sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Edmundo Bettencourt morreu há 40 anos

(imagem daqui)

Edmundo Bettencourt estabelece uma profunda mudança no panorama do Fado/Canção de Coimbra em plena primeira década de oiro do Fado/Canção de Coimbra, pois Bettencourt vai buscar temas de vários pontos do país. Disso são exemplo a “Tirana do Faial” ou “Lá vai Serpa, lá vai Moura”, transformando ele na voz e Artur Paredes na Guitarra, como já referimos anteriormente no que diz respeito a Artur Paredes.

Passando agora ao percurso de Edmundo Bettencourt, há que esclarecer que não era açoriano, como é muitas vezes referido, mas sim madeirense. Tal facto pode ser comprovado na sua Certidão de Idade do Arquivo da Universidade de Coimbra, onde é referido que nasceu às duas horas da manhã do dia sete de agosto de 1899, na Freguesia da Sé, Funchal.

Chegada a altura de frequentar a Universidade, segundo António Nunes, ingressa na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 1918. Apenas no ano lectivo de 1922-1923 se inscreve na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, para frequentar o quinto ano de Direito e vem viver para Coimbra. Da consulta dos Anuários da Universidade de Coimbra, conferimos que esteve inscrito em Direito dos anos lectivos de 1922-1923 a 1924-1925, sendo que posteriormente não surge qualquer referência a uma matrícula de Bettencourt. O facto é que nunca chegou a terminar o Curso de Direito.

Paralelamente ao Fado/Canção de Coimbra, não podemos esquecer que Edmundo Bettencourt foi poeta e, entre a sua poesia resolvemos destacar este soneto da sua autoria intitulado “Sugestão”:

Entro na Igreja majestosa e calma,
Erro na sombra sob as arcarias
Anda no ar silêncio, e a minha alma
Toma a frieza das colunas frias


Numa capela triste aonde espalma,
Doirado ilustre, chamas fugidias,
Tocam-me o peito as setas duma palma
A evocar-me de Cristo em agonias


Começa o som do órgão, morno, errante,
E o aroma do incenso penetrante
Como as garras aduncas do tormento


E o já desejo acre de esquecer,
De o longe e o mundo eu só escutar e ver,
No coração me nasce brando e lento

E será no âmbito da poesia que também ficará ligado a um movimento que surge em Coimbra: a “Presença”, que várias fontes referem que Bettencourt, além de se ter relacionado com o grupo literário que origina o movimento “Presença” (Miguel Torga, José Régio, Branquinho da Fonseca, entre outros), de que foi fundador, terá sido mesmo Bettencourt que deu o nome de “Presença”, embora tenha abandonado o grupo em 1930, como refere o periódico Diário de Notícias de três de fevereiro de 1973. Segundo esta fonte, foi, também nesta altura que terá publicado a obra “O momento e a legenda”, sendo a sua obra poética publicada toda em conjunto em 1964 com o título “Poemas de Edmundo Bettencourt”, com prefácio de Herberto Hélder.

Ao abandonar Coimbra para o seu “exílio” lisboeta, sem tirar o Curso de Direito, dois periódicos referem que a sua profissão foi delegado de informação médica, função que terá exercido até à aposentação, pelo que refere o Diário de Lisboa de dois de Fevereiro de 1973.

Em relação ao Fado/Canção de Coimbra, tem uma voz característica que interpreta novos temas tanto de Coimbra:

Coimbra menina e moça
Rouxinol de Bernardim
Não há terra como a nossa
Não há no mundo outra assim


Coimbra é de Portugal
Como a flor é do jardim
Como a estrela é do céu
Como a saudade é de mim.

Temas de outras zonas do pais, por exemplo do Alentejo:
Lá vai Serpa, lá vai Moura
Ai, as Pias, ficam no meio/
uem vier à minha terra
Ai, não tem que ter receio


Teus olhos linda morena
Ai, deixam-me a alma sombria
Quero-te mais ó morena
Ai, do que a luz de cada dia.

Ou dos Açores:
Ó Tirana, saudade
Saudade, ó minha saudadinha
Foste nada no Faial
Baptizada na achadinha

Ou seja, Bettencourt, traz para o Fado/Canção de Coimbra uma nova forma de cantar e temas que não era de Coimbra nem da sua região foram adaptados ao Fado/Canção de Coimbra caracterizando-se a sua voz, segundo Jorge Cravo de canto acutilante e agreste […] intensidade vocal […] impetuosidade e brutalidade de algumas notas cantadas.

No entanto, não terá sido apenas os temas novos de várias regiões do país, mas a própria divulgação do Fado/Canção de Coimbra de matriz coimbrã, se tivermos em conta as palavras do Dr. Afonso de Sousa: Até a própria canção de pura raiz coimbrã, que a voz privilegiada de Edmundo de Bettencourt proclamou ad urbi et orbi (a canção “Coimbra menina e moça”).

Faleceu em Lisboa no dia 1 de fevereiro de 1973, referindo o Diário de Notícias que o seu corpo seguiu da Igreja de S. José para o Cemitério do Alto de S. João.

Também a placa que foi colocada na casa onde viveu em Coimbra, à entrada a Rua dos Coutinhos (junto à Sé Velha) mantém o seu memorial, destacando-se, obviamente, os versos da autoria de José Régio já sobejamente conhecidos:

Gritos de Cristal e de oiro
Que o Bettencourt alto erguia
Que é da roda que algum dia
Vos havia de acompanhar


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