sexta-feira, agosto 16, 2013

António Nobre nasceu há 146 anos


António Pereira Nobre (Porto, 16 de agosto de 1867 - Foz do Douro, 18 de março de 1900), mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista (interessada na ressurgência dos valores pátrios) da geração finissecular do século XIX português. A sua principal obra, (Paris, 1892), é marcada pela lamentação e nostalgia, imbuída de subjectivismo, mas simultaneamente suavizada pela presença de um fio de auto-ironia e com a rotura com a estrutura formal do género poético em que se insere, traduzida na utilização do discurso coloquial e na diversificação estrófica e rítmica dos poemas. Apesar da sua produção poética mostrar uma clara influência de Almeida Garrett e de Júlio Dinis, ela insere-se decididamente nos cânones do simbolismo francês. A sua principal contribuição para o simbolismo lusófono foi a introdução da alternância entre o vocabulário refinado dos simbolistas e um outro mais coloquial, reflexo da sua infância junto do povo nortenho. Faleceu com apenas 32 anos de idade, após uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar.


O Meu Cachimbo

Ó meu cachimbo! Amo-te imenso!
Tu, meu turíbudo sagrado!
Com que, bom Abade, incenso
A Abadia do meu passado.

Fumo? E ocorre-me à lembrança
Todo esse tempo que lá vai,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pai.

Vejo passar a minha vida,
Como n'um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama...

Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para falar contigo a sós.

E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d'Anto, aonde eu moro!
Ali, metido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes... choro.

Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo...
Os meus amigos onde estão?

Não sei. Trá-los-á o «nevoeiro»...
Os três, os íntimos, Aqueles,
Estão na Morte, no estrangeiro...
Dos mais não sei, perdi-me d'eles.

Morreram-me uns. Por eles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites, quando eu adormeço,
Fantasmas, vêm, pé ante pé...

Tristes, nostálgicos da cova,
Entram. Sorrio-lhes e falo...
Deixam-se estar na minha alcova,
Até se ouvir cantar o galo...

Outros, por esses cinco oceanos,
Por esse mundo erram, talvez...
Não me escreveis, há tantos anos!
Que será feito de vocês?

Hoje, delicias do abandono!
Vivo na paz, vivo no limbo:
Os meus amigos são o Outono,
O Mar e tu, ó meu Cachimbo!

Ah! quando for do meu enterro,
Quando eu partir gelado, enfim,
No meu caixão de mogno e ferro,
Quero que vás ao pé de mim.

Santa mulher que me tratares,
Quando em teus braços desfaleça,
Caso meus olhos não cerrares,
Embora! Que isto não te esqueça:

Coloca, sob a travesseira,
O meu cachimbo singular
E enche-o, solícita enfermeira,
Com Gold-Fly, para eu fumar...

Como passar a noite, amigo!
No Hotel da Cova sem conforto?
Assim, levando-te comigo,
Esquecer-me-ei de que estou morto...


in Só (1892) - António Nobre

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