Antônio Carlos Gomes (Campinas, 11 de julho de 1836 - Belém, 16 de setembro de 1896) foi o mais importante compositor de ópera brasileiro. Destacou-se pelo estilo surrealista, com o qual obteve carreira de destaque na Europa. Foi o primeiro compositor brasileiro a ter suas obras apresentadas no Teatro alla Scala. É o autor da ópera O Guarani.
Carlos Gomes nasceu em Campinas e ficou conhecido por Nhô Tonico, nome com que assinava, até, suas dedicatórias. Nasceu numa segunda-feira numa humilde casa da Rua da Matriz Nova, na "cidade das andorinhas". Foram seus pais Manuel José Gomes (Maneco Músico) e dona Fabiana Jaguari Gomes.
A
vida de Antônio Carlos Gomes foi, sempre, marcada pela dor. Muito
criança ainda, perdeu a mãe, tragicamente, assassinada aos vinte e oito
anos. O seu pai vivia em dificuldades, com diversos filhos para
sustentar. Com eles, formou uma banda musical, onde Carlos Gomes
iniciou seus passos artísticos. Desde cedo, revelou os seus pendores
musicais, incentivado pelo pai e depois por seu irmão, José Pedro de
Sant'Ana Gomes, fiel companheiro das horas amargas.
É na banda
do pai, que mais tarde Carlos Gomes viria a substituir, que ele vai
fazer, em conjunto com os seus irmãos, as primeiras apresentações em
bailes e em concertos. Nessa época, Antônio Carlos Gomes alternava o
tempo entre o trabalho numa alfaiataria costurando calças e casacos, e o
aperfeiçoamento dos seus estudos musicais.
Aos quinze anos de idade, compõe valsas, quadrilhas e polcas. Aos dezoito anos, em 1854, compõe a primeira Missa, Missa de São Sebastião, dedicada ao pai e repleta de misticismo. Na execução cantou alguns solos.
A emoção que lhe embargava a voz comoveu a todos os presentes,
especialmente ao irmão mais velho, que lhe previa os triunfos. Em 1857, compõe a modinha Suspiro d'Alma com versos do poeta romântico português Almeida Garrett.
Ao
completar 23 anos, já apresentara vários concertos, com o pai. Moço
ainda, lecionava piano e canto, dedicando-se, sempre, com afinco, ao
estudo das óperas, demonstrando preferência por Giuseppe Verdi. Era conhecido também em São Paulo, onde realizava, frequentemente, concertos, e onde compôs o Hino Académico, ainda hoje cantado pela mocidade da Faculdade de Direito.
Aqui, recebeu os mais amplos estímulos e todos, sem discrepância,
apontavam-lhe o rumo da Corte, em cujo conservatório poderia
aperfeiçoar-se. Todavia, Carlos Gomes não podia viajar porque não tinha
recursos.
Primeira ópera
Em 4 de setembro de 1861, foi cantada, no Teatro da Ópera Nacional, A Noite do Castelo, o primeiro trabalho de fôlego de Antônio Carlos Gomes, baseado na obra de Antônio Feliciano de Castilho.
Constituiu uma grande revelação e um êxito sem precedentes, nos meios
musicais do País. Carlos Gomes foi levado para casa em triunfo por uma
entusiástica multidão, que o aclamava sem cessar. O Imperador, também
entusiasmado com o sucesso do jovem compositor, agraciou-o com a Imperial Ordem da Rosa.
Carlos
Gomes conquistou logo a Corte. Tornou-se uma figura querida e popular.
Os seus cabelos compridos eram motivo de comentários, e até ele ria
das piadas. Certa vez, viu um anúncio, que fora emendado: de "Tônico
para cabelos", fizeram "Tonico, apara os cabelos!". Virou-se para seu
inseparável amigo Salvador de Mendonça
e disse, sorrindo: - Será comigo? Francisco Manuel costumava dizer, a
respeito do jovem músico: "O que ele é, só a Deus e a si o deve!"
A
saudade de sua querida Campinas e de seu velho pai atormentava-lhe o
coração. Pensando também na sua amada Ambrosina, com quem namorava,
moça da família Correia do Lago, Carlos Gomes escreveu essa jóia que se
chama Quem sabe?, de uma poesia de Bittencourt Sampaio, cujos versos "Tão longe, de mim distante… " ainda são cantados pela nossa geração.
Dois anos depois desse memorável triunfo, Carlos Gomes apresenta sua segunda ópera, Joana de Flandres, com libreto de Salvador de Mendonça, levada à cena em 15 de setembro de 1863.
Como corolário do êxito, na Congregação da Academia Imperial de Belas Artes, foi lido um ofício do diretor do Conservatório de Música, comunicando ter sido escolhido o aluno Antônio Carlos Gomes para ir à Europa, às expensas da Empresa de Ópera Lírica Nacional, conforme contrato com o Governo Imperial. Estava, assim, concretizada a velha aspiração do moço campineiro,
que, mesmo comovido, ao ir agradecer ao Imperador a magnanimidade,
ainda se lembrou do seu velho pai e solicitou para este o lugar de
mestre da Capela Imperial. Dom Pedro II, enternecido ante aquele gesto de amor filial, acedeu.
Europa
O Imperador preferia que Carlos Gomes fosse para a Alemanha, onde pontificava o grande Wagner, mas a Imperatriz, Dona Teresa Cristina, napolitana, sugeriu-lhe a Itália.
A 8 de novembro de 1863,
o estudante partiu, a bordo do navio inglês Paraná, entre calorosos
aplausos dos amigos e admiradores, que se comprimiam no cais. Levava
consigo recomendações do Imperador Dom Pedro II para o Rei Fernando, de Portugal, pedindo que apresentasse Carlos Gomes ao diretor do Conservatório de Milão, Lauro Rossi. O jovem compositor passou por Paris, onde assistiu a alguns espetáculos líricos, mas seguiu logo para Milão.
Lauro Rossi, encantado com o talento do jovem aluno, passou a protegê-lo e a recomendá-lo aos amigos. Em 1866,
Carlos Gomes recebia o diploma de mestre e compositor e os maiores
elogios de todos os críticos e professores. A partir dessa data, passou a
compor. A sua primeira peça musicada foi Se sa minga, em dialeto milanês, com libreto de Antonio Scalvini, estreada, em 1 de janeiro de 1867, no Teatro Fossetti. Um ano depois, surgia Nella Luna, com libreto do mesmo autor, levada à cena no Teatro Carcano.
Carlos
Gomes já gozava de merecido renome na cidade de Milão, grande centro
artístico, mas continuava saudoso da pátria e procurava um argumento
que o projetasse definitivamente. Certa tarde, em 1867, passeando pela
Praça do Duomo, ouviu um garoto apregoando: "Il Guarany! Il Guarany!
Storia interessante dei selvaggi del Brasile!" Tratava-se de uma
péssima tradução do romance de José de Alencar, mas aquilo interessou
de súbito o maestro, que comprou o folheto e procurou logo Scalvini,
que também se impressionou pela originalidade da história. E, assim,
surgiu O Guarani, que apesar de não ser a sua maior nem a melhor obra, foi aquela que o imortalizou. A noite de estreia da nova ópera foi 19 de março de 1870.
Não
há quem não conheça os maravilhosos acordes de sua estupenda abertura.
A ópera ganhou logo enorme projeção, pois se tratava de música
agradável, com sabor bem brasileiro, onde os índios tinham papel de
primeiro plano. Foi representada em toda a Europa e na América do Norte.
O grande Verdi, já glorioso e consagrado, teria dito de Carlos Gomes, nessa noite memorável: "Questo giovane comincia dove finisco io!" ("Este jovem começa de onde eu termino!").
E, na noite de 2 de dezembro
de 1870, aniversário do Imperador D. Pedro II, em grande gala, foi
estreada a ópera no Teatro Lírico Provisório, no Rio de Janeiro. Os
principais trechos foram cantados por amadores da Sociedade Filarmónica.
O maestro viveu horas de intensa consagração e emoção. Depois, O Guarani
foi levado à cena nos dias 3 e 7 de dezembro, sendo que, nesta última
noite, em benefício do autor. Nesta data, o maestro ficou conhecendo André Rebouças. Após o espetáculo, houve uma alegre marche au flambeaux, com música, até ao Largo da Carioca,
onde estava hospedado Carlos Gomes, em casa de seu amigo Júlio de
Freitas. Por intermédio de André Rebouças, o compositor foi apresentado
ao ministro do Império, João Alfredo Correia de Oliveira, em sua casa, nas Laranjeiras. Em 1871, a 1 de janeiro, Carlos Gomes vai a Campinas, visitar o seu irmão e protetor José Pedro Santana Gomes. Em 18 de fevereiro, com André Rebouças, despede-se do Imperador, em São Cristóvão. E, no dia 23, segue para a Europa novamente.
Outros triunfos
Na
Itália, Carlos Gomes casou-se com Adelina Péri, que devotou toda a sua
vida ao maestro. Desse casamento nasceram cinco filhos, muito amados
pelo compositor. Todavia, um a um foram morrendo em tenra idade, tendo
restado somente Ítala Gomes Vaz de Carvalho, que escreveu um livro, em
que honrou a memória do seu glorioso pai. Na península itálica, Carlos
Gomes escreveu, a seguir, Fosca, considerada por ele sua melhor obra, Salvador Rosa e Maria Tudor.
Em 1866, recebeu Carlos Gomes, de novo no Brasil, uma justa consagração na Bahia, onde, a pedido do grande pianista português, Artur Napoleão, compôs o Hino a Camões, para o Quarto Centenário Camoniano, executado simultaneamente ali e na Corte, com grande sucesso.
Carlos
Gomes, porém, não mais perseguia somente a glória. Abalado por
seguidos e profundos desgostos, doente, desiludido, procurava uma
situação que lhe permitisse viver em sua pátria e ser-lhe útil. Seu
estado, contudo, era mais grave do que supunha.
De volta à Itália, compôs a grande ópera Lo Schiavo, que entretanto, por vários motivos, não pôde ser representada ali. Foi levada à cena, pela primeira vez, em 27 de setembro de 1887, no Rio de Janeiro, em homenagem à Princesa Isabel,
a Redentora, com esplêndido sucesso. Interessante dizer que a abertura
desta ópera, Alvorada, foi composta na Ilha de Paquetá, no Município
do Rio de Janeiro, onde se encontra um busto de Carlos Gomes, pouco
conhecido.
Final
Em 3 de fevereiro de 1891, outra vez na Itália, Carlos Gomes estreia, no Scala de Milão, a ópera Condor, com grande êxito, pois, nessa peça, apresentara uma nova forma, muito mais próxima do recitativo moderno.
O
tumor maligno na língua e garganta que o levaria ao túmulo, nessa
época, fazia-o sofrer dolorosamente. Todavia, as desilusões, as
decepções, a ingratidão de seus compatriotas e as dores físicas ainda
não lhe haviam quebrado a resistência. Ainda estava à espera de sua
nomeação para o cargo de diretor do Conservatório de Música, no Brasil.
Nesse tempo foi proclamada a República, e o seu grande amigo e protetor, Dom Pedro II, é exilado, com grande mágoa de Carlos Gomes. Compôs, ainda, Colombo em 1892, poema sinfónico que, incompreendido pelo grande público, não obteve êxito.
Finalmente, após tanto sofrimento, chegou-lhe um convite. Lauro Sodré, então governador do Pará,
pediu-lhe para organizar e dirigir o Conservatório daquele Estado.
Carlos Gomes volta para a Itália, a fim de pôr em ordem suas coisas,
despedir-se dos filhos e reunir elementos para uma obra grandiosa que,
apesar de seu estado, sempre mais grave, ainda conseguiu realizar.
Amigos aconselharam-no a fazer uma estação em Salso Maggiore, mas ele
desejava partir, quanto antes, para sua pátria. Chegou a Lisboa, por estrada de ferro, e recebeu comovedora homenagem. A 8 de abril de 1895,
nessa mesma cidade, sofre a primeira intervenção cirúrgica na língua,
sem resultados animadores. Embarca, no vapor Óbidos, para o Brasil. De
passagem por Funchal, tem o prazer de abraçar o seu velho amigo André Rebouças, ali exilado.
Em 14 de maio,
foi recebido pelo povo paraense com enternecedoras manifestações de
apreço. No entanto os últimos dias de Carlos Gomes em Belém foram de
grande sofrimento. Seu mal era muito grave, e os esforços médicos não
conseguiam diminuir as dores.Uma única vez ele saiu de casa, quando foi
ao Conservatório de Música, que não chegou a dirigir. No dia 11 de julho,
data de seu aniversário, as homenagens tributadas ao compositor davam a
medida da afetividade que inspirava. Em vários pontos da cidade
ouviam-se os acordes da protofonia de O Guarani,
e os jornais alimentavam a dor pública com o relatório constante do
agravamento do estado geral do compositor. Estava montado o cenário onde
aconteceria a representação final do pathos do artista genial, do
brasileiro ilustre, do consagrado testa di leone (cabeça de leão,
devido à farta cabeleira), como algumas publicações italianas o
chamavam. Cercado por autoridades e amigos, com o governador Lauro Sodré
à cabeceira, Carlos Gomes morreu às 22.20 horas de 16 de setembro de
1896. O seu corpo foi embalsamado, fotografado e, em seguida, exposto
para a visitação pública, cercado de flores e objetos como partituras e
instrumentos, bem de acordo com a idealizada "morte bela" do
Romantismo. Descrevendo os cenários da morte, os joranaizadas ratavam
com solenidade o acontecimento, destacando o repouso, o sono intérmino,
o triunfo silente do grande artista. Diziam os jornais, o maestro não
morrera; antes, cruzara os umbrais da Fama!
Dois
dias depois do falecimento, o corpo do maestro foi transferido para o
Conservatório de Música. O cortejo varou a noite de Belém. Desatrelado
das parelhas de animais, o carro funerário era conduzido pelo povo,
numa insólita romaria colonial anunciada pelos acordes de O Guarani e
iluminado pelas velas e archotes levados no préstito ou dispostos nas
varandas das casas. De 18 a 20 de setembro de 1896, o corpo ficou
exposto em câmara ardente nos salões do Conservatório de Música, que se
transformou em santuário cívico e espaço para as representações do
afeto coletivo pelo compositor, como registram as imagens de época. Em
seguida, foi levado para o Cemitério da Soledade, um misto de panteão e cemitério-jardim, onde estavam sepultados heróis da guerra do Paraguai,
como o general Henrique Gurjão, acompanhado por aproximadamente 70 mil
pessoas, que levavam andores, quadros, alegorias e guirlandas. Numa
Belém cujos círculos letrados eram fortemente influenciados pelo
positivismo, mas a gente do povo cristã, o cortejo fúnebre tornou-se uma
verdadeira procissão cívica, em grande parte por iniciativa também do
governo do Pará, que instrumentalizou a morte de Carlos Gomes.
O maestro porém, não foi sepultado em Belém. A pedido do presidente do Estado de São Paulo, Campos Sales, o compositor foi levado para lá, com honras e transporte militares, a bordo do vapor Itaipu. Antes, na setecentista Catedral da Sé
no Pará, foi celebrada uma missa de réquiem entoando-se uma Elegia a
Carlos Gomes. O seu ataúde dominava o centro de um monumento funerário
de quatorze metros de altura, em um catafalco encomendado por Lauro
Sodré. O culto aos grandes homens dava forma à religião cívica do
positivismo e exaltava os nomes reconhecidos pela Humanidade. Ao final
das cerimónias litúrgicas e ao deixar o porto de Belém rumo a Santos, o
Itaipu não transportava apenas os restos de Carlos Gomes. Também
conduzia o corpo de um mito que alimentara a imaginação de um Brasil
singular até mesmo em suas representações.
Diante
de seu estado, pouco antes de morrer o governo de São Paulo autorizou
uma pensão mensal de dois contos de réis, enquanto ele vivesse e, por
sua morte, de quinhentos mil réis, aos seus filhos, até completarem a
idade de 25 anos. Nessa ocasião, existiam somente dois filhos do
glorioso maestro.
Dias antes de sua morte, Carlos Gomes diria, fatalista: "Qual, o mano Juca não chega… eu sou mesmo o mais caipora dos caipiras…"
Os gloriosos despojos do maestro, se encontram hoje no magnífico monumento-túmulo, em Campinas, sua terra natal, na Praça Antônio Pompeu. A duas ruas dali está o Museu Carlos Gomes, que reúne objetos e partituras do compositor.
Em 1936, em todo o País, foi comemorado o centenário de seu nascimento, com grandes solenidades.
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