Proteína do início da vida indica que evolução se deu aos saltos
Estruturas tridimensionais da proteína tioredoxina
Reconstruída uma proteína com 4000 milhões de anos: estrutura molecular mostra que mudanças evolutivas ocorrem em períodos de tempo curtos, seguidos por milhões e milhões de anos de estagnação.
Como seriam as proteínas dos seres que povoavam a Terra quando a vida tinha acabado de surgir? E como evoluíram essas proteínas até hoje? Um conjunto de investigadores, a trabalhar em Espanha e nos Estados Unidos, está nos últimos anos a tentar responder a estas questões. Primeiro, reconstruíram uma proteína que data de há 4000 milhões de anos, altura muito próxima do aparecimento dos primeiros seres, quando a Terra tinha uma ambiente hostil. Agora, analisaram a evolução desta proteína, comparando a sua história com determinados acontecimentos que definiram para sempre a árvores da vida.
A informação que retiraram desta molécula e as comparações que fizeram com as moléculas equivalentes produzidas por organismos que existem actualmente, como a espécie humana, reforça a ideia de que a evolução das proteínas é feita de longas temporadas em que nada acontece. Essas temporadas são separadas por períodos de tempo relativamente curtos, em que ocorrem saltos evolutivos importantes para a adaptação das espécies, explica um artigo publicado nesta semana na revista Structure.
É difícil determinar a estrutura de uma proteína produzida pelos primeiros seres vivos. No caso dos mamutes, que se extinguiram há muito pouco tempo, ainda se descobre material destes animais em estado suficientemente preservado para obter o seu ADN. Na longa cadeia do ADN, estão inseridos os genes que são os moldes que todas as células utilizam para, literalmente, manufacturarem as proteínas. Por isso, é fácil conhecer as proteínas dos mamutes.
Mas quando se quer estudar células que viveram há milhares de milhões de anos, é impossível encontrar, nos poucos vestígios fossilizados que ainda sinalizam a sua presença, ADN que ajude a reconstruir estas proteínas. Por isso, a equipa internacional de Raul Perez-Jimenez, da Universidade da Columbia, em Nova Iorque, e Jose M. Sanchez-Ruiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Granada, teve de contornar esta dificuldade.
A equipa estudou uma tioredoxina, que existe nas espécies dos três domínios da árvore da vida: as bactérias; os eucariotas (os seres vivos com núcleo nas células e que englobam desde as algas até aos animais, passando por organismos como a paramécia); e as archae (seres unicelulares sem núcleo mas que divergem das bactérias).
A tioredoxina funciona como antioxidante e entra em diversas funções celulares. É tão elementar que um embrião humano que carrega uma mutação disfuncional nos genes desta enzima não se desenvolve para lá do estádio de quatro células. A função desta enzima será, por isso, essencial para as células e é natural que exista nos mais variados organismos que hoje povoam a Terra, indicando que terá surgido numa altura inicial da história da vida.
Os cientistas foram comparar esta enzima em 200 espécies diferentes daqueles três domínios. Analisaram os aminoácidos mais importantes que definem a estrutura da enzima. Desta forma, foram andando para trás na árvore da vida e, assim, foram encontrando a estrutura mais provável desta enzima produzida pelo antepassado mais recente comum aos animais e fungos. Depois, encontraram a estrutura da enzima do antepassado mais recente de todos os eucariotas e, por fim, a do antepassado mais recente de todos os seres vivos. Esta enzima ancestral terá sido produzida por células que viveram há cerca de 4000 milhões de anos - ou seja, cerca de 500 milhões de anos depois de a Terra se formar.
De seguida, a equipa pegou nos vários genes que codificam algumas das versões antigas da tioredoxina que encontraram e colocaram-nos nos genomas de bactérias, para serem sintetizados. Desta forma, conseguiram recriar estas proteínas e mostrar que ganhavam a estrutura tridimensional, provando que eram enzimas funcionais. A análise da estrutura foi feita com cristalografia por raios-X.
Os resultados foram então apresentados num artigo de 2011, no qual a equipa mostrou também que estas antigas versões da tioredoxina suportavam temperaturas 25 graus mais altas do que a tioredoxina humana. Esta variação coaduna-se com o ambiente extremo que se pensa ter existido nessa altura inicial da história da Terra, provando que os organismos que viviam naqueles tempos estavam adaptados ao seu ambiente.
Agora, os cientistas foram observar a evolução desta enzima ao longo do tempo. Apesar de os aminoácidos destas proteínas divergirem bastante, as partes estruturais da proteína foram-se mantendo constantes com saltos evolutivos bem curtos e definidos no tempo. Uma destas mudanças parece ter surgido com o aparecimento do núcleo, que definiu a existência dos eucariotas, onde uma das hélices da tioredoxina cresceu de tamanho.
“Este notável grau da conservação da estrutura apoia o modelo de equilíbrio-pontuado da evolução das estruturas [das proteínas]”, argumentam os autores no artigo na revista Structure. E contrasta com uma ideia mais gradual da evolução, em que as mudanças e adaptações vão ocorrendo com o mesmo ritmo ao longo do tempo.
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