D. João de Castro (
Lisboa,
27 de fevereiro de
1500 -
Goa,
6 de junho de
1548) foi um
nobre,
cartógrafo e administrador colonial
português. Foi governador e capitão general, 13.º governador e 4.º
vice-rei do
Estado Português da Índia.
A
TAP Portugal homenageou-o ao atribuir o seu nome a uma das suas aeronaves.
Primeiros anos
Secretário da Casa do Rei D.
Manuel I de Portugal, era filho de D.
Álvaro de Castro, senhor do
Paul de Boquilobo, governador da
Casa do Cível e
vedor da fazenda de
João II de Portugal e de
Manuel I de Portugal; e de D.
Leonor de Noronha, filha do 2.º
conde de Abrantes, D.
João de Almeida, e de D.
Inês de Noronha.
Foi discípulo de
Pedro Nunes e condiscípulo do
Infante D. Luís. Aprendeu
Letras
por vontade do pai, mas "...como por inclinação era muito afeiçoado às
armas, aspirando por elas à glória, a que o exemplo de seus maiores o
chamava", enveredou pela carreira militar. Embarcou aos 18 anos para
Tânger, onde serviu durante nove anos sendo governador daquela praça D.
Duarte de Meneses, e onde foi ordenado
cavaleiro.
D. Duarte escreveu a D. João III, recomendando João de Castro
particularmente, dizendo que ele tinha servido de maneira que nenhum
posto já lhe tivera servido.
De volta ao reino, conservou-se por algum tempo na Corte. Desposou a sua prima, D.
Leonor Coutinho, filha de
Leonel Coutinho, fidalgo da casa de
Marialva, e de D.
Mécia de Azevedo, filha de
Rui Gomes de Azevedo.
Quando o soberano armou a expedição a Tunis, em auxílio a
Carlos V (
1535),
D. João acompanhou o infante D. Luís, distinguindo-se de tal modo que,
com a vitória, Carlos V quis armá-lo cavaleiro, "honra a que se escusou,
por já o haver sido por outras mãos, que o que lhes faltava de reais,
tinham de valorosas". O imperador mandou entregar 2.000 cruzados a cada
um dos capitães da armada, "o que o D. João de Castro também rejeitou,
porque servia com maior ambição da glória, que do prémio".
Em seu retorno, foi recebido por D. João III com grandes provas de consideração. Este, por carta de
31 de janeiro de
1538, concedeu-lhe a comenda de São Paulo de Salvaterra na
Ordem de Cristo,
a qual aceitou pela honra, e não por conveniência, pois era tão pequeno
o rendimento dela que não bastava para as suas despesas, sendo contudo a
primeira e única mercê que recebeu. Professou a
6 de março de 1538, conforme a lista dos cavaleiros daquela Ordem. Retirou-se então para a sua casa na
serra de Sintra, desejando viver só, entregue aos cuidados da família e aos trabalhos agrícolas.
A Índia
Passou pela primeira vez à
Índia Portuguesa como simples soldado, com seu cunhado D.
Garcia de Noronha, nomeado vice-rei, indo render D.
Nuno da Cunha, e que muito estimou levá-lo na armada "não só com os méritos de sucessor", segundo diz
Jacinto Freire de Andrade, mas com a mercê de lhe suceder no governo, que lhe foi concedida por alvará de
28 de Março
de 1538. Embarcou com seu filho D. Álvaro de Castro, que apenas contava
13 anos, dando por distrações daquela idade os perigos do mar.
A armada de D. Garcia de Noronha chegou a Goa com próspera viagem, e
achou o governador D. Nuno da Cunha com a armada pronta a socorrer
Diu,
e pelejar contra as galés turcas, que o tinham sitiado no cerco, que
defendeu António da Silveira. D. Garcia de Noronha, com a posse do
governo, tomou a obrigação de socorrer a praça, "para o que se lhe
ofereceu D. João de Castro, que embarcou no primeiro navio como soldado
aventureiro, parecendo já pressentir os futuros triunfos que o chamavam a
Diu; porém a retirada dos turcos privou D. Garcia da vitória, ou lha
quis dar sem sangue, se menos gloriosa, mais segura."
Falecendo D. Garcia, sucedeu-lhe no governo D.
Estêvão da Gama, e D. João de Castro achou-se com ele na expedição ao
Mar Roxo. D. Estêvão partiu com 12 navios de alto bordo e 60 embarcações de remo, a
31 de Dezembro de
1540,
sendo D. João de Castro o capitão dum galeão. Esta viagem até Suez foi
deveras notável, e D. João fez dela um roteiro minucioso, que ofereceu
ao infante D. Luís. Oito meses depois recolheu a Goa, em
21 de Agosto, tendo adquirido pelas experiências que fizera durante a viagem, o nome de filósofo.
Regressando a Portugal, foi nomeado general da armada da costa em
1543, em prémio dos serviços. Saiu logo para
comboiar as naus, que de viagem se esperavam da Índia, contra os
corsários
que infestavam os mares. Conseguiu desbaratar sete naus dos corsários, e
entrou com as da Índia pela barra de Lisboa, sendo recebido com o maior
entusiasmo. D. João de Castro estava em
Sintra quando o rei, perseguido por altos empenhos ao tratar-se de escolher o sucessor de
Martim Afonso de Sousa,
13.º governador da Índia, consultou, irresoluto, o seu irmão o infante
D. Luís, o qual lhe aconselhou a nomeação de D. João de Castro. Aceitou o
rei o conselho, e mandou chamá-lo à Corte em
Évora, e com palavras lisonjeiras o nomeou, por provisão datada de
28 de fevereiro de
1545. D. João aceitou, beijando a mão do monarca reconhecido pela honra, que não solicitara.
Levou consigo para a Índia os seus dois filhos D. Álvaro e D. Fernando.
Aprestou brevemente a armada, que constava de 6 naus grandes, em que se
embarcaram 2.000 homens de soldo; a capitânia S. Tomé, em que o
governador ia, que lhe deu este nome, por ser o do apóstolo da Índia,
sendo os outros capitães D.
Jerónimo de Meneses, filho e herdeiro de D. Henrique, irmão do
marquês de Vila Real,
Jorge Cabral, D.
Manuel da Silveira,
Simão de Andrade e Diogo Rebelo. A armada partiu a
24 de março de
1515. D. João recebera a mercê da carta de conselho com data de
7 de janeiro de 1515 e fizera o seu testamento a
19 de março, deixando testamenteiros
Lucas Geraldes, D. Leonor, sua mulher, e D. Álvaro, seu filho; instituiu o morgado na
quinta da Fonte D'El-Rei, em
Sintra, denominada da
Penha Verde.
A armada chegou a
Goa em
setembro. Lançado nos complicadíssimos negócios da administração da
Índia, teve de pegar em armas contra o Hidalcão, por lhe não querer
entregar o prisioneiro Meale, como seu antecessor estava resolvido a
fazer.
Hidalcão foi derrotado a duas léguas da cidade de Goa, e viu-se obrigado a pedir a paz. Acabado o incidente,
1546 trouxe outro deveras gravíssimo, a guerra de Diu, promovida por
Coge Çofar,
que pretendia vingar a derrota sofrida. Travou-se ardente luta, e no
fim de sangrentos episódios, foram derrotados os portugueses. D. João de
Castro mandou novo reforço, e, não contente com isso, organizou nova
expedição que ele próprio comandou. Desta vez ficaram vitoriosas as
tropas portuguesas; o inimigo teve de levantar o cerco e fugiu, deixando
prisioneiros e artilharia. Para reedificar a
Fortaleza de Diu,
que depois da vitória ficara derrubada até ao cimento, D. João escreveu
aos vereadores da Câmara de Goa, a fim de obter um empréstimo de 20.000
pardaus para as obras da reedificação, a célebre carta, datada de
23 de novembro de
1546,
em que ele dizia, que mandara desenterrar seu filho D. Fernando, que os
mouros mataram nesta fortaleza, para empenhar os seus ossos, mas que o
cadáver fora achado de tal maneira que não se pudera tirar da terra;
pelo que, o único penhor que lhe restava, eram as suas próprias barbas,
que lhe mandava por
Diogo Rodrigues de Azevedo;
porque todos sabiam, que não possuía ouro nem prata, nem móvel, nem
coisa alguma de raiz, por onde pudesse segurar as suas fazendas, e só
uma verdade seca e breve que Nosso Senhor lhe dera. É heroico este ato.
Tanta era a consciência da própria honra que empenhava os ossos do
filho, depois as barbas, ao pagamento duma soma que pedia para o serviço
do rei, e não para si. O povo de Goa respondeu a esta carta com quantia
muito superior à que fora pedida, vendo que tinham um governador tão
humilde para os rogar, e tão grande para os defender. Remeteram-lhe
aquele honrado penhor, acompanhado do dinheiro e duma carta muito
respeitosa solicitando por mercê que aceitasse aquela importância, que a
cidade de Goa e seu povo emprestavam da sua boa e livre vontade, como
leais vassalos de El-Rei. A carta tem a data de
27 de dezembro de
1547.
Vice-Rei e anos finais
Depois da vitória de Diu, não pôde D. João descansar. Teve novamente de combater Hidalcão, que derrotou, tomando
Bardez e
Salsete. Dirigiu-se para
Diu,
mas havendo só a notícia do socorro que levava, assustado o inimigo
fugiu, voltou a Goa, onde se viu obrigado a repelir ainda o Hidalcão,
destruindo-lhe os portos. Havendo chegado a Lisboa a fama das suas
proezas no Oriente, o rei quis recompensá-lo, enviando-lhe o título de
vice-rei, em carta de
13 de outubro de
1547, prorrogando-lhe o governo por mais três anos, dando-lhe uma ajuda de custo de 10.000
cruzados, e concedendo ao seu filho D.
Álvaro o posto de
capitão-mor do mar da Índia.
As mercês chegaram tarde para que o novo vice-rei as pudesse gozar.
Cansado pelos trabalhos das contínuas guerras, adoeceu gravemente, e
reconhecendo em poucos dias indícios de ser mortal a doença, quis
livrar-se do encargo do governo. Chamou o bispo D.
João de Albuquerque, D.
Diogo de Almeida Freire, o Dr.
Francisco Toscano,
chanceler-mor do Estado,
Sebastião Lopes Lobato,
ouvidor geral, e
Rodrigo Gonçalves Caminha,
vedor da Fazenda, e entregando-lhes o Estado com a paz dos príncipes
vizinhos assegurado sobre tantas vitórias, mandou vir à sua presença o
governador popular da cidade, o
vigário Geral da Índia, o guardião de São Francisco,
Frei António do Casal,
São Francisco Xavier
e os oficiais da Fazenda do rei. Dirigiu-lhes então as seguintes
palavras: "Não terei, senhores, pejo de vos dizer, que ao vice-rei da
Índia faltam nesta doença as comodidades que acha nos hospitais o mais
pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente; a vós mesmo
quis empenhar os ossos de meu filho, e empenhei os cabelos da barba,
porque para vos assegurar, não tinha outras tapeçarias nem baixelas.
Hoje não houve nesta casa dinheiro, com que se me comprasse uma galinha;
porque nas armadas que fiz, primeiro comiam os soldados os salários do
governador, que os soldos do seu rei; e não é de espantar; que esteja
pobre um pai de tantos filhos. Peço-vos, que enquanto durar esta doença
me ordeneis da fazenda real uma honesta despesa, e pessoa por vós
determinada, que com modesta taxa me alimente."
O Magnetismo Terrestre no Roteiro de Lisboa a Goa: as experiências de D. João de Castro
Os antigos Gregos haviam descoberto que uma pedra metálica escura podia
repelir ou atrair objetos de ferro - era a origem do estudo do
magnetismo.
Na época das grandes navegações, não se conseguia localizar um navio no
mar pelas duas coordenadas, a latitude e a longitude; a determinação
desta exigia um relógio a bordo que indicasse a hora exata no meridiano
de referência, e a determinação astronómica da longitude dava erros
inaceitáveis. Durante a viagem até à Índia, D. João de Castro levou a
cabo um conjunto de experiências que conseguiu detetar fenómenos,
nomeadamente relacionados com o magnetismo e com as agulhas magnéticas a
bordo. É de supor que devia esses conhecimentos a
Pedro Nunes,
naturalmente o direto inspirador de todas as observações que realizou
nas suas viagens. Quando em 5 de agosto de 1538, D. João de Castro
decidiu determinar a latitude de Moçambique, encontrou a causa que
ditava o «espantoso desconcerto» das agulhas: notou o desvio da agulha,
descobrindo-o 128 anos antes de
Guillaume Dennis (1666), de
Nieppe,
o qual é registado na História da Navegação como se fosse o primeiro a
conhecer esse fenómeno. A sua observação nas proximidades de
Baçaim, em
22 de dezembro de
1538,
de um fenómeno magnético, pelo qual se verificavam variações da agulha
devido à proximidade de certos rochedos, confirmadas quatro séculos mais
tarde, foi denominado atração local. D. João de Castro refutou a
teoria de que a variação da declinação magnética não se fazia por
meridianos geográficos. As suas observações são o mais importante
registo de valores da declinação magnética no
Atlântico e no
Índico, no
século XVI,
e úteis para o estudo do magnetismo terrestre. Foi uma das
personalidades da ciência experimental europeia desse século,
relacionando a importância desse estudo com as navegações. O seu nome
ficou ligado à ciência pelas suas obras que evidenciavam uma tendência
para o moderno espírito científico.