Sidónio Pais, ditador na I República (assassinado em 1918)
No meio da maior crise financeira de que há memória, o país político prepara-se para comemorar cem anos de república - com maior espavento do que se comemorasse a própria fundação de Portugal.
Lamentavelmente, não é preciso ser monárquico para chegar a esta conclusão: há poucos motivos para festejar. Dos cem anos do regime que se comemora, apenas 34 - um terço - decorreram em democracia plena. Os 15 anos e meio da I República merecem figurar nos manuais como um período histórico que nenhum português gostaria de reviver: sufrágio restrito, jornais encerrados, sindicalistas presos, perseguições religiosas, atentados bombistas, conspirações permanentes, homicídios políticos (um presidente e um primeiro-ministro assassinados), finanças caóticas. Generalizada degradação da autoridade do Estado. Uma absurda e suicida intervenção na I Guerra Mundial que levou o luto a milhares de famílias portuguesas. Intelectuais de todos os matizes - de Fernando Pessoa ao grupo da Seara Nova - clamando por uma "regeneração nacional" que chegou à bruta, a 28 de Maio de 1926: a incompetência dos políticos dessa época adubou o terreno para 48 anos de ditadura.
Na própria I República houve dois períodos ditatoriais, convenientemente omitidos da historiografia oficial: o "golpe das espadas", de Pimenta de Castro (1915), e o bonapartismo reencarnado por Sidónio Pais, fugaz ídolo das massas até ser morto na estação do Rossio (1917-18).
Woodrow Wilson foi presidente dos EUA durante oito anos (1913-21). Neste período, Portugal teve seis presidentes (Manuel de Arriaga, Teófilo Braga, Bernardino Machado, Sidónio, o monárquico Canto e Castro, António José de Almeida), dois golpes de estado e 27 governos, além de várias "incursões" monárquicas, aliás desautorizadas pelo bom senso do último rei, D. Manuel II, exilado no Reino Unido.
Machado Santos, herói do 5 de Outubro (assassinado em 1921)
É isto que amanhã se comemora, novamente com as finanças exangues. Em vez de festejar, os políticos actuais deviam analisar seriamente a profusão de erros e omissões da I República, um regime que não tardou a devorar os seus heróis, começando por Machado Santos, o "bravo da Rotunda", assassinado na sangrenta madrugada de 19 de Outubro de 1921. Deviam também interrogar-se sobre o terreno que eles próprios adubam nos dias de hoje. Não há regimes eternos, como o estudo da História bem demonstra. Em política, toda a incompetência tem um preço: o pior é que a factura costuma ser paga pelos povos.
Sem comentários:
Enviar um comentário