O Prémio Camões de 2011 estava internado no Hospital de Santo António no Porto. Morreu esta tarde.Tinha 68 anos. O velório vai ser amanhã na Igreja do Foco.
Quando, em 2011, Manuel António Pina soube que lhe tinha sido atribuído o
Prémio Camões por toda a sua obra - que inclui poesia, crónica, ensaio,
literatura infantil e peças de teatro – afirmou: “É a coisa mais
inesperada que podia esperar”.
Também a sua poesia tinha sentido
de humor – o que é raro na poesia portuguesa - e mantinha vivo o
diálogo com Fernando Pessoa. Na literatura infantil, Pina mostrava
também essa tradição do “non sense”, da brincadeira sem deixar de lado a
complexidade.
Era um cinéfilo e sabia cenas de alguns filmes de
cor. Numa pequena biografia publicada há alguns anos na imprensa
francesa dizia-se que gostava de “cultivar a imagem de poeta de ‘série
B’ – para usar uma metáfora cinematográfica – neutralizando assim a
tentação de fazer ‘a grande poesia’ fruto de auto-ironia e de uma
dimensão manifestamente lúdica dos seus textos”.
Costumava citar
Luiz Pacheco, que dizia que daqui a cem anos ninguém se lembrará do que
escrevemos, para contrapor que essa meta acabava: já daqui a um ano. No
entanto os seus livros, nomeadamente os infantis que formaram a geração
que hoje tem mais de 40 anos, continuam a ser reeditados e não
envelheceram.
Quando em 2011 foi publicada pela Assírio &
Alvim, “Todas as palavras – Poesia Reunida (1974-2011)” o crítico Pedro
Mexia lembrava no “Expresso”, que “os primeiros poemas de M. A. Pina,
não sendo estritamente políticos, documentam uma certa ‘paz dos
cemitérios’ e sugerem que ‘não é possível dizer mais nada mas também não
é possível ficar calado’. Embora seja tarde, talvez não seja ainda
demasiado tarde.”
O título do seu primeiro livro de poesia,
“Ainda Não É o Fim nem o Princípio do Mundo Calma é Apenas um Pouco
Tarde”, que foi publicado em 1974 tem sido lembrado nas redes sociais e
em cartazes espalhados pelo Porto. É uma iniciativa POP para se criar
uma versão nacional e actual do cartaz “keep calm and carry on” que,
dizem na página que mantém no Facebook, contou com “o apoio e incentivo
directo” de Manuel António Pina. O cartaz original foi criado para ser
afixado em Londres, caso houvesse invasão alemã durante a II Guerra
Mundial. O cartaz português retoma o título de Pina e é uma homenagem ao
poeta “pelas palavras que há muito tempo escreve”: “Não é o fim nem o
princípio do mundo, calma é a apenas um pouco tarde” procura “de certa
forma, sensibilizar, motivar e mobilizar as pessoas tal como o da
situação original”, explicam no Facebook.
O escritor que nasceu,
em 1943, no Sabugal, na Beira Alta, vivia no Porto desde os 17 anos numa
casa com muitos gatos, que lhe davam material de sobra para os poemas.
Conta-se, e foi relatado no “JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias” em
2001, que durante a visita a uma exposição de retratos de escritores
portugueses na Feira do Livro de Frankfurt, Helmut Kohl terá parado em
frente da fotografia de Manuel António Pina e de um gato e perguntado
quem era o escritor. Responderam-lhe que era “o do bigode”. E o
chanceler terá dito: “Bigodes têm os dois”. Além de integrar a
representação oficial da literatura portuguesa na Feira do Livro de
Frankfurt, em 1997, o escritor esteve também na comitiva do Salão do
Livro de Paris, em 2000, e no Salão do Livro de Genève, em 2001.
Durante
a infância, foi-lhe difícil fazer amigos. Andou de terra em terra por
causa da profissão do pai que era chefe das Finanças e também tinha o
cargo de juiz das execuções fiscais. A família nunca chegava a ficar
mais de seis anos em cada localidade. Foi o pai que o ensinou a ler e a
escrever mesmo antes de ir para a escola e treinava a ler os títulos do
“1º de Janeiro”. Desde os seis ou sete anos que escrevia poemas, que a
sua mãe guardava, e embora só tivesse publicado o primeiro livro de
poemas em 1974, começou a escrevê-lo em 1965.
Numa entrevista que deu ao “JL”, e 2001, contou
que num dia de grande trovoada a mãe o foi encontrar de joelhos a
escrever em cima de uma cadeira. Pensou que o filho estava a rezar mas
afinal, Pina estava a escrever “uns versinhos sobre a história do
milagre das rosas”. Era a sua maneira de combater o medo que tinha da
trovoada. “Hoje, já não me assustam as trovoadas, mas continuo a
escrever porque tenho medo. Se calhar, medo de ter medo, como dizia o
O’Neill”, acrescentou.Tinha mais de 50 livros publicados e muitos dos
seus livros nasceram da leitura de ensaios, disse na entrevista que deu
depois de receber o Prémio Camões 2011 ao PÚBLICO. As suas amigas
psicanalistas diziam-lhe que se não escrevesse, seria um bom cliente.
Por isso brincava dizendo que a escrita lhe dava para poupar muito
dinheiro.
Foi só depois do nascimento das suas filhas, a Sara em
1970 e a Ana em 1974, que começou a escrever literatura infantil. Em
1988 recebeu o Prémio do Centro Português para o Teatro para a Infância e
Juventude (CPTIJ) pelo conjunto da sua obra neste domínio. Em 1993,
recebeu o Prémio Nacional de Crónica, Press Club/ Clube de Jornalistas.
Em
2002, com a publicação de “Atropelamento e Fuga”, recebeu o Prémio da
Crítica, atribuído pela Secção Portuguesa da Associação Internacional de
Críticos Literários, ao conjunto da sua obra poética. Pelo livro de
poesia “Os Livros”, editado pela Assírio & Alvim em 2003, recebeu o
Prémio Luís Miguel Nava de Poesia e Grande Prémio de Poesia da
Associação Portuguesa de Escritores/ CTT. E em 2004, foi-lhe atribuído o
Prémio de Crónica da Casa da Imprensa, pelo seu conjunto de crónicas
publicadas em jornais e revistas.
Apesar de ter pensado ir para a
Academia Militar, licenciou-se em direito em Coimbra. Inscreveu-se como
voluntário porque os pais não tinham dinheiro para que vivesse lá.
“Completei o curso sem assistir a nenhuma aula. Passava, às vezes, uns
15 dias em Coimbra, mas era para ir às aulas de Literatura do Vítor
Aguiar e Silva, e também às do Paulo Quintela. Toda a gente pensava que
eu as frequentava por causa das raparigas de Letras”, contou numa
entrevista à revista do Clube de Jornalistas.
Foi tendo vários
empregos: nas Contribuições e Impostos, a fazer inquéritos de rua,
agência de informações comerciais, na Comissão dos Vinhos Verdes e ainda
foi vendedor e deu aulas de português. Nos anos 80 exerceu advocacia
mas desistiu da carreira para ir “trabalhar com palavras”.
Foi
jornalista do “Jornal de Notícias” durante 30 anos, onde começou a
trabalhar em 1971 quando ainda cumpria o serviço militar através de um
concurso. Nessa altura, em tempos de ditadura, assinava com os seus
nomes do meio: António Mota. E como não podia aparecer nas fotografias
das entrevistas ou reportagens de frente, os fotógrafos chamavam-lhe o
Sr. Costas. Desde 2001 que era colaborador permanente desta publicação e
escrevia também para outros jornais e revistas.
Foi professor da
Escola Superior de Jornalismo do Porto e membro do Conselho de
Imprensa. Foi bolseiro do Centro Internacional de Teatro de Berlim junto
do Grips Theater, na Alemanha, e poeta residente convidado da cidade de
Villeneuve-sur-Lot, em França.
Algumas das suas obras foram
adaptadas ao cinema e à televisão, transpostas para BD, bem como
musicadas e editadas em disco. Trabalhou muito com a Companhia de Teatro
portuense Pé de Vento.
Recentemente o Teatro O Bando apresentou
o espectáculo “Ainda Não É o Fim”, a partir das suas crónicas e poemas e
o encenador João Brites, considerou que os excertos dos textos de
Manuel António Pina eram “um abrigo” onde aquela companhia de teatro
podia “exercer a experimentação enquanto componente indissociável da
criação”.
Para os amigos, como Osvaldo Silvestre, era “um
privilégio ouvir Manuel António Pina discorrer, ao seu modo, sobre um
assunto”. Todos os fiéis leitores da crónica diária, “Por outras
Palavras”, que o escritor mantinha na última página do “JN”, o sabem.
Gostava de jogar às cartas, de xadrez e do jogo oriental Go. Foi
praticante da arte marcial vietnamita Viet Vo Dao (cinturão castanho) e
foi chefe de redacção da revista de artes marciais “Shinkai”. Desde 2005
que era comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2001 recebeu a
Medalha de Ouro de Mérito da Cidade do Porto e em 2005, um voto de
louvor da Câmara Municipal do Porto pelo conjunto da sua obra literária.
"Um sítio onde pousar a cabeça" é o título do documentário, uma
produção da RTP com realização de Alberto Serra e Ricardo Espírito
Santo, dedicado à sua vida e à sua obra.
O corpo do escritor
estará, este sábado, em câmara ardente na Igreja do Foco, no Porto,
entre as 16.00 e as 22.00 horas, e a missa será celebrada no domingo às 09.30 horas. O
funeral seguirá para o cemitério do Prado do Repouso.”