(imagem daqui)
Poema
Um silêncio vazio está demasiado perto da loucura.
Temos de ritmá-lo continuamente. E logo
esvaziá-lo dos especialíssimos silêncios do remorso
alimentá-lo sem cessar de outros silêncios
dar-lhe sempre e sempre o veludo das carícias.
Passeio-me na solidão como a um cão de luxo.
Povoo-a de regularidades e higiene.
Alço a metafísica como uma pesada pata trazeira.
E com a possível e muito estudada simplicidade
jorro-me contente nos bocados mais amargos.
Abri, suponho, a porta errada.
E saí para dentro desta calma máquina de moer cristal.
Tateio as engrenagens de mucosa
estou todo fora cá dentro, arranho-me e é bom.
Com extrema doçura amarelece a infância
nas caixas ordenadas em cada visita.
Se pensamento possível, miro-me.
Reconheço-me: olá, subo à nespereira pela malícia acima
toco o arco das bruxas, e, enforquilhado
tiro a broa das alhadas do bife
e berlindo o Universo com dois olhos contentes
e, obviamente incontáveis, caroços de nêspera.
António Quadros (pintor)
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