Alexandre Herculano nasceu no Pátio do Gil, à
Rua de São Bento, em
28 de março de
1810;
a mãe, Maria do Carmo Carvalho de São Boaventura, filha e neta de
pedreiros da Casa Real; o pai, Teodoro Cândido de Araújo, era
funcionário da Junta dos Juros (Junta do Crédito Público). Na sua
infância e adolescência não pode ter deixado de ser profundamente
marcado pelos dramáticos acontecimentos da sua época: as
invasões francesas, o domínio inglês e o influxo das
ideias liberais, vindas sobretudo da
França, que conduziriam à
Revolução de 1820.
Até aos 15 anos frequentou o Colégio dos Padres Oratorianos de S.
Filipe de Néry, então instalados no Convento das Necessidades em
Lisboa,
onde recebeu uma formação de índole essencialmente clássica, mas
aberta às novas ideias científicas. Impedido de prosseguir estudos
universitários (o pai cegou em 1827, ficando impossibilitado de prover
ao sustento da família) ficou disponível para adquirir uma sólida
formação literária que passou pelo estudo de inglês, francês, italiano e
alemão, línguas que foram decisivas para a sua obra literária.
Com apenas 21 anos, participará, em circunstâncias nunca inteiramente esclarecidas, na revolta de
21 de agosto de
1831 do Regimento n.° 4 de Infantaria de Lisboa contra o governo ditatorial de
D. Miguel I, o que o obrigará, após o fracasso daquela revolta militar, a refugiar-se num navio francês fundeado no
Tejo, nele passando à
Inglaterra e, posteriormente, à França (
Rennes), indo depois juntar-se ao exército Liberal de
D. Pedro IV, na
Ilha Terceira (
Açores). Alistado como soldado no Regimento dos Voluntários da Rainha, como
Garrett,
é um dos 7.500 "Bravos do Mindelo", assim designados por terem
integrado a expedição militar comandada por D. Pedro IV que desembarcou,
em
8 de julho de
1832, na praia do Mindelo (na verdade, um pouco mais a sul, na praia de Arnosa de Pampelido, um pouco a Norte do Porto - hoje "
praia da Memória"), a fim de cercar e tomar a cidade do
Porto (ver
Desembarque do Mindelo e
Cerco do Porto). Como soldado, participou em acções de elevado risco e mérito militar.
Iniciado na
maçonaria em data e local desconhecidos, porventura durante o exílio em Inglaterra, ou antes, cedo a abandonou.
Nomeado por D. Pedro IV como segundo bibliotecário da
Biblioteca do Porto, aí permaneceu até ter sido convidado a dirigir a
Revista Panorama,
de Lisboa, revista de caráter artístico e científico de que era
proprietária a Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis,
patrocinada pela própria rainha
D. Maria II, de que foi redactor principal de
1837 a
1839. Em
1842 retomou o papel de redactor principal e publicou o
Eurico o Presbítero, obra maior do romance histórico em Portugal no século XIX.
Mas a obra que vai transformar Alexandre Herculano no maior português do século XIX é a sua
História de Portugal, cujo primeiro volume é publicado em
1846. Obra que introduz a historiografia científica em
Portugal,
não podia deixar de levantar enorme polémica, sobretudo com os
sectores mais conservadores, encabeçados pelo clero. Atacado pelo clero
por não ter admitido como verdade histórica o célebre
Milagre de Ourique – segundo o qual
Cristo aparecera ao rei
Afonso Henriques
naquela batalha -, Herculano acaba por vir a terreiro em defesa da
verdade científica da sua obra, desferindo implacáveis golpes sobre o
clero
ultramontano, sobretudo nos opúsculos
Eu e o Clero e
Solemnia Verba. O prestígio que a
História de Portugal lhe granjeara leva a
Academia das Ciências de Lisboa a nomeá-lo seu sócio efectivo (
1852) e a encarregá-lo do projecto de recolha dos
Portugaliae Monumenta Historica (recolha de documentos valiosos dispersos pelos cartórios conventuais do país), projecto que empreende em
1853 e
1854.
Herculano permanecerá fiel aos seus ideais políticos e à
Carta Constitucional, que o impedira de aderir ao
Setembrismo. Apesar de estreitamente ligado aos círculos do novo poder
liberal (foi deputado às Cortes e
precetor do futuro
Rei D. Pedro V), recusou fazer parte do primeiro Governo da
Regeneração, chefiado pelo
Duque de Saldanha.
Recusou honrarias e condecorações e, a par da sua obra literária e
científica, de que nunca se afastou inteiramente, preferiu retirar-se
progressivamente para um exílio que tinha tanto de vocação como de
desilusão. Numa carta a
Almeida Garrett confessara ser seu mais íntimo desejo ver-se
entre quatro serras, dispondo de
algumas leiras próprias, umas botas grosseiras e um chapéu de Braga. Ainda desempenhando o cargo de Presidente da Câmara de
Belém (1854 de
1855), cargo que abandona rapidamente. Em
1867, após o seu casamento com D. Mariana Meira, retira-se definitivamente para a sua quinta de
Vale de Lobos (
Azoia de Baixo,
Santarém) para se dedicar (quase) inteiramente à agricultura e a uma vida de recolhimento espiritual -
ancorado no porto tranquilo e feliz do silêncio e da tranquilidade,
como escreverá na advertência prévia ao primeiro volume dos Opúsculos.
Em Vale de Lobos, Herculano exerce um autêntico magistério moral sobre
o País. Na verdade, este homem frágil e pequeno, mas dono de uma
energia e de um carácter inquebrantáveis era um exemplo de fidelidade a
ideais e a valores que contrastavam com o pântano da vida pública
portuguesa.
Isto dá vontade de morrer!, exclamara ele,
decepcionado pelo espectáculo torpe da vida pública portuguesa, que
todos os seus ideais vilipendiara. A quando da segunda viagem do
Imperador do Brasil a Portugal, em
1877,
Herculano entendeu retribuir, em Lisboa, a visita que o monarca lhe
fizera em Vale de Lobos, mas devido à sua débil saúde contraiu uma
pneumonia dupla de que viria a falecer, em Vale de Lobos, em
13 de Setembro de
1877.
Herculano foi o responsável pela introdução e pelo desenvolvimento da narrativa histórica em Portugal.
Juntamente com Almeida Garrett, é considerado o introdutor do
romantismo em Portugal, desenvolvendo os temas da incompatibilidade do homem com o meio social.
Alexandre Herculano casou, em 1 de maio de 1867, com Mariana Hermínia
de Meira. Morreu na sua quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo,
(Santarém) em 13 de setembro de 1877. Encontra-se sepultado no
Mosteiro dos Jerónimos.
Obra
Herculano deixou ensaios sobre diversas questões polémicas da época, que se somam à sua intensa actividade jornalística.
Como
historiador, publicou
História de Portugal de Alexandre Herculano, em quatro volumes, e
História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, e organizou
Portugaliae Monumenta Historica (coleção de documentos valiosos recolhidos de cartórios conventuais do país).
A parte mais significativa da obra literária de Herculano concentra-se em seis textos em
prosa, dedicados principalmente ao género conhecido como narrativa histórica. Esse tipo de narrativa combina a erudição do
historiador,
necessária para a minuciosa reconstituição de ambientes e costumes de
épocas passadas, com a imaginação do literato, que cria ou amplia
tramas para compor seus enredos. Dessa forma, o autor situa ação num
tempo passado, procurando reconstituir uma época. Para isso, contribuem
descrições pormenorizadas de quadros antigos, como festas religiosas,
indumentárias, ambientes e aposentos, topografias de cidades. São
frequentes as intervenções do narrador, que tece comentários
filosóficos, sociais ou políticos, muitas vezes relacionando o passado
narrado com o quotidiano do
século XIX.
A narrativa de caráter histórico foi desenvolvida inicialmente por
Walter Scott (
1771-
1832), poeta e novelista escocês que escreveu
A Balada do Último Menestrel e
Ivanhoé,entre outros trabalhos. Também o francês
Vitor Hugo (
1802-
1885) serviu de modelo a Herculano: Hugo escreveu o romance histórico
Nossa Senhora de Paris,
em que surge Quasimodo, o famoso “Corcunda de Notre-Dame”. A partir
desses modelos, desenvolveu-se a narrativa histórica de Herculano, que
pode ser considerada o ponto inicial para o desenvolvimento da prosa de
ficção moderna em
Portugal.
As Lendas e Narrativas são formadas por textos mais ou menos curtos,
que se podem considerar contos e novelas. Herculano abordou vários
períodos da historia da
Península Ibérica. É evidente a preferência do autor pela
Idade Média, época em que, segundo ele, se encontravam as raízes da nacionalidade portuguesa.
O trabalho literário de Herculano foi, juntamente com as
Viagens na Minha Terra, de
Garrett,
o ponto inicial para o desenvolvimento da prosa de ficção moderna em
Portugal. A partir disto, as narrativas históricas foram focando épocas
cada vez mais próximas do século XIX.
Deixou ainda alguma poesia, romances não históricos e peças de teatro.
A Graça
Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?
És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?
Oh, sim! és tu, que na infantil idade,
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: - Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d'ouro e púrpura descendo
Co' as roupas a alvejar.
És tu, és tu! que ao pôr do sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos céus, do mar dormente.
És tu, és tu! que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sozinho erguia
Ao Deus três vezes santo.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
Quando sou infeliz.
.......Sinto a tua voz de novo
.......Que me revoca a Deus:
.......Inspira-me a esperança,
.......Que te seguiu dos céus!...
in Poesias (1860) - Alexandre Herculano