Google Doodle de 31.12.2012
RECOMENDAÇÕES DE ANO NOVO
Mais uma vez devo dizer-te:
cuidado com o ladrão
que se aproveita da escuridão
para pôr a mão gelada
no teu coração.
Mais uma vez devo alertar-te:
cuidado com a solidão
que tem a cor do açafrão
com o salto do salmão
e as alças douradas do caixão.
Mais uma vez te advirto:
cuidado com a concisão
com o estrondo do trovão
as terras de aluvião
e a boca do balão.
Mais uma vez te aconselho:
não acredites em nada
que sai na televisão.
Cuidado com a chave do portão
e as mordidas do leão.
Fica também atento
aos efeitos do ar refrigerado
frio covil de ácaros
e aos sonhos esbraseados
pela ígnea madrugada.
Recomendo-te a maior precaução
com o carro vermelho dos bombeiros
e as pessoas nascidas em Fevereiro.
Devemos sempre desconfiar
da cortesia dos coveiros.
Cuidado com as flores de cactos
os erros de ortografia, os muros de arrimo
e a névoa seca que encobre os aeroportos.
Cuidado com as flores de retórica.
Nos passeios campestres, cuidado com os meteoros.
Estende o teu cuidado à morte súbita,
às camisas-de-vênus, às balizas,
às enchovas das pizzas, aos gestos obscenos,
às usinas nucleares, às coisas de somenos
e à brisa dos crepúsculos serenos.
Não evoques jamais os amores perdidos
iguais aos destroços dos navios naufragados.
Cuidado com os ciclistas que atravessam
as ruas de teu sonho, e os manequins
que caminham à noite entre os sonâmbulos.
No dia de milhafres e espantalhos
cuidado com o sussurro dos amantes
o avanço das dragas e jamantas
o mormaço e as hélices das barcas.
Sê cauteloso com a maré baixa.
Ouve o que te estou dizendo:
cuidado com o sacristão
as repentinas chuvas de verão
as escadas sem corrimão
e os sonetos sem emendas.
E, finalmente, te digo:
tem o maior cuidado
com tudo o que termina em ão
mesmo a palavra de cinza
que é a tua cremação.
in Plenilúnio (2004) - Lêdo Ivo
Mais uma vez devo dizer-te:
cuidado com o ladrão
que se aproveita da escuridão
para pôr a mão gelada
no teu coração.
Mais uma vez devo alertar-te:
cuidado com a solidão
que tem a cor do açafrão
com o salto do salmão
e as alças douradas do caixão.
Mais uma vez te advirto:
cuidado com a concisão
com o estrondo do trovão
as terras de aluvião
e a boca do balão.
Mais uma vez te aconselho:
não acredites em nada
que sai na televisão.
Cuidado com a chave do portão
e as mordidas do leão.
Fica também atento
aos efeitos do ar refrigerado
frio covil de ácaros
e aos sonhos esbraseados
pela ígnea madrugada.
Recomendo-te a maior precaução
com o carro vermelho dos bombeiros
e as pessoas nascidas em Fevereiro.
Devemos sempre desconfiar
da cortesia dos coveiros.
Cuidado com as flores de cactos
os erros de ortografia, os muros de arrimo
e a névoa seca que encobre os aeroportos.
Cuidado com as flores de retórica.
Nos passeios campestres, cuidado com os meteoros.
Estende o teu cuidado à morte súbita,
às camisas-de-vênus, às balizas,
às enchovas das pizzas, aos gestos obscenos,
às usinas nucleares, às coisas de somenos
e à brisa dos crepúsculos serenos.
Não evoques jamais os amores perdidos
iguais aos destroços dos navios naufragados.
Cuidado com os ciclistas que atravessam
as ruas de teu sonho, e os manequins
que caminham à noite entre os sonâmbulos.
No dia de milhafres e espantalhos
cuidado com o sussurro dos amantes
o avanço das dragas e jamantas
o mormaço e as hélices das barcas.
Sê cauteloso com a maré baixa.
Ouve o que te estou dizendo:
cuidado com o sacristão
as repentinas chuvas de verão
as escadas sem corrimão
e os sonetos sem emendas.
E, finalmente, te digo:
tem o maior cuidado
com tudo o que termina em ão
mesmo a palavra de cinza
que é a tua cremação.
in Plenilúnio (2004) - Lêdo Ivo
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