Não é totalmente seguro que tenha sido esse o seu aspecto e comportamento exactos: ninguém até aqui encontrou os seus restos fósseis. Mas um estudo de uma equipa internacional, hoje publicado na revista Science, conclui que o antepassado comum às cerca de 5100 espécies de mamíferos que povoam o nosso planeta - e cujas fêmeas geram a sua prole dentro do útero, numa placenta - era muito provavelmente parecido com este animalzinho.
Um grupo de 23 investigadores - do Museu Carnegie de História Natural (EUA), do Museu Americano de História Natural (EUA), de várias universidades norte-americanas e de uma universidade canadiana - finalizou um projecto iniciado há seis anos (e financiado pela National Science Foundation dos EUA) designado ATOL (Assembling the Tree of Life). O trabalho é o primeiro a combinar, em grande escala, dados vindos da análise ao ADN de uma série de espécies vivas de mamíferos ditos "placentários" com dados morfológicos de espécies vivas e extintas do mesmo tipo de mamíferos. Os mamíferos placentários vão dos roedores aos elefantes, das baleias aos gatos, aos cães e aos humanos. Trata-se de facto de todas as espécies de mamíferos, excepto os marsupiais (cangurus) e um punhado de espécies que põem ovos (como o ornitorrinco).
Os novos resultados abonam a favor da primeira opção. Sugerem fortemente que, se um cataclismo cósmico não tivesse dado o "golpe de graça" aos tiranossauros, diplodocos e outros ferozes gigantes, há pouco mais 66 milhões de anos (como indica a mais recente e precisa datação desse evento, anunciada na mesma edição da Science - ver caixa), poderíamos não estar aqui para contar a história.
O problema com o ADN
A partir dos anos 1990, a genética permitiu estruturar a genealogia das espécies ao nível molecular. Só que os resultados das análises de ADN contradiziam as datações obtidas a partir do registo fóssil, fazendo aparentemente recuar, em dezenas de milhões de anos, o início da expansão dos mamíferos.
A questão é que o ADN sozinho não chega para reconstituir a história das espécies, tal como as provas genéticas forenses não chegam para resolver um crime. "Desvendar a árvore da vida é como juntar os elementos encontrados na cena de um crime", diz Maureen O"Leary, da Universidade de Stony Brook (EUA) e líder da equipa, em comunicado do Museu Americano da História Natural. "As ferramentas genéticas acrescentam informações importantes, mas também são precisos outros indícios físicos - um cadáver, por exemplo. E nas ciências da vida, são precisos fósseis e dados anatómicos. É a combinação de todos esses dados que produz a reconstituição mais informada do passado." Foi essa integração dos dois tipos de atributos, genéticos e físicos, que a equipa fez com um nível de pormenor sem precedente.
Outros estudos já tinham associado a genética dos animais a várias centenas de características morfológicas, explica um comunicado do Museu Carnegie. Mas desta vez, graças a uma aplicação Web chamada MorphoBank, acessível em www.morphobank.org, os cientistas puderam cruzar a genética com milhares de elementos multimédia (imagens, descrições, dados quantitativos, etc.) relativos uns 4500 traços físicos de cerca de 85 espécies de mamíferos placentários. "Olhámos para todos os aspectos da anatomia dos mamíferos, do crânio ao esqueleto passando pelos dentes, os órgãos internos, os músculos e até os padrões da pelagem", diz o co-autor John Wible, do Museu Carnegie.
A nova árvore da vida é a mais completa de sempre. E mostra que os mamíferos placentários surgiram rapidamente a seguir à extinção dos dinossauros, 200 mil a 400 mil anos depois do cataclismo que acabou com eles. "A nossa estimativa temporal é cerca de 36 milhões de anos mais tardia do que a estimativa puramente baseada nos dados genéticos", diz Marcelo Weksler, co-autor actualmente na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, isto sugere que a fragmentação do Gondwana não teve nada a ver com a expansão dos mamíferos. E foi também com base nos novos resultados que um artista pintou o retrato do nosso hipotético antepassado.
CAIXA - A morte caiu do céu
Cientistas norte-americanos, holandeses e britânicos recalcularam as datas da extinção dos dinossauros e do impacto do asteróide ou cometa que deixou uma cratera de quase 180 quilómetros de diâmetro ao largo da costa de Iucatão, no México. E concluem hoje na revista Science que os dois acontecimentos - a extinção definitiva dos dinossauros, assinalada nos sedimentos fósseis, e a queda de um objecto cósmico com 10 quilómetros de diâmetro - foram simultâneos. Estudos anteriores sugeriam que essa extinção maciça de espécies tinha acontecido uns 300 mil anos antes do cataclismo. Mas os novos cálculos, que recorreram a técnicas de datação de alta precisão, permitiram reduzir essa diferença para apenas 33 mil anos, tornando as duas datas praticamente idênticas.
O impacto aconteceu há 66.038.000 anos - e foi o "golpe de graça" para os grandes dinossauros terrestres e muitas criaturas marinhas, diz Paul Renne, co-autor, em comunicado da Universidade da Califórnia. "O impacto foi claramente a última gota, empurrando a Terra para um ponto sem retorno. Portanto, teve um papel decisivo nas extinções", salienta.
Porém, Renne adverte que "esse não terá sido o único factor". O clima global já vinha sofrendo variações drásticas há um milhão de anos, o que colocara muitas espécies à beira da extinção. "Isso tornou o ecossistema muito mais sensível a mudanças relativamente pequenas, que noutras circunstâncias teriam tido um impacto menor."