segunda-feira, outubro 04, 2010

O país dos burlões


Da credibilidade de um primeiro-ministro

A minha avó Luísa, com a sabedoria popular de quem anda por cá há mais de 90 anos, dizia esta semana, a propósito das medidas de austeridade anunciadas pelo primeiro-ministro: "Mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo."

Não me atrevo a ir tão longe, até porque, reconheço, há toda uma conjuntura internacional que nos empurrou para onde estamos hoje. Sucede, porém, que quem ouviu o que José Sócrates andou a propagandear no último ano e meio não pode deixar de pensar na velha história do "Pedro e o Lobo", em versão do avesso. Não foi assim há tanto tempo que o chefe do Governo garantiu não haver qualquer descontrolo das contas públicas e da despesa, e que as medidas previstas no malfadado PEC II (aprovado com o PSD) seriam suficientes para alcançar os objectivos orçamentais em 2010 e 2011. E eis que, esta semana, em poucos dias, tudo mudou. Portugal está, afinal, em grandes dificuldades financeiras, os mercados desconfiam da nossa credibilidade e há que pedir (ainda) mais sacrifícios aos portugueses.

Recuemos, pois. A 27 de Setembro de 2009, José Sócrates foi reeleito primeiro-ministro tendo por bandeira as grandes obras públicas como alavanca para o relançamento da economia. E onde estão elas? Congeladas pelo ambiente económico adverso que, à época, o Governo certamente não desconhecia e ainda assim se comprometeu com elas, as obras públicas, em nome do optimismo (hoje percebemos que era afinal irrealismo ou eleitoralismo). Mas houve mais. Promessas de não aumentar a carga fiscal quebradas uma e outra vez. A última agora mesmo com a anunciada subida da taxa máxima do IVA para os 23%, depois de, ao longo do ano, o próprio Sócrates ter repetido que "a consolidação orçamental se fará baseada na redução da despesa e não através de aumento de impostos".

A reeleição foi também conseguida à custa dos aumentos salariais de 2,9% para os funcionários públicos, fixados em Janeiro do ano da graça eleitoral de 2009. Agora, os mesmos funcionários do Estado vêem-se confrontados com cortes médios de 5%, que haviam sido negados em Junho pelo primeiro-ministro. Ou dos novos escalões e dos aumentos no abono de família que agora caem por terra, do cheque-bebé que nunca passou de um decreto, das comparticipações a 100% nos medicamentos que agora acabam e que resistiram um ano na boca do primeiro-ministro.

E isto para não falar do recurso a receitas extraordinárias para cobrir o défice público - veja-se a transferência do fundo de pensões da PT para a esfera do Estado -, que, foi o próprio José Sócrates quem o assegurou mais do que uma vez, jamais em tempo algum aconteceria, porque nunca repetiria o que foi feito pela ex-ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite.

Hoje, parece evidente, estas medidas duras são inevitáveis. Mesmo incontornáveis. É também absolutamente claro que, se tomadas há mais tempo, seriam seguramente menos dolorosas para todos e bastante mais eficazes. São, no entanto, uma contradição absoluta com as ilusões vendidas pelo Governo ao longo do último ano e meio.

Até admito gostar de um primeiro-ministro que se engane e que, não raras vezes, tenha dúvidas. Não gosto é de ser enganado.

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