo judeu e reiterou a condenação da Igreja ao antissemitismo em todas as suas formas, como declarado na Nostra Aetate.

Desde aquela data, Israel e a Santa Sé têm mantido um relacionamento diplomático próximo, que não tem sido livre de períodos de tensão e até mesmo de crises. As deliberações do subcomitê jurídico foram concluídas com relativa rapidez, com um acordo complementar assinado em 10 de dezembro de 1997, no qual Israel reconheceu a personalidade jurídica e a autoridade da lei canónica dentro da Igreja Católica e suas instituições, bem como aquelas do patriarcado latino de Jerusalém e dos patriarcas católicos do Oriente e suas respectivas dioceses no território de Israel, enquanto, por sua vez, aquelas entidades eclesiásticas reconheceram a prevalência as leis israelenses em assuntos civis e criminais. Por outro lado, o trabalho do subcomitê fiscal ainda está inacabado, devido às dificuldades em se compatibilizar os princípios de ambos os lados e, sob o ponto de vista de Israel, devido às implicações materiais e fiscais em potencial de qualquer privilégio especial que possa ser concedido à Igreja Católica para outros grupos cristãos e não cristãos no país.

Um ponto alto no relacionamento foi alcançado quando o papa João Paulo fez sua peregrinação à Terra Santa no ano do Jubileu de 2000. Embora a natureza religiosa da visita tenha sido preeminente, os aspectos políticos não puderam ser ignorados, como quando João Paulo ligou para o presidente de Israel e quando se encontrou com o primeiro-ministro e com os membros do seu gabinete.

Os anseios de Israel de um relacionamento político-diplomático mais próximo do Vaticano, na sequência daquela visita, foram frustrados com o surgimento da segunda "Intifada" em setembro de 2000. Crítico da resposta militar de Israel ao levantamento palestino e da inevitável suspensão do processo de paz, o Vaticano deixou esfriar as relações diplomáticas com Israel. Com cuidado, entretanto, para não causar uma ruptura completa, o Vaticano colocou maior ênfase na dimensão judaico-católica do relacionamento. Diversas iniciativas foram encorajadas, inclusive o lançamento de um diálogo extraordinário entre a Santa Sé e o Rabinato Chefe de Israel em 2003, que permanece produtivo ainda hoje.

Tensões de diferentes tipos fizeram pressão sobre este relacionamento em 1998, quando muçulmanos em Nazaré pensaram em construir uma grande mesquita adjacente à Igreja da Anunciação com, acreditava-se, o acordo tácito de elementos políticos israelenses. Esse problema, envolvendo diretamente os Lugares Sagrados católicos somente foi solucionado em janeiro de 2002 quando o comité governamental avançou em um plano de paisagismo colocando efetivamente um fim à construção da mesquita. No sentido contrário, as relações diplomáticas provaram sua força e valor quando o Vaticano e Israel trabalharam juntos e discretamente ajudaram a encontrar uma solução à difícil situação criada em abril de 2002, quando um grupo de palestinos armados assumiu o controle de outro Lugar Sagrado, a Igreja da Natividade, em Belém, e prenderam dentro dela diversos clérigos (católicos, arménios, greco-ortodoxos), bem como civis palestinos desarmados.

Na maior parte do tempo, o relacionamento prossegue estável. As visitas ministeriais à Santa Sé são frequentes e numerosas. O primeiro presidente de Israel a ser recebido pelo papa foi o presidente Moshe Katsav em dezembro de 2002. Diariamente, a embaixada de Israel na Santa Sé busca manter o Vaticano informado a respeito das políticas oficiais sobre assuntos correntes, enquanto a embaixada do Vaticano em Jafa cuida das diversas propriedades e de outros interesses em Israel. Os dois lados buscam vias para ampliar a cooperação e o entendimento cultural, educacional, acadêmico e inter-religioso. Os assuntos mundanos, como problemas com vistos e a entrada em Israel de clérigos católicos de terras árabes que não estão em paz com Israel, são tratados de forma rotineira.

Israel e o Vaticano dão importância especial a esse relacionamento diplomático. De muitas maneiras, é uma relação única, inspirada em séculos de embates católico-judaicos e interesses circundantes que os dois lados consideram de suma importância. Espera-se, portanto, que a relação permaneça sólida e vibrante, capaz de se sobrepor às tensões ocasionais que inevitavelmente irão ocorrer.

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