El-Rei D. João I de Portugal (Lisboa, 11 de abril de 1357 - Lisboa, 14 de agosto de 1433), foi o décimo Rei de Portugal e o primeiro da Dinastia de Avis, cognominado O de Boa Memória pelo legado que deixou. Filho ilegítimo do rei D. Pedro I e 3º Mestre da Ordem de Avis (com sede em Avis), foi aclamado rei na sequência da crise de 1383-1385 que ameaçava a independência de Portugal. Com o apoio do condestável do reino, Nuno Álvares Pereira, e aliados ingleses travou a batalha de Aljubarrota contra o Reino de Castela,
que invadira o país. A vitória foi decisiva: Castela retirou-se,
acabando bastantes anos mais tarde por o reconhecer oficialmente como
rei. Para selar a aliança Luso-Britânica casou com D. Filipa de Lencastre, filha de João de Gaunt, dedicando-se desde então ao desenvolvimento do reino. Em 1415 conquistou Ceuta, praça estratégica para a navegação no norte de África, o que iniciaria a expansão portuguesa. Aí foram armados cavaleiros os seus filhos D. Duarte, D. Pedro e o Infante D. Henrique, irmãos da chamada ínclita geração.
D. João era filho ilegítimo do rei D. Pedro I e de D. Teresa, uma dama galega (ms. 352 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo da Crónica de el-rei D. Pedro I, de Fernão Lopes). Em 1364 foi consagrado Grão Mestre da Ordem de Avis.
Interregno
À data da morte do rei D. Fernando I, Portugal parecia em risco de perder a independência. A rainha D. Leonor Teles de Menezes era impopular e olhada com desconfiança. O facto de se ter tornado pública a sua ligação amorosa com o nobre galego João Fernandes Andeiro,
personagem influente no paço, atraiu todas as críticas contra a sua
pessoa e a do seu amante. Para além do mais, a sucessão do trono recaía
sobre a princesa D. Beatriz, única filha de Fernando I e de Leonor Teles de Menezes, casada aos onze anos de idade com o rei João I de Castela.
No entanto, a burguesia e parte da nobreza juntaram-se à voz popular
que clamava contra a perda da independência, tão duramente mantida por
D. Fernando I. Dois pretendentes apareceram para competir com João I de
Castela e D. Beatriz pela coroa portuguesa:
- D. João, príncipe de Portugal, filho de D. Pedro I e D. Inês de Castro, era visto por muitos como o legítimo herdeiro, dado o suposto casamento dos seus pais,
- D. João, filho de D. Pedro I e de Teresa Lourenço, que veio a tornar-se rei.
Acicatado por um grupo de burgueses e nobres, entre os quais Álvaro Pais e o jovem D. Nuno Álvares Pereira, e tomando em linha de conta o descontentamento geral, o Mestre de Avis assassina o conde de Andeiro no paço a 6 de Dezembro de 1383. Com a posterior fuga de Leonor Teles de Lisboa para Alenquer
inicia-se a sucessão de acontecimentos que lhe entregará a regência, a
qual de início planeia exercer em nome de seu meio-irmão, o Infante D.
João. Mas como este último já fora aprisionado por D. João I de Castela, abria-se então a possibilidade política de o Mestre de Aviz vir a ser rei.
O assassinato do conde Andeiro explica-se, bem mais do que pela
vontade de vingar a honra do falecido rei Fernando I, ainda que este
tenha sido um dos motivos, pela razão de que João I de Castela havia
começado a violar o pacto antenupcial de Salvaterra de Magos logo no
primeiro dia em que se fez aclamar, em Toledo,
"Rei de Castela e Portugal". Aquele tratado antenupcial apenas conferia
a si e à sua mulher Beatriz, sendo esta herdeira de Fernando I, o
título nominal de reis e senhores de Portugal, mas sem deterem poderes
de efectiva governação. Além disso, os reinos de Castela e Portugal
deviam manter-se separados. Para além de logo ter mesclado as armas dos
dois reinos, João I de Castela, continuando a desrespeitar o tratado,
entra em Portugal pela Guarda
nos finais de dezembro de 1383. Queria ser soberano pleno, e não de
dois reinos separados mas dum único, considerando que não tinha que
atender em nada ao tratado de Salvaterra porque a sua mulher Beatriz era
a herdeira do trono português. Quem o diz de forma mais clara não é
Fernão Lopes, mas sim o cronista castelhano Pero Lopez Ayala,
contemporâneo dos acontecimentos, na sua Crónica do Rei Dom João o
primeiro de Castela e Leão. Consultem-se, para o constatar, os capítulos
IX e XI do ano quinto e os capítulos I e II do ano décimo segundo desta
Crónica. Seguiu-se a Crise de 1383-1385, ou Interregno, um período de anarquia e instabilidade política onde as diferentes cidades e vilas de Portugal se declaravam umas por D. Leonor Teles
(a maioria destas até ela abdicar da regência em benefício de João I de
Castela e da filha), outras por D. Beatriz e o seu marido, outras ainda
pelo Mestre de Aviz, além das que se mantiveram neutras, na expectativa
do desenlace.
A guerra civil arrastou-se por mais de um ano. D. Nuno Álvares Pereira, posteriormente Condestável de Portugal, revelou-se um general de grande valor, ao contrário, ao início, do próprio pretendente ao trono. Fernão Lopes
é um crítico feroz das acções militares do Mestre durante o primeiro
ano de guerra, dado que tinha tendência a preferir os cercos e a
assistência dos grandes fidalgos, sem outros resultados que não fossem
traições, ao contrário da luta militarmente inovadora e terrivelmente
eficaz de Nuno Álvares, que arrancou muitas vitórias no Alentejo e deu boa ajuda a Lisboa,
onde o Mestre ficou sitiado sem se ter podido abastecer das provisões
necessárias para aguentar durante muito tempo o cerco. No entanto,
depois das Cortes de Coimbra em 6 de abril de 1385, o rei D. João I
mostrou-se um bom seguidor das tácticas militares de D. Nuno Álvares, e
do conselho de guerra deste constituído por escudeiros.
Reinado
Finalmente a 6 de abril de 1385, as Cortes portuguesas reunidas em Coimbra
elevam o Grão-Mestre de Aviz, como D. João I, a rei de Portugal. Esta
tomada de posição significava na prática que a guerra com Castela
prosseguiria sem quartel, visto que declarava nulo o estatuto de D.
Beatriz de Portugal, rainha consorte de Castela, como herdeira de D.
Fernando, e isto devido em especial à violação do tratado de Salvaterra
tanto pelo seu marido como por ela (com 11 anos de idade tivera de jurar
o tratado em Badajoz, aquando do casamento). «Venhamos a outra maior
contradição», disse João das Regras, ao começar a falar da «quebra dos trautos» no seu discurso perante as Cortes de Coimbra (Crónica de el-rei D. João I,
cap. CLXXXV). E como os quebrara, não podia suceder ao pai, o
«postumeiro (último) possuidor» destes reinos. É por isso que na
História de Portugal Beatriz não figura como Rainha, pois foram as
próprias Cortes de 1385 a proclamar que ao rei D. Fernando I, postumeiro
possuidor do reino de Portugal, quem sucedeu foi o rei D. João I.
Pouco depois, em junho de 1385, João I de Castela
invade pela 2ª vez Portugal com o objectivo de tomar Lisboa e ver-se
livre do «Mestre D'avis que se chamava rei» (era o modo como os
castelhanos o designavam). Com os castelhanos vinha então um grande
contingente de cavalaria francesa. A França era aliada de Castela
enquanto os ingleses haviam tomado o partido de D. João I (Guerra dos Cem Anos). Como resposta D. João I prepara-se com Nuno Álvares para a batalha decisiva. O Condestável de Portugal,
que o rei nomeara aquando das Cortes de Coimbra, e o seu conselho de
escudeiros montaram então uma tremenda armadilha ao exército castelhano.
A invasão castelhana transformou-se em debandada durante o Verão, depois da decisiva batalha de Aljubarrota travada a 14 de agosto, perto de Alcobaça,
onde o exército castelhano foi quase totalmente aniquilado, apesar de
se encontrarem em vantagem numérica de 4 para 1. Castela teve de
retirar-se do combate e a estabilidade da coroa de D. João I ficou
solidamente garantida. Muitos anos depois um tratado de paz será
definitivamente confirmado, reconhecendo Castela sem quaisquer reservas
D. João I como rei de Portugal.
Casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre
Em 1387, D. João I casa com D. Filipa de Lencastre, filha de João de Gaunt, Duque de Lencastre, fortalecendo por laços familiares os acordos do Tratado de Aliança Luso-Britânica, que perdura até hoje. Depois da morte em 1390
de João de Castela, sem herdeiros de D. Beatriz, a ameaça castelhana ao
trono de Portugal estava definitivamente posta de parte. A partir de
então, D. João I dedicou-se ao desenvolvimento económico e social do
país, sem se envolver em mais disputas com a vizinha Castela ou a nível
internacional. A excepção foi a conquista de Ceuta, no Norte de África, em 1415, uma praça de importância estratégica no controle da navegação na costa de África que é conquistada a 21 de agosto.
Após a sua conquista são armados cavaleiros, na mesquita daquela
cidade, os príncipes D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique. Entretanto, na
véspera da partida de Lisboa, falecera a rainha D. Filipa de Lencastre.
Bandeira pessoal de D. João I com a sua divisa: «Pour bien»
Cronistas contemporâneos descrevem D. João I como um homem arguto,
cioso em conservar o poder junto de si, mas ao mesmo tempo benevolente e
de personalidade agradável. Na juventude, a educação que recebeu como
Grão Mestre da Ordem de Aviz transformou-o num rei invulgarmente culto
para a época.
O seu amor ao conhecimento passou também para os filhos, designados por Luís Vaz de Camões, nos Lusíadas, por "Ínclita geração": o rei D. Duarte de Portugal foi poeta e escritor, D. Pedro, Duque de Coimbra o "Príncipe das Sete Partidas", foi um dos príncipes mais esclarecidos do seu tempo e muito viajado, e o Henrique, Duque de Viseu,
"o navegador", investiu toda a sua fortuna em investigação relacionada
com navegação, náutica e cartografia, dando início à epopeia dos Descobrimentos.
A sua única filha, D. Isabel de Portugal, casou com o Duque da Borgonha e entreteve uma corte refinada e erudita nas suas terras.
No reinado de D. João I foram descobertas as ilhas de Porto Santo (1418), da Ilha da Madeira (1419) e dos Açores (1427), além de se fazerem expedições às Canárias. Teve início, igualmente, o povoamento dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
D. João faleceu a 14 de agosto de 1433. Jaz na Capela do Fundador, no Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha.
Foi cognominado O de Boa Memória, pela lembrança positiva do seu reinado na memória dos portugueses, também podendo ser chamado de O Bom ou O Grande.
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