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terça-feira, outubro 05, 2010

Uma boa pergunta para um dia de inauguração de escolas




O que digo neste texto não vai além daquilo que Carlos Fiolhais disse em texto anterior, pois pretendo tão só fazer eco das suas palavras, sobretudo daquelas que dedicou à nossa educação.

Quando já não havia possibilidade de esconder os danos na economia, os políticos reconhecerem o que alguns (apelidados de catastrofistas, pessimistas e derrotistas) vinham afirmando há anos: o caminho para o abismo.

É o momento de perguntar se demorará muito para que o mesmo aconteça na educação.

Porque, não tenhamos ilusões: irá acontecer. Só falta saber-se o momento. A realidade impõe-se por si mesma. Não é possível continuar a esconder o estado desastroso do nosso ensino e, correlativamente, da aprendizagem.

Isto digo eu... E digo-o porque, longe de ser um só nível de escolaridade que se encontra num estado crítico, são todos os níveis que se apresentam num estado crítico: desde a educação de infância até ao ensino superior. Não podemos continuar, por muito mais tempo, a ignorar esta evidência, a fazer de conta que não é assim. Porque, infelizmente, é mesmo assim!

Haverá uma outra escola, um ou outro curso que ainda tentará resistir à panóplia de ameaças à sua qualidade (não, não falo da “qualidade” assente em critérios burocráticos, mas numa outra que se define pela aquisição de saber e de desenvolvimento cognitivo e axiológico), mas, continuando este estranho processo em curso, também eles acabarão por desistir.

Salvar-se-ão, no final, meia-dúzia de escolas (na maioria privadas) onde aqueles que nos levam à ruína económica e educativa põem, apartados da turba ignorante, os seus filhos e netos, com bilhete pré-comprado para universidades estrangeiras.

Acrescento o seguinte: se foi relativamente fácil explicar aos portugueses o caos económico em que estamos, porque isso se materializa, muito concretamente, em dinheiro na carteira ou no banco, como lhes poderemos explicar que a educação soft que receberam de pouco ou nada lhes vai valer? Que os certificados que lhe atribuíram são um logro? Que o caminho da educação que trilhamos só nos pode conduzir à pior miséria que se pode imaginar - a ignorância?

Na verdade, como um leitor do De Rerum Natura bem referiu num comentário: há uma “impossibilidade lógica de explicar a mediocridade a um medíocre”. Teremos chegado a esse ponto? Ou ainda haverá esperança caso tenhamos o discernimento de reconhecer, agora, que é preciso mudar o rumo?

in De Rerum Natura - post de Helena Damião

domingo, julho 04, 2010

Guilherme Valente continua a desmistificar o eduquês


Texto de Guilherme Valente saído no "Expresso" de hoje:

1. Ensina-se, supostamente, a «aprender a aprender». Mas não se ensinam os conhecimentos que os alunos precisam de aprender. Ensina-se, supostamente, a «aprender a aprender» matemática. Mas o que é preciso mesmo é aprender matemática.

O «aprender a aprender» tornou-se moda por soar bem e prometer o «milagre» de se poder aprender tudo sem ter de se aprender nada.

O eduquês substitui o que importa ensinar pelas técnicas e métodos que supostamente permitiriam aprender tudo sem esforço.

Dois exemplos reveladores do logro:

Se eu pretender recrutar um tradutor de inglês, não indagarei se os candidatos sabem «aprender a aprender», mas se sabem, pelo menos, inglês e português.

Se a Carris precisar de um motorista, não perguntará aos candidatos se sabem «aprender a aprender», mas se têm carta de condução e experiência de conduzir.

2. As «competências» são outro logro, que engana o incauto porque a expressão tem um significado próprio que o senso comum instantaneamente apreende e valoriza. Mas o que é um indivíduo competente? Alguém que adquiriu e domina conhecimentos e técnicas e é capaz de os aplicar no exercício eficaz de uma função. Haverá alguém competente, seja no que for, sem conhecimentos?

O que será uma competência em Filosofia Medieval? Só pode ser o conhecimento do pensamento dos filósofos da época e do contexto em que foi elaborado. O que exige tê-los estudado, dominar o latim, grego, história, etc. E ser competente em física quântica? E a cozinhar uma boa caldeirada?

Também o candidato a um curso universitário de Física deverá ter adquirido os conhecimentos que permitem responder à exigência de aprofundamento e especialização que pressupõe. Não chegará que saiba «aprender a aprender», pede-se-lhe que já tenha aprendido muito.

3. Importante não é o modo como se ensina e aprende, mas o que efectivamente se ensina, aprende e exercita. E é só o aprender muito que potencia a capacidade para aprender mais e diferente.

O método é um «caminho». As técnicas e meios de ensino devem ser adoptados e mesmo construídos em função das matérias e dos alunos. A pedagogia é uma disciplina respeitável, mas auxiliar, não é o objectivo do ensino.

4. Ora, como a pedagogia parece ser o único conhecimento que os «especialistas» da educação supostamente dominam, valorizam-no até ao rídiculo, garantindo, assim, o poder e o emprego.

É esse o programa dominante na maioria dos cursos de formação de professores, que lançam no ensino vagas de docentes, grande parte sem poderem ensinar nada, por saberem muito pouco do que deveriam ensinar.

Mas como o Ministério da Educação é controlado pelos mesmos que os «formaram», fica tudo em casa, isto é, a escola e a «avaliação» não podem deixar de ser o que, com raras excepções, são.

Se o leitor quiser saber até que ponto o rei vai nú, peça a um desses novos docentes, ou a um dos pobres bons professores a quem é imposta a cartilha, um exemplo de uma «competência». Aposto que será: a «leitura de um horário de comboio»…

Refeito do choque, pergunte, a seguir, como se avalia a competência em História, Física, Electricidade…

4. O «aprender a aprender» e as «competências» são um pico da pedagogice, logros que servem ao eduquês e aos «especialistas» para que não se ensine, não se aprenda, nada possa ser avaliado.

São, afinal, manifestação da desvalorização relativista do conhecimento e do professor, da aversão rousseauniana aos «saberes letrados», supostamente origem da desigualdade e da desarmonia social. Tornar todos iguais, é o projecto inconfessável do eduquês. Mesmo que para isso seja preciso condenar todos à ignorância, à boçalidade e à miséria.

Todos?

Guilherme Valente

domingo, maio 23, 2010

O princípio do fim do Eduquês?

Texto de Guilherme Valente publicado no "Público" de hoje (versão ligeiramente ampliada, publicada no Blog De Rerum Natura):

Demoraram, mas são boas notícias! Afinal o doutor Daniel Sampaio (tem nome e respeito-o) também é um crítico do eduquês (ver Pública, 16/5/10). Apesar de se tratar, como escreve DS, de um grupo de intelectuais, cujo nome não refere, que «´sabem`tudo sobre a escola», da «pressa crítica» que diz terem, do seu «discurso pessimista», do «narcisismo solitário e redutor das suas opiniões», «de se considerarem os únicos que têm razão», DS partilha, afinal, críticas que fazem ao eduquês. E isso é que importante! E vão aparecer mais. Não é novo na História. Pressinto que no final irá restar apenas a doutora Ana Benavente. Um mérito dela, talvez. «Sê tu próprio», exortava-se na Grécia Clássica.

O resto do que DS escreve, sem conseguir iludir quem conheça o pensamento e a acção do tal grupo de intelectuais cujos nomes DS omite, é irrelevante e será, porventura, do foro das afecções que os psicólogos costumam resolver. Os médicos não estão imunes à doença.

Apenas umas breves notas sobre contradições e erros mais gritantes:

DS afirma estar com os professores, mas umas linhas antes atribuíra a responsabilidade da indisciplina às «hesitações dos docentes» (com amigos assim…). Porém, em breve também nisso irá concordar connosco: na forma, no grau, na generalização como se manifesta, a indisciplina é um produto do eduquês. É mesmo um instrumento ao serviço do seu projecto insensato. Uma táctica que também não é nova na História. Esta é, digamos, a «causa formal». A «causa eficiente» é a desvalorização do papel do professor, a sua desautorização, o seu desprestígio aos olhos dos alunos, dos pais e da sociedade, perpretados pelo Ministério e os seus «especialistas» Tudo ligado à desvalorização relativista do conhecimento e da sua transmissão, ao facilitismo, enfim.

Como pode haver disciplina se defendem e impõem que se aprenda a brincar? Se vêem a indisciplina e, por isso, a suscitam, como revelação desejável de traumas e ressentimentos sociais? A verdade é que o sentido do bem e do mal, a inteligência, o sentimento e o juízo de justiça, não são qualidades sociais ou de riqueza, são qualidades humanas, que os pobres também têm. As crianças e os jovens não são insectos, como o eduquês as trata.

Estar ao lado dos professores é promover as condições para o ensino de qualidade que os realiza e dignifica. Pergunte-se aos professores.

E mais: não se percebe se DS reprova ou não a tolice ou o expediente das «competências»; se acha bem a «escola exigente, organizada e geradora de conhecimento e de progresso» (transmissora de conhecimento, precise-se).

Fala ainda na «exigente burocracia ministerial» - está a louvar ou a criticar a burocracia? -- que «fez com que predominasse o pessimismo». Não se percebe aonde quer chegar. E -- fantástico, mesmo que seja tão tarde -- afirma que a «a escola deve garantir um mínimo de conhecimentos que possibilite aos jovens que não pretendem continuar a estudar a aprendizagem de um ofício que lhes permita um percurso de autonomia digna». Ora, os tais intelectuais «narcisistas» não se têm cansado de propor isso desde há muitos anos (DS esteve ausente no estrangeiro?), mas de modo muito claro e coerente: uma via técnica-profissional, com dignidade, qualidade e exigência iguais às da via de acesso ao ensino superior, oferecida aos jovens por iniciativa e com o apoio criterioso das escolas, a tempo de evitar o abandono, as retenções, ou os diplomas mentirosos que não correspondem a qualificação nenhuma. Uma via como existe, por exemplo, na Finlândia, sendo ali frequentada, aliás, pela maioria dos estudantes. A Finlândia, que gostam tanto de citar, mas citam quase sempre erradamente.

DS acusa esses intelectuais «redutores» de não apresentarem soluções. Não têm feito outra coisa se não sugerir soluções, desde logo mostrando o que é o eduquês . DS escreve como se fosse ele a ter proposto os exames sérios e universais e as vias técnico-profissionais, que agora diz defender.

E que soluções avança DS? Repare-se na solução que dá para a indisciplina: «A disciplina só será alcançada com um esforço conjunto dos professores, alunos, e pais». E o Ministério? Pensei que acrescentaria: colocando os alunos e os pais no mesmo plano dos professores… Como se os alunos fossem iguais aos professores, mas não.

Um ensino «que inclui», diz DS? Com 40% de abandono escolar? Ouvi o Senhor Primeiro Ministro falar em 30% (deve continuar a ser, portanto, mais de 40%), como se isso, tanto quanto percebi, fosse um êxito. E com que qualificações reais sai do sistema a maioria dos que não o abandonam? Não conheço hoje na Europa sistema de ensino que produza mais exclusão do que este do eduquês.

Atente-se na irresponsabilidade mais gritante: a aprendizagem da leitura e da escrita, os níveis de «iliteracia», palavra importada para evitar o termo português que toda a gente perceberia: analfabetismo funcional. Segundo o estudo comparativo mais recente, um estudo oficial, muito eduquês, aliás, na trapalhada nada inocente do seu conteúdo e da sua escrita iletrada, a percentagem de iliteracia (na verdade puro e simples analfabetismo, perguntem aos docentes) é em Portugal de 60%!!! Num País em que o analfabetismo é desde sempre a grande chaga, não seria a alfabetização real do País o grande desafio a empreender e a estar há muito vencido?

Continuo a pensar que o Primeiro-Ministro quis enfrentar o problema, como indica o facto de terem sido anunciadas algumas medidas acertadas, que há muito vínhamos propondo. Mas foram logo neutralizadas na sua concretização. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com a avaliação: inventou-se um modelo absurdo, impraticável. Provavelmente para distrair o País do essencial.

Fez-se muito, diz o doutor DS. Não fez. Fez-se apenas o que a mudança dos tempos impôs.

Não se aproveita nada? Não, não se aproveita nada. Quando não se consegue o mínimo, é preciso varrer tudo. Ou melhor, aproveita-se apenas a resistência de grandes professores, as suas práticas, o seu exemplo.

Grandes professores que resistem e continuam a salvar muitos alunos. Estive com Professores assim, recentemente, numa escola pública da Caparica, com professores e alunos que todos os dias enfrentam e vencem o delírio ou a insensatez do eduquês imposto pelo Ministério.

Tenho procurado explicar a natureza do eduquês, a essência do problema da educação em Portugal. Natureza que por ser impensável poucos compreenderam. E o eduquês pôde, assim, ocupar o sistema educativo, dominar as escolas de formação de professores, impor a ideologia e as teorias educativas que têm impedido a construção da escola que é imperativa para o progresso do País. Quando acabará o delírio ou a insensatez? Quem pára a besta?

Pessimista é quem desiste de lutar, quem se cala perante o mal, acabando, assim, por servi-lo. «Pessimistas», «redutores», «narcisistas», hoje os adjectivos são outros, mas o método velhíssimo. Argumentos, venham os argumentos e os factos.

Guilherme Valente

quinta-feira, abril 15, 2010

O direito à revolta é uma coisa sagrada

As teses 'pedagogistas' da ministra da Educação
por LUÍS REIS TORGA - Historiador

Por vezes as insónias pregam-nos partidas… Levantei-me, cerca das três horas da madrugada, e fui ver televisão. Costuma ser o melhor soporífero. Sucede, porém, que sintonizei a RTPN e deparei-me com a retransmissão do debate sobre Educação na respectiva Comissão da Assembleia da República. Vi e ouvi com atenção e perdi completamente o sono. Por isso é ainda sob o efeito de uma noite mal dormida que escrevo estas palavras.

Na altura em que olhei para o televisor, a senhora ministra dissertava sobre as virtudes psicopedagógicas e sociais da passagem de ano pelos alunos do ensino obrigatório, opondo-se, em princípio, à sua "retenção" (a "reprovação" de que se falava, porventura mal, no nosso tempo). Para tal serviu-se, entre outros argumentos, dos exemplos da Dinamarca, da Finlândia (claro!), dos EUA…, ou seja, dos sistemas dos "países exemplares", como dizia ironicamente em 1930 Ortega y Gasset, referindo-se dessa vez às políticas universitárias. Nesses países - dizia - nem se conhece a palavra "retenção"! E, como também é hábito, falou da crítica pelos peritos da OCDE ao sistema educativo português pelo facto de haver, por isso, um significativo insucesso escolar.

Como é evidente, nenhum professor deseja que um aluno fique "retido". Por outro lado, é evidente que as várias hipóteses alternativas que se põem aos docentes e às escolas, para lidar com casos difíceis, não dão, nem podem dar, o resultado desejado. A senhora ministra foi-se referindo, folheando papéis, às medidas escritas nos regulamentos, nomeadamente no Estatuto do Aluno: currículos alternativos, provas de avaliação para alunos com excesso de faltas não justificadas, serviço comunitário, uso das bibliotecas escolares, ingresso nos CEF (cursos de educação e formação), Novas Oportunidades… Essas alternativas, como se dizia, nem sempre resolvem os problemas de aproveitamento (que o espírito das leis torna quase obrigatório), devido à ausência de estruturas nas escolas - turmas grandes, falta de técnicos auxiliares de educação e de equipas especializadas… - mas, sobretudo, devido aos problemas sociais de alguns alunos, despejados nas escolas pelos encarregados de educação, que raramente respondem às suas responsabilidades. Desta forma - como disseram alguns deputados no debate - a "não retenção" por que se bate a senhora ministra significa apenas… passagem administrativa.

Fui professor universitário durante 38 anos e professor liceal (como então se dizia) cerca de cinco, e sempre me pautei pela norma de tratar os alunos com amizade, mas com exigência. Aliás, os professores que, como aluno, guardo na memória são aqueles que sabiam e exigiam, por vezes até com alguma intransigência, e não vejo razão para que essa imagem não possa ainda ser válida, apesar de as condições da escola se terem modificado. Formei-me na prática pedagógica (mais do que na teoria) e na vocação que sentia, a qual me levou à leitura do Diário, de Sebastião da Gama, cujo idealismo bebi, ainda era estudante. Por isso, entendo que só através do ensino eficiente das matérias científicas (o Português, a Matemática, a História, a Física…), através de formas pedagógicas racionalmente aplicadas, e com o objectivo de integração cívica, se pode formar os estudantes. Sem exageros de tipo psicopedagógico e didáctico, que hoje se chamam "modernos", mas que correspondem a anseios antigos e que, pelo seu excesso, se poderão tornar ultrapassados. É evidente que este desejo de que o ensino se centre nas matérias a leccionar - que hoje parece ser lateral à educação, em especial no ensino obrigatório - não põe de parte um ensino profissional, que deveria ser uma orientação ainda precoce e fundamental em certos casos.

Não tenho da pedagogia a noção de "uma simples e vã retórica", embora possa compreender o desânimo dos professores, como, para falar de um caso extramuros (para que não se diga ser a situação apenas portuguesa), do filósofo e professor Juan Antonio Rodríguez Tous, que, numa entrevista a El Mundo (20.7.2009), se queixava da existência na escola de "duas frentes de batalha" contraditórias, ou seja, os alunos que se deveria instruir e a "quinta coluna pedagógica" que - numa espécie de mobbing laboral - só fala do "modo de ensinar" e que "intoxica o professor com burocracia", ao mesmo tempo que pouco se interessa pelas temáticas do ensino. Não tenho, pois, das verdadeiras Ciências da Educação uma visão negativa. Porém, infelizmente, confunde-se Pedagogia, assim como Didáctica e Psicologia Educacional, com "pedagogite" ou com o "eduquês", que se tornou um substantivo comum desde que Nuno Crato o introduziu no vocabulário. Desta forma, estamos a destruir o sistema de ensino e não a reformá-lo, como notou em França o matemático Laurent Laforgue, que denunciou o facto de o sistema educativo do seu país estar em vias de destruição, porque deixou de se valorizar os conhecimentos, mas finalidades pragmáticas de organização da sociedade segundo lógicas de mercado.

Na verdade, há muito que ele está em destruição, razão do abandono precoce da profissão de muitos e experientes professores. O "processo de Bolonha" veio completar, para o ensino superior, essa acção do camartelo "pedagogista". No caso do ensino obrigatório, debaixo de um aparente optimismo, a não "retenção" justifica-se, no fundo, não pela intenção de formar melhor mas pelas estatísticas e porque é preciso ter os alunos menos anos na escola, cujo percurso se torna cada vez mais longo, à medida que aumentam os anos da escolaridade obrigatória (agora 12), o que custa dinheiro. No ensino superior, ao invés, é conveniente que eles se mantenham mais tempo para atrasar o acesso ao emprego (para que as estatísticas do desemprego não subam ainda mais). A licenciatura tornou-se um mero ciclo de passagem, com uma formação deficiente, e pouco vale como ciclo autónomo. Os mestrados - antes só frequentados por alunos de quali- dade e agora abertos a todos - também necessariamente tiveram de se desvalorizar em termos de formação. E o mesmo está a suceder com os doutoramentos, alguns adquiridos simplesmente com a publicação de dois artigos em "revistas indexadas" (por agências privadas) ou por dissertações que não valem uma medíocre tese de licenciatura do meu tempo.

Claro que os "pedagogistas", os burocratas e a senhora ministra - com a bênção da UE e da OCDE (leia-se: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) - dirão que estou a depreciar a Educação. Ao invés, dir-lhes--ei que estou a lutar por ela, no seu sentido idealista e não economicista e neoliberal, e pela Cultura, que passa por uma profunda crise de identidade. A prova disso é que raramente o espírito crítico se levanta contra a situação existente. O que apenas se verifica é o "seguidismo", ou o debate em circuito fechado ou em circuito demasiado aberto (no espectáculo quase sempre demagógico da TV), ou a afirmação de revolta, mas só em momentos mais trágicos.

Já que estamos no Centenário da República, lembro as palavras de António José de Almeida: "O direito à revolta é uma coisa sagrada." É este apenas o sentido destas palavras de um velho professor.

P.S. Talvez fosse pelas condições em que presenciei o debate, mas não sei se ouvi a ministra da Educação do Governo do engenheiro Sócrates ou Isabel Alçada, professora, co-autora de livros para jovens, com um mestrado em Educação por Boston e responsável pelo interessante, mas não inédito, Plano Nacional de Leitura. Alguém me pode esclarecer?

terça-feira, março 16, 2010

Bravo, Nico, Bravo!

Citamos a seguinte pérola de sabedoria de um deputado alentejano do PS, professor durante dois anos antes de se dedicar à arte de fingir que dava aulas numa qualquer universidade, de fazer o papel de controleiro político (agora usa-se o termo boy...) numa qualquer Direcção Regional de Educação e de ir para o exílio dourado da Assembleia da República:


O Estatuto do Aluno tem que ser aprovado pelo Parlamento. O PÚBLICO questionou cinco deputados que integram a Comissão da Educação. Só o do CDS-PP defende sem reservas a retenção de um aluno faltoso.


1. Deve ou não um aluno ficar retido por excesso de faltas?

2. Que outras alternativas existem?

3. No quadro actual terá a retenção um valor pedagógico?


Bravo Nico, deputado do PS

1. A retenção, qualquer que seja a sua origem é sempre factor potenciador de futuros episódios de insucesso escolar e, em consequência, de abandono escolar. A generalidade da literatura científica publicada e a experiência prática das escolas portuguesas demonstram que estudantes que tenham retido raramente melhoram o seu desempenham escolar. Pelo contrário, tendem a repetir essa circunstância e contam-se entre os mais atingidos pelo abandono escolar.

2. As alternativas à retenção, resumem-se a uma palavra: aprendizagem. As situações de faltas frequentes ou reincidentes deverão ser objecto de análise pelos professores e pelas escolas, no quadro das respectiva autonomia pedagógica e devem ser estes a determinar as novas balizas do percurso de aprendizagem dos estudantes que faltam.

Mas, qualquer que seja esse percurso (que deverá contemplar actividades de recuperação das aprendizagens não concretizadas), ele deverá apontar para mais e melhor aprendizagem. Os estudantes devem sempre ficar dentro das escolas e, nestas, aprender o máximo possível, com os máximos rigor, exigência e qualidade). É esse o direito dos estudantes e é esse o dever das escolas e do Estado.

3. Nenhum! A retenção é sempre uma situação limite e, como já referi, nunca contribuiu para melhorar o desempenho escolar. A Retenção teve sempre mais um valor simbólico e social, relacionado com a punição de comportamentos inadequados (excesso de faltas) ou de insuficiências de aprendizagem. A solução mais fácil, muitas vezes, é reter um aluno que exiba grande absentismo ou que revele dificuldades de aprendizagem.

A solução mais difícil (mas que é a mais pedagógica e a única que garante o exercício do direito à Educação) é, para cada aluno e respectiva circunstância, encontrar a solução de aprendizagem mais adequada para que aquele aumente o seu desempenho escolar e encontre a motivação para as aprendizagens e para a frequência da Escola.

Muitos exemplos existem, em Portugal, de Escolas que conseguem excelentes resultados no combate ao absentismo e ao insucesso e abandono escolares, através da concretização de projectos envolventes (com recurso a parcerias com as comunidades locais). É por aqui que deve ser o caminho a percorrer.

(...)


NOTA: o negrito/bold do texto são da minha responsabilidade - há que louvar a clareza com que fala a novilíngua eduquesa, cujas consequências iremos pagar bem caro, daqui a uns anos, enquanto nação. Há que salientar, de facto, que o único deputado que disse qualquer coisa de jeito foi o do partido mais a direita no parlamento, de seu nome Michael Seufert. Queremos ainda dedicar a seguinte canção semi-tradicional alentejana a Senhor Deputado BRAVO NICO, pois decididamente merece:



ADENDA: há tantas coisas boas alentejanas (como a música, a paisagem, a gastronomia, os recursos minerais, o património natural e construído, as pessoas...) - por que raio tinha de aparecer esta aventesma a representar essa região no Parlamento?!?