sábado, maio 10, 2014

João Villaret nasceu há 101 anos

(imagem daqui)

João Henrique Pereira Villaret (Lisboa, 10 de maio de 1913 - Lisboa, 21 de janeiro de 1961) foi um ator, encenador e declamador português.

Teatro
Depois de frequentar o Conservatório Nacional de Teatro, começou por integrar o elenco da companhia de teatro lisboeta Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro.
Mais tarde, fez parte da companhia teatral Os Comediantes de Lisboa, fundada em 1944 por António Lopes Ribeiro e o seu irmão Francisco, mais conhecido por Ribeirinho.
Teve uma interpretação considerada antológica na peça Esta Noite Choveu Prata, de Pedro Bloch, em 1954, no extinto Teatro Avenida, em Lisboa.

Cinema
No cinema, Villaret surge em:
Declamador
Nos anos 1950, com o aparecimento da televisão, transpõe para este meio de comunicação a experiência que adquirira no palco e em cinema, assim como em programas radiofónicos. Aos domingos declamava na RTP, com graça e paixão, poemas dos maiores autores nacionais.
Ficaram célebres, entre outras, as suas interpretações de:
Encontram-se no mercado edições, em CD, do trabalho de Villaret como declamador.

Música
Na música é de destacar, pela sua originalidade:
Fado falado, de Aníbal Nazaré e Nelson de Barros (1947), na revista Tá Bem ou Não 'Tá?, onde se pode ouvir: «Se o fado se canta e chora, também se pode falar».

Homenagens
A 2 de abril de 1960 foi feito Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em Loures há uma Escola com o nome de João Villaret. A escola ensina desde o 5º até ao 9º ano.



Carta de Amor


Ouve-me!, se é que ainda
Me podes tolerar.
Neste papel rasgado
Das arestas da minh'alma,
Ai!, as absurdas intrigas
Que te quisera contar!
Ai os enredos,
Os medos,
E as lutas em que medito,
Quer dê, quer não dê por isso,
Sem descansar
Um momento...!
Quem sofre - pensa; e o tormento
Não é sofrer, é pensar.
O pensamento
Faz engolir o vómito de fel...
Ouve! se sou cruel
Neste papel queimado
Dos incêndios da minh'alma,
é de raiva de que embalde
Te procure dizer sem falsidade
Coisas que, ditas, já não são verdade...
E procuro eu dizê-las,
Ou procuro escondê-las?
E procuro eu dizer-tas,
Ou procuro a vaidade
De mas dizer, a mim, de modo que mas ouçam
Esses mesmos que desprezo,
E cujo louvor me é caro?
Não me acredites!
O que digo,
Antes ou depois, o peso;
E não!, não é a ti que me eu declaro!
Sei que me não entendes.
Sei que quanto melhor te revelar
O meu mundo profundo,
O fundo do meu mar,
Os limos do meu poço,
O antro que é só meu (sendo, apesar de tudo, nosso)
Menos me entenderás,
Tu..., - a minha metade!
Por isso me não és senão vaidade,
Meu amor!, meu pretexto
Deste miserável texto...
Vês como sou?
Mas sou pior do que isto.
Sabe que, se me acuso,
é só por vício antigo
De me lamber as mãos e agatanhar o peito,
De me exibir a Cristo!
Sabe que a meu respeito
Vou além de quanto digo.
Sabe que os males que ora uso,
Como quem usa
Cabeleira ou dentadura,
São a pintura
Que esconde os mais verdadeiros,
De outro teor...
E sabe que sou pior!:
Sabe (se é que o não sabes)
Que ao teu amor por mim foi que ganhei amor.
Que a ti..., sei lá se te amo.
Sei que me deixam sozinho
Ante o girar dos mundos e dos séculos;
Sei que um deserto é o meu caminho;
Sei que o silêncio
Me há-de sepultar em vida;
Sei que o pavor, a noite, o frio,
Serão jardim da minha ermida;
Sei que tenho dó de mim...
Fica tu sabendo assim,
Querida!,
Porque te chamo.
Mas amar-te?!
Não!, minha vida.
Não! Reduziram-me a isto:
Só a mim amo.
Ama-me tu, se podes,
Sem procurar compreender-me:
Poderias julgar que me encontravas,
E seria eu perder-te e tu perder-me...
Ao menos tu..., desiste!
A sobre-humana prova que te peço,
A mais heróica!,
A mais inglória e a mais triste,
é essa..., - é este o meu preço.
Mais que o despeito, o ódio, a incompreensão
Dos por quem passei sereno,
Estendendo a mão afável
Ao frio, pérfido, amável
Aperto da sua mão,
Me punge,
Me pesa no coração,
O fruste amor dos que me interpretaram.
Ai!, bem quiseram amar-me!
Bem o tentaram.
Mas nunca me perdoaram
O não serem dominados
Nem poderem dominar-me...
E assim o nosso amor foi uma luta
De cobardes abraçados.
Entre eu e tu,
Tão profundo é o contrato
Que não pode haver disputa.
Não é pacto
Dum pobre aperto de mão:
Entre nós, - ou sim ou não.
Despi-me..., vê se me queres!
Despi-me com impudor,
Que é irmão do desespero.
Vê se me queres,
Sabendo que te não quero,
Nem te mereço,
Nem mereço ser amado
Pela pior
Das mulheres...
Poderás amar-me assim,
(Como explicar-me?!)
Por Qualquer Cousa que eu for,
Mas não por mim!, não a mim...!

Beijo-te os pés, meu amor.


José Régio

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