sexta-feira, janeiro 13, 2012

Há 262 anos um tratado luso-espanhol tornou o Brasil um gigante

Capitanias do Brasil - 1534

O Tratado de Madrid foi firmado na capital espanhola entre D. João V de Portugal e D. Fernando VI de Espanha, a 13 de Janeiro de 1750, para definir os limites entre as respectivas colónias sul-americanas, pondo fim assim às disputas. O objetivo do tratado era substituir o de Tordesilhas, o qual já não era mais respeitado na prática. As negociações basearam-se no chamado Mapa das Cortes, privilegiando a utilização de rios e montanhas para demarcação dos limites. O diploma consagrou o princípio do direito privado romano do uti possidetis, ita possideatis (quem possui de facto, deve possuir de direito), delineando os contornos aproximados do Brasil de hoje.



Divisão territorial do Brasil - 1789



Com a União Ibérica (1580-1640), embora os respectivos domínios ultramarinos continuassem separados teoricamente, é certo que tanto espanhóis entravam sem grandes problemas em territórios portugueses, quanto lusitanos entravam em terras espanholas, estabelecendo-se e com isso obtendo títulos de propriedade que seriam respeitados pela diplomacia posterior. Esta ótica da questão de fronteiras durante a União é inexata já que continuou existindo uma rivalidade entre os dois povos, porém isso explica em parte esta expansão. Iam se estabelecendo, assim, algumas das futuras fronteiras terrestres do Brasil. Pela orla marítima os portugueses estenderam seus domínios da Baía de Paranaguá ao Rio Oiapoque (antes os extremos no litoral eram Cananéia e Itamaracá). Nesse período conquistaram-se muitas regiões do Nordeste e do Norte (da Paraíba ao Grão-Pará e quase toda a Amazônia). Também houve grande expansão ao Sul (onde bandeiras de caça ao índio destruíram assentamentos jesuítas espanhóis nos atuais oeste paranaense, no centro do Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul, o que contribuiu para incorporar esses territórios ao atual Brasil).

Durante a União Ibérica, o Brasil continuou a ser alvo de estrangeiros como os franceses, porém os maiores inimigos foram os holandeses - que até 1571 tinham seu território dominado pela Espanha, o que motivou sua ação contra os espanhóis e seus aliados. Apesar da força com que invadiram o Brasil e aqui se estabeleceram, principalmente na faixa litorânea que hoje vai do Espírito Santo ao Maranhão e de modo peculiar em Pernambuco, eles foram definitivamente expulsos em 1654 (14 anos após a Restauração de Portugal como reino independente).
Após a restauração em 1640, a paz entre Portugal e Espanha foi firmada em 1668. Portugal ainda não havia desistido de estender seus domínios até a foz do Prata, razão pela qual o rei ordenou em 1678 a fundação de uma colónia (Colônia do Sacramento) naquela região para sustentar e afirmar seus direitos sobre a localidade. Após alguns atritos, o soberano espanhol concedeu o inteiro domínio da margem setentrional do rio da Prata e em 1715 no tratado de Utrecht, confirmou que o Prata era o limite ao sul do Brasil.
O resultado final desses tratados e de outros que viriam foi fruto da colonização portuguesa desde o século XVI até o XIX que ao penetrar o território, seja por motivos económicos (mineração na região mais central – Minas, Mato Grosso e Goiás –, pecuária no sertão nordestino e no sul do Brasil e apanha de produtos da floresta, associado à facilidade de navegação da Bacia Amazónica ) ou religiosos (como é o caso das missões jesuítas, franciscanas e carmelitas que estiveram em diversas partes do Brasil), expandiu os domínios portugueses de norte a sul e pelo uti possidetis adquiriu terras que antes não lhes pertenciam.
A definição geral dos limites ocorreria em 1750 com o tratado de Madrid.

O Tratado de Madrid foi a primeira tentativa de pôr fim ao litígio entre Portugal e Espanha a respeito dos limites de suas colónias na América do Sul.
Com as epopeias dos bandeirantes, desbravando o interior do Brasil, criando pequenos povoamentos, a validade do antigo Tratado de Tordesilhas estava em xeque. O novo Tratado tinha por objetivo "que se assinalassem os limites dos dois Estados, tomando por balizas as paragens mais conhecidas, tais como a origem e os cursos dos rios e dos montes mais notáveis, a fim de que em nenhum tempo se confundissem, nem dessem ensejo a contendas, que cada parte contratante ficasse com o território que no momento possuísse, à exceção das mútuas concessões que nesse pacto se iam fazer e que em seu lugar se diriam". Assinado em 1750 o tratado não usava as linhas convencionais, mas outro conceito de fronteiras, introduzido neste contexto por Alexandre de Gusmão, a posse efetiva da terra (uti possidetis) e os acidentes geográficos como limites naturais.
Com trabalhos apresentados à Corte espanhola, Gusmão comprovou que as usurpações luso-espanholas em relação à linha de Tordesilhas (1494) eram mútuas, com as portuguesas na América (parte da Amazónia e do Centro-oeste) sendo compensadas pelas da Espanha na Ásia (Filipinas, Marianas e Molucas).
Apesar de Tomás da Silva Teles (Visconde de Vila Nova de Cerveira) ter representado Portugal, Alexandre de Gusmão foi o redator do Tratado e o idealizador da aplicação do uti possidetis.
Em 1746, quando começaram as negociações diplomáticas a respeito do Tratado, Alexandre de Gusmão já possuía os mapas mais precisos da América do Sul, que encomendara aos melhores geógrafos do Reino. Era um dos trunfos com que contava para a luta diplomática que duraria quatro anos.
Alexandre sabia que os espanhóis jamais deixariam em paz uma colónia (Colónia do Sacramento) que lhes prejudicava o tesouro. Além disso, descobrira-se ouro no Brasil, não sendo preciso entrar em conflitos por causa da prata peruana. Para a compensação, já tinha em vista as terras convenientes à coroa portuguesa: os campos dos Sete Povos das Missões, Oeste do atual estado do Rio Grande do Sul, onde os luso-brasileiros poderiam conseguir grandes lucros criando gado.
Finalmente, em Madrid, a 13 de janeiro de 1750, firmou-se o tratado: Portugal cedia a Colónia do Sacramento e as suas pretensões ao estuário da Prata, e em contrapartida receberia os atuais estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (território das missões jesuíticas espanholas), o atual Mato Grosso do Sul, a imensa zona compreendida entre o Alto-Paraguai, o Guaporé e o Madeira de um lado e o Tapajós e Tocantins do outro, regiões estas desabitadas e que não pertenceriam aos portugueses se não fossem as negociações do tratado.
Foi meio continente assegurado a Portugal pela atividade de Alexandre de Gusmão. Para a região mais disputada, o Sul, o santista já enviara, em 1746, casais de açorianos para garantir a posse do terreno. Era uma nova forma de colonização que Alexandre preconizava, através de famílias que produzissem, sem precisar de escravos. Os primeiros sessenta casais fundaram o Porto dos Casais, mais tarde Porto Alegre.
O tratado foi admirável em vários aspectos. Determinou que sempre haveria paz entre as colónias americanas, mesmo quando as metrópoles estivessem em guerra. Abandonou as decisões tomadas arbitrariamente nas cortes europeias por uma visão mais racional das fronteiras, marcadas pelos acidentes naturais do terreno e a posse efetiva da terra. O princípio romano de uti possidetis deixou de se referir à posse de direito, determinada por tratados, como até então tinha sido compreendido, para se fundamentar na posse de fato, na ocupação do território: as terras habitadas por portugueses eram portuguesas.
Entretanto, o tratado logo fez inimigos: os jesuítas espanhóis, expulsos das Missões, e os comerciantes impedidos de contrabandear no rio da Prata. Seus protestos encontraram um inesperado apoio no novo homem forte de Portugal: o Marquês de Pombal.
Um novo acordo — o de El Pardo —, firmado em 12 de fevereiro de 1761, anulou o de Madrid. Mas as bases geográficas e os fundamentos jurídicos por que Alexandre tanto lutara em 1750 acabaram prevalecendo e, em 1777, aqueles princípios anulados em El Pardo ressurgiram no Tratado de Santo Ildefonso. A questão foi ainda objeto de novo tratado do Pardo, a 11 de março de 1778.
Devido ao sucesso obtido por Gusmão no Tratado de Madrid, mais tarde o historiador paraguaio padre Bernardo Capdeville se referiria a este como "a vergonha da diplomacia espanhola".

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