Quadro de Isabel Feodorovna pintado por Friedrich August von Kaulbach
A Grã-Duquesa Isabel Feodorovna da Rússia (Hesse-Darmstadt, 1 de novembro de 1864 - Apayevsk, 18 de julho de 1918) era esposa do Grão-Duque Sérgio Alexandrovich, quinto filho do czar Alexandre II. Era conhecida por “Ella” pela família e amigos. Era a irmã 8 anos mais velha da Czarina Alexandra Feodorovna, esposa do Czar Nicolau II. Isabel tornou-se famosa na sociedade russa pela sua beleza, charme e pela caridade entre os pobres.
Em 1992 foi canonizada pela Igreja Ortodoxa Russa como Nova Mártir.
(...)
O noivado da Princesa Isabel foi curto, uma vez que Sérgio queria que o
casamento se realizasse o mais rapidamente possível e, apesar do pai
dela não aceitar completamente a sua pressa, foi forçado a lidar com ela
quando, em junho de 1884, chegou a São Petersburgo com Isabel e as suas duas irmãs mais novas, Irene e Alice.
A Rússia, com a sua vastidão, a sua atmosfera estranha e inexplicável, surpreendeu as duas princesas mais velhas que, à exceção da Inglaterra, tinham visto muito pouco do mundo. As enormes praças e largas ruas de São Petersburgo, o Neva, maior do que qualquer rio inglês ou alemão, as cúpulas e espirais douradas das catedrais, a grandeza do Palácio de Inverno
e a graciosidade da alta sociedade eram tão únicos e inesperados que
elas se sentiram desorientadas e confusas, incapazes de se acostumarem
ao ambiente estranho e pouco familiar que as rodeava.
Elas sentiam-se intimidadas pelas multidões de criados e
damas-de-companhia que as rodeavam sem descanso, pelos conselheiros da
Corte que davam diferentes instruções e, acima de tudo, pelo irmão de
Sérgio, o Czar Alexandre III.
O imperador era alto, tinha ombros largos, uma voz profunda e mãos que
conseguiam endireitar uma ferradura sem grande esforço. Só Alice que tinha apenas 12 anos na altura parecia não ter nenhuma apreensão. Ela não via nada de assustador, apenas “os corredores vastos e inspiradores do Palácio de Inverno com os seus quilómetros de chão dourado” e passou a maior parte do tempo a jogar às escondidas entre os pilares com Nicolau, filho mais velho de Alexandre III
que era, normalmente, tímido e indiferente com estranhos, mas achava
aquela menina com os seus caracóis loiros uma companhia encantadora e
com quem se sentia perfeitamente relaxado.
O Grão-Duque de Hesse não tinha permitido que a sua filha mudasse de religião antes do casamento, por isso houve uma cerimónia luterana e outra ortodoxa.
Quando finalmente ambas as cerimónias acabaram e uma Isabel pálida
teve de se despedir do seu pai e das irmãs, sentiu-se que ela estava
aterrorizada com a perspetiva de ser forçada a viver uma nova vida num
país desconhecido, rodeada de estranhos, novas ligações e com um marido
que, no fundo, mal conhecia.
(...)
A Grã-Duquesa Isabel converteu-se à Igreja Ortodoxa apenas dois anos depois do casamento, muito contra a vontade do seu pai. Quando o Grão-Duque de Hesse soube que o Czarevich Nicolau se tinha apaixonado pela sua filha mais nova, a Princesa Alice, ele recusou-se a permitir que outra filha sua abdicasse da sua fé luterana.
A Rainha Vitória
também não aprovava estas mudanças de religião e não gostava
particularmente da ideia de ver a sua neta favorita noiva do herdeiro ao
trono russo. Ela tinha-o achado charmoso, simples e natural quando ele
visitara Londres,
mas ao mesmo tempo tinha ficado com a sensação de que ele tinha falta
de estabilidade e não conseguia tomar decisões por si mesmo. O
Imperador e a Imperatriz partilhavam a sua apreensão, mas por razões
completamente diferentes, A Princesa Alice não tinha ficado muito bem
vista quando visitara São Petersburgo. Alexandre III achou-a uma alemã típica e Maria Feodorovna
ficou incomodada com a sua apatia. Além disso ela queria ver o seu
filho casado com a filha do conde de Paris e não via como aquela pequena
Princesa de Hesse com um feitio tímido e quase hostil poderia ser uma
boa esposa.
Tal como o seu avô, Alexandre II, o czarevich estava determinado a conseguir aquilo que queria. “O meu sonho é casar-me com a Alice de Hesse”, escreveu ele no seu diário no dia 21 de dezembro de 1889.
Isabel teve uma grande responsabilidade para com a relação do seu
sobrinho com a sua irmã. Foi ela que incentivou o amor entre ambos e
convenceu a Rainha Vitória (que queria casar Alice com o seu neto Alberto) a aceitar uma possível união entre a sua neta favorita e o czarevich da Rússia.
Finalmente em abril de 1894,
o Imperador, que já começava a ceder, deu a sua permissão para que
houvesse noivado e o seu filho correu até Coburg onde se realizaria o
casamento do irmão de Isabel e Alice, Ernesto, com a Princesa Vitória Melita, filha do duque de Edimburgo.
Nicolau pediu Alice em casamento, mas como esposa do czarevich e
herdeiro ao trono, a Princesa sabia que teria de mudar de religião e, a
princípio, não conseguiu decidir-se se aceitaria o pedido ou não. “A pobrezinha chorou muito,” escreveu Nicolau no seu diário onde descreveu a conversa que teve com ela que se prolongou até à meia-noite. No dia 8 de Abril, no entanto, chegou “um dia lindo e inesquecível” quando o jovem casal foi até ao quarto da Rainha Vitória de mão dada para lhe comunicar que tinham chegado a um acordo. “Fiquei bastante surpreendida”, escreveu a Rainha Vitória no seu diário, “Pensava que, por muito que o Nicky quisesse ir em frente com isto, a Alice não se iria decidir.”
(...)
No dia 4 de fevereiro de 1905
quando Isabel estava a caminho dos seus quartos privados no palácio
onde vivia com o marido e os sobrinhos, ouviu uma explosão que partiu
todos os vidros da sua casa. Depois de muitos anos ela sabia que aquilo
que temia (e o seu marido esperava) tinha acontecido. Durante muitos
anos Sérgio tinha-a proibido de andar na mesma carruagem dele e
justificava-o dizendo que sabia do ódio que os habitantes de Moscovo sentiam por ele.
Sem esperar por alguém para perguntar o que tinha acontecido ou sequer
vestir um casaco, Isabel desceu as escadas a correr até chegar ao dia
frio de Inverno
e seguiu um rasto de fumo e cheiro a pólvora que a levaram até à
carruagem despedaçada do seu marido da qual apenas restavam os corpos
mutilados dos cavalos. Quando chegou os guardas apressavam-se a cobrir o
que restava do corpo do marido com os seus casacos.
Começaram a cair-lhe lágrimas e ela ajoelhou-se junto da mancha de
sangue na neve, com a multidão a começar a reunir-se à sua volta,
olhando horrorizada o macabro espetáculo enquanto a polícia e os
soldados procuravam o assassino por entre as pessoas que se encontravam
perto do palácio. Algumas horas antes ele tinha saído de casa com uma
expressão preocupada, mas a assegurar-lhe que não havia nada com que se
preocupar. Embora não tivessem um casamento perfeito, ele era o seu
marido que sempre a tinha ajudado a adaptar-se à vida na Rússia
e a tratava bem. Ele estava consciente do perigo que corria, mas mesmo
assim nunca abandonou as suas responsabilidades e deu o seu melhor no
cargo que ocupava. Contudo a sua austeridade quase fanática e a sua
crueldade vingativa em certas ocasiões tinham feito com que ganhasse
muitos inimigos. Ele era um anti-revolucionário e um autocrata quase
tirano, mas ela estava casada com ele há vinte anos e era das únicas que
conhecia toda a sua personalidade.
Nessa tarde, apesar da sua dor pessoal, Isabel visitou o cocheiro da
carruagem do marido, que estava gravemente ferido. Ele olhou-a nos olhos
e perguntou, “Como está o seu marido?” Muito gentilmente a cara dela recompôs-se e respondeu, “Foi ele que me enviou para o ver” e ficou sentada na cama dele até o cocheiro morrer. Ela implorou a Nicolau
para que não matasse o assassino, mas a sua petição foi recusada e ela
foi visitar o homem à prisão. Ele tratou-a com desprezo e mantinha-se
teimosamente cínico. Não se mostrou arrependido pelo que tinha feito e
orgulhava-se da sua ação dizendo que tinha destruído um homem que era
um inimigo do povo.
A partir desse dia, Isabel nunca mais comeu carne nem peixe. Quando chegou a casa dividiu as jóias
que o seu marido lhe tinha oferecido em três e deu algumas aos seus
sobrinhos Maria e Dmitri Pavlovich, devolveu as joias da coroa e vendeu o
resto. O dinheiro que ganhou das joias foi para a caridade e para o Convento de Maria e Marta em Moscovo que passou a visitar com muita frequência, sempre de luto.
(...)
Isabel como freira
A alta sociedade de São Petersburgo nunca mais a voltou a ver. Só muito raramente Isabel visitava a irmã e a família em Czarskoe Selo e, em 1910, decidiu juntar-se definitivamente à Irmandade de Marta e Maria, doando todas as roupas e pedaços de joalharia que ainda lhe restavam. Não ficou nada, nem sequer com a aliança de casamento. “Este véu,” disse o Bispo Triphonius quando ela entrou no Convento, “vai-te esconder do mundo, e o mundo vai estar escondido de ti, mas vai ser uma testemunha dos teus bons trabalhos que irão brilhar perante Deus e glorificar o Senhor.” A sua nova vida era passada nos quartos pequenos do Convento, apenas mobilados com cadeiras brancas. Ela dormia numa cama de madeira sem colchão e com uma almofada dura. Queria sempre as tarefas mais difíceis, chegando a cuidar de 15 doentes na ala hospitalar sozinha e raramente dormia mais de três horas. Quando um paciente morria, ela passava a noite inteira junto dele (de acordo com a fé ortodoxa) a rezar intermitentemente sobre o corpo morto.
Quando ela se tornou freira, a sua sobrinha Maria Pavlovna casou-se e o sobrinho Dmitri passou a viver com o Czar e a sua família.
Apesar de tudo, ela nunca se tornou rígida, severa ou deprimida e até
manteve algum do seu divertimento que a tinha tornado encantadora
quando jovem. Uma vez quando a sua irmã, a Princesa Vitória,
estava no convento de visita com a sua segunda filha, a Princesa
Luísa, a porta do quarto delas abriu-se de manhã cedo e uma pequena
cabeça espreitou a rir-se e a dizer “Olá”. Abismada, Vitória
pensou tratar-se de um rapaz mal-educado que tinha conseguido entrar no
convento e estava a invadir o seu quarto, mas depressa percebeu,
aliviada, que se tratava da sua irmã mais nova, sem o seu véu e com o
cabelo rapado.
Depois de entrar no convento, Isabel apenas visitou São Petersburgo em duas ocasiões: quando se celebraram os 300 anos de poder dos Romanov, em 1913 e quando rebentou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, quando ajudou a sua irmã com os planos de ajuda a soldados feridos.
Durante muitos anos, as instituições apoiadas por Isabel ajudaram os pobres e os órfãos de Moscovo.
Ela e outras freiras da sua irmandade trabalhavam com os pobres todos
os dias e foram responsáveis pela abertura de discussão sobre a
possibilidade de permitir o acesso de mulheres a posições de maior
importância dentro da igreja. A Igreja Ortodoxa recusou esta ideia, mas abençoou e encorajou os esforços de Isabel para com os pobres.
Em 1917 rebentou a revolução russa e as ligações de Isabel à família imperial causaram-lhe muitos problemas.
Assassinato
Na Primavera de 1918, Lenine ordenou à Tcheka - polícia secreta - que prendesse Isabel. Mais tarde ela seria exilada, primeiro em Perm e depois em Ekaterinburgo onde também se encontrava a sua irmã Alexandra
e a sua família, mas nenhuma das duas sabia da presença da outra na
cidade. Mais tarde ela iria juntar-se a outros membros da família
Romanov (o Grão-Duque Sérgio Mikhailovich, o Príncipe João Constantinovich, o Príncipe Constantino Constantinovich, o Príncipe Igor Constantinovich e o Príncipe Vladimir Pavlovich Paley).
Com os membros da família vieram o secretário de Sérgio, Feodor Remez, e
Varvara Yakovlena, uma freira da irmandade de Isabel. Todos eles foram
levados para Alapaevsk no dia 20 de maio de 1918 onde ficaram presos na antiga Escola Napolnaya, nos arredores da cidade
Ao meio-dia do dia 17 de julho, o oficial da Tcheca, Petr Startsev e alguns trabalhadores bolcheviques
chegaram à escola. Tiraram aos prisioneiros todo o dinheiro e valores
que tinham e anunciaram-lhes que seriam transferidos nessa mesma noite
para uma fábrica em Siniachikhensky. Os guardas do Exercito Vermelho
receberam ordens para abandonar o local e foram substituídos por homens
da Tcheca. Nessa noite os prisioneiros foram acordados e levados em
carros por uma estrada para Siniachikha. A cerca de 18 quilómetros de
Alapaevsk havia uma mina abandonada, com 20 metros de profundidade. Foi
aqui que pararam. Os homens da Tcheca espancaram todos os prisioneiros
antes de os atirar para a mina. Ainda antes de ser atirado, o
Grão-Duque Sérgio Mikhailovich foi morto a tiro por contestar e tentar
espancar os guardas. Isabel foi a primeira a ser atirada. Apesar da
profundidade apenas Feodor Remez morreu imediatamente.
De acordo com o testemunho de um dos assassinos, Isabel e os outros
prisioneiros sobreviveram à queda na mina, o que levou o comandante a
atirar as granadas. Depois das explosões, ele disse ter ouvido Isabel e
os outros cantarem um hino russo do fundo da mina. Enervado, o
comandante atirou uma nova rajada de granadas, mas continuou a ouvir-se
os prisioneiros cantar. Finalmente foi atirada uma grande quantidade de
arbustos para tapar a mina e o comandante deixou um guarda a vigiar o
local antes de partir.
Na manhã de 18 de julho de 1918, o chefe da Tcheca de Alapaevsk trocou uma série de telegramas com o chefe do Soviete Regional de Ekaterinburgo,
que tinha estado envolvido no massacre da família imperial. Estes
telegramas tinham sido planeados com antecedência e diziam que a escola
tinha sido atacada por um “gang desconhecido”. Pouco tempo depois
Alapaevsk caiu nas mãos do Exército Branco.
Os corpos do Príncipe João Constantinovich e da Grã-Duquesa Isabel Feodorovna, descobertos no dia 8 de outubro de 1918
No dia 8 de outubro de 1918, os Brancos descobriram
os restos mortais de Isabel e dos seus companheiros dentro da mina
onde tinham sido assassinados. Isabel tinha morrido devido a ferimentos
resultantes da sua queda de vinte metros, mas tinha ainda encontrado
forças para fazer uma ligadura na cabeça do Príncipe João Constantinovich. Os seus restos mortais foram retirados da mina e levados para Jerusalém onde estariam longe das mãos dos bolcheviques. Até hoje continuam enterrados na Igreja de Maria Madalena.
Estátua de Isabel Feodorovna (1ª da esquerda) na Abadia de Westminster
Canonização e legado
Isabel foi canonizada pela Igreja Ortodoxa exterior da Rússia em 1981 e pela Igreja Ortodoxa Russa em 1992, como Nova Mártir Isabel. Os principais templos que lhe são dedicados são o Convento de Marfo-Mariinsky que ela fundou em Moscovo e o Convento de Santa Maria Madalena no Monte das Oliveiras, que ela e o marido ajudaram a construir. Ela é uma das mártires do século XX que está representada numa das estátuas acima da Grande Porta Oeste na Abadia de Westminster em Londres, Inglaterra.
Outra estátua de Isabel foi construída após a queda do comunismo na Rússia, no jardim do seu convento em Moscovo. Na inscrição pode ler-se “À Grã-Duquesa Isabel Feodorovna: Com arrependimento.”
in Wikipédia
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