Como um único dente revela a existência do maior ornitorrinco do mundo
Reconstituição de como seria o maior ornitorrinco
Descoberta na Austrália contraria ideias anteriores sobre a árvore evolutiva das espécies deste mamífero.
O envio de um exemplar de ornitorrinco da Austrália para o Reino
Unido em 1798 suscitou muitas dúvidas nos cientistas acerca da
veracidade do espécime. Parecia-lhes uma montagem de um bico de pato num
corpo semelhante ao de um castor. Apesar de a classificação do
ornitorrinco como um mamífero já não causar dúvidas científicas, os seus
hábitos actuais e os seus antepassados extintos continuam a despertar o
interesse dos cientistas, como aconteceu com a descoberta do fóssil do
maior ornitorrinco do mundo.
O Ornithorhynchus anatinus
é a única espécie de ornitorrinco ainda viva. As características quase
antagónicas deste grupo – corpo coberto de pêlo, reprodução por ovos,
alimentação das crias com leite mas sem mamilos, bico semelhante ao de
uma ave, e esporões que produzem veneno nas patas traseiras dos machos –
têm fascinado os cientistas desde que foi descoberto.
De facto, a descodificação do genoma do Ornithorhynchus anatinus
revelou que este animal australiano apresenta genes parecidos com os de
outros mamíferos, mas também com os de répteis e de aves.
Descrita na revista Journal of Vertebrate Paleontology, a nova espécie de ornitorrinco Obdurodon tharalkooschild foi encontrada na jazida de Riversleigh (Austrália). Tem cinco a 15 milhões de anos e poderá ter coexistido com a espécie Obdurodon dicksoni,
mostrando que a família dos ornitorrincos não tem um único ramo, como
inicialmente se pensava. Assim, a sua árvore evolutiva teve pelo menos
uma ramificação e terá sido a partir da linhagem do Obdurodon dicksoni que surgiram aos ornitorrincos actuais.
“A
descoberta desta nova espécie foi surpreendente para nós, porque o
registo fóssil sugeria que a árvore evolutiva dos ornitorrincos era
relativamente linear”, afirma Michael Archer, da Universidade da Nova
Gales do Sul, na Austrália, citado num comunicado de imprensa.
Esta
nova espécie foi descrita com base num único dente. Mesmo assim, a
equipa considerou que este fóssil era suficiente para revelar aspectos
importantes deste animal. Por um lado, tinha dentes, tal como as outras
duas espécies conhecidas do género Obdurodon (o O. dicksoni e o O. insignis), ao contrário dos ornitorrincos modernos. Por outro lado, teria um metro de comprimento, o dobro dos actuais ornitorrincos.
O ornitorrinco mais antigo é sul-americano
Todos
os fósseis de ornitorrincos encontrados anteriormente indicavam que o
tamanho destes animais e dos seus dentes teriam vindo a diminuir desde o
Monotrematum sudamericanum, um ornitorrinco sul-americano, com
61 milhões de anos, o mais antigo que se conhece. Actualmente, os
dentes são apenas vestigiais.
Além disso, as características dos
molares de todos os ornitorrincos conhecidos até agora eram semelhantes,
o que indicava uma linha evolutiva única, sem ramificações. Agora, a
nova espécie, que é mais recente e maior do que o Monotrematum sudamericanum, vem baralhar a árvore evolutiva, tendo em conta as características únicas do seu molar.
Tal como os restantes ornitorrincos, o Obdurodon tharalkooschil”
seria principalmente aquático, refere Suzanne Hand, também da
Universidade da Nova Gales do Sul. “Provavelmente, alimentava-se não só
de lagostins e de outros crustáceos de água doce, mas também de pequenos
vertebrados como peixes pulmonados, rãs e tartarugas, que foram
encontrados na mesma jazida.” Esta alimentação é evidenciada pelo tipo
de dente encontrado, mais adequado para esmagar do que para cortar as
presas.
O nome escolhido para esta espécie – tharalkooschild
– baseia-se numa história aborígene sobre a origem do ornitorrinco.
Tharalkoo era uma jovem pata desobediente. Apesar dos avisos dos seus
pais, nadou rio abaixo e foi apanhada por Bigoon, um macho de
ratazana-de-água. Tharalkoo conseguiu escapar e voltar para juntos dos
seus pais, mas do seu ovo, em vez de nascer um patinho fofo, surgiu uma
quimera com bico, pêlo, membranas digitais nas patas traseiras e patas
dianteiras como as dos ratos. Nascia assim o primeiro ornitorrinco.
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