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segunda-feira, fevereiro 24, 2020

David Mourão-Ferreira nasceu há 93 anos

Estátua no Parque dos Poetas
 
David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.
     
Biografia
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996, a 3 de junho, foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. No mesmo ano, 1996, recebeu o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.
Em 2005 é celebrado um protocolo entre a Universidade de Bari e o Instituto Camões, decidindo, como homenagem ao poeta, abrir naquela cidade o Centro Studi Lusofoni - Cátedra David Mourão-Ferreira que, dirigida pela Professora Fernanda Toriello e com a colaboração do professor Rui Costa, tem como objetivo o estudo da obra de David Mourão-Ferreira, assim como a divulgação da língua portuguesa e das culturas lusófonas. Promove também o Prémio Europa David Mourão-Ferreira.
    
  
A Secreta Viagem
  
  
No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!
  
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...
 
Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
   
   

in A Secreta Viagem (2001) - David Mourão-Ferreira

domingo, outubro 06, 2019

Amália morreu há vinte anos...

 
Amália da Piedade Rodrigues (Lisboa, 23 de julho de 1920 - Lisboa, 6 de outubro de 1999) foi uma fadista, cantora e actriz portuguesa, considerada o exemplo máximo do fado, comummente aclamada como a voz de Portugal e uma das mais brilhantes cantoras do século XX. Está sepultada no Panteão Nacional, entre os portugueses ilustres.
Tornou-se conhecida mundialmente como a Rainha do Fado e, por consequência, devido ao simbolismo que este género musical tem na cultura portuguesa, foi considerada por muitos como uma das suas melhores embaixadoras no mundo. Aparecia em vários programas de televisão pelo mundo fora, onde não só cantava fados e outras músicas de tradição popular portuguesa, como ainda canções contemporâneas (iniciando o chamado fado-canção) e mesmo alguma música de origem estrangeira (francesa, americana, espanhola, italiana, brasileira). Marcante contribuição sua para a história do Fado, foi a novidade que introduziu de cantar poemas de grandes autores portugueses consagrados, depois de musicados. Teve ainda ao serviço da sua voz a pena de alguns dos maiores poetas e letristas seus contemporâneos, como David Mourão Ferreira, Pedro Homem de Mello, Ary dos Santos, Manuel Alegre, Alexandre O'Neill. Rodrigues falava e cantava em castelhano, francês, italiano e inglês.
Até à sua morte, em outubro de 1999, 170 álbuns haviam sido editados com o  seu nome, em 30 países, vendendo mais de 30 milhões de cópias em todo o mundo, número 3 vezes maior que a população de Portugal.
   
Infância
Filha de Albertino de Jesus Rodrigues (Castelo Branco, 6 de agosto de 1888 - 13 de maio de 1962), um músico sapateiro que, para sustentar os quatro filhos e a mulher (Fundão, 3 de fevereiro de 1913), Lucinda da Piedade Rebordão (São Martinho, Fundão, 2 de maio de 1892 - Graça, Lisboa, 23 de novembro de 1986), tentou a sua sorte em Lisboa. Amália nasceu a 1 de julho de 1920, porém apenas foi registada dias depois, tendo no seu assento de nascimento como nascida às cinco horas de 23 de julho de 1920, na rua Martim Vaz, na freguesia lisboeta da Pena. Amália pretendia, no entanto, que o aniversário fosse celebrado a 1 de julho ("no tempo das cerejas"), e dizia: Talvez por ser essa a altura do mês em que havia dinheiro para me comprarem os presentes. Catorze meses depois, o pai, não tendo arranjado trabalho, volta com a família para o Fundão. Amália fica com os avós na capital.
A sua faceta de cantora cedo se revela. Amália era muito tímida, mas começa a cantar para o avô e os vizinhos, que lhe pediam. Na infância e juventude, cantarolava tangos de Carlos Gardel e canções populares que ouvia e lhe pediam para cantar.
Aos 9 anos, a avó, analfabeta, manda Amália para a escola, que tanto gostava de frequentar. Contudo, aos 12 anos tem que interromper a sua escolaridade como era frequente em casas pobres. Escolhe então o ofício de bordadeira, mas depressa muda para ir embrulhar bolos.
Aos 14 anos decide ir viver com os pais, que entretanto regressam a Lisboa. Mas a vida não é tão boa como em casa dos avós. Amália tinha que ajudar a mãe e aguentar o irmão mais velho, autoritário. Trabalha como bordadeira, engomadeira e tarefeira.
Aos 15 anos vai vender fruta para a zona do Cais da Rocha, e torna-se notada devido ao especialíssimo timbre de voz. Integra a Marcha Popular de Alcântara (nas festividades de Santo António de Lisboa) de 1936. O ensaiador da Marcha insiste para que Amália se inscreva numa prova de descoberta de talentos, chamada Concurso da Primavera, em que se disputava o título de Rainha do Fado. Amália acabaria por não participar, pois todas as outras concorrentes se recusavam a competir com ela.
Conhece nessa altura o seu futuro marido, Francisco da Cruz (c. 1915 - ?), um guitarrista amador, com o qual casará em 1940. Um assistente recomenda-a para a casa de fados mais famosa de então, o Retiro da Severa, mas Amália acaba por recusar esse convite, e depois adiar a resposta, e só em 1939 irá cantar nessa casa.
  
Uma carreira que começa
Estreia-se no teatro de revista em 1940, como atração da peça Ora Vai Tu, no Teatro Maria Vitória. No meio teatral encontra Frederico Valério, compositor de muitos dos seus fados.
Em 1943 divorcia-se a seu pedido. Torna-se então independente. Neste mesmo ano atua pela primeira vez fora de Portugal. A convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira, canta em Madrid.
Em 1944 consegue um papel proeminente, ao lado de Hermínia Silva, na opereta Rosa Cantadeira, onde interpreta o Fado do Ciúme, de Frederico Valério. Em Setembro, chega ao Rio de Janeiro acompanhada pelo maestro Fernando de Freitas para atuar no Casino Copacabana. Aos 24 anos, Amália tem já um espetáculo concebido em exclusivo para ela. A receção é de tal forma entusiástica que o seu contrato inicial de quatro semanas se prolongará por quatro meses. É convidada a repetir a turné, acompanhada por bailarinos e músicos.
É no Rio de Janeiro que Frederico Valério compõe um dos mais famosos fados de todos os tempos: Ai Mouraria, estreado no Teatro República. Grava discos, vendidos em vários países, motivando grande interesse das companhias de Hollywood.
Em 1947 estreia-se no cinema com o filme Capas Negras, o filme mais visto em Portugal até então, ficando 22 semanas em exibição. Um segundo filme, do mesmo ano, é Fado, História de uma Cantadeira.
Amália é apoiada por artistas inovadores como Almada Negreiros e António Ferro. Esse que a convida pela primeira vez a cantar em Paris, no Chez Carrère, e a Londres, no Ritz, em festas do departamento de Turismo que o próprio organiza.
A internacionalização de Amália aumenta com a participação, em 1950, nos espetáculos do Plano Marshall, o plano de apoio dos Estados Unidos à Europa do pós-guerra, em que participam os mais importantes artistas de cada país. O êxito repete-se por Trieste, Berna, Paris e Dublin (onde canta a canção Coimbra, que, atentamente escutada pela cantora francesa Yvette Giraud, é popularizada por ela em todo o mundo como Avril au Portugal).
Em Roma, Amália atua no Teatro Argentina, sendo a única artista ligeira num espetáculo em que figuram os mais famosos cantores de música clássica.
Em Setembro de 1952 a sua estreia em Nova Iorque fez-se no palco do La Vie en Rose, onde ficou 14 semanas em cartaz. Ainda nos Estados Unidos, em 1953 canta pela primeira vez na televisão (na NBC), no programa do Eddie Fisher patrocinado pela Coca-Cola, que teve que beber e de que não gostara nada. Grava discos de fado e de flamenco. Convidam-na para ficar, mas não fica por que não quer.
Nos EUA editou o seu primeiro LP (as gravações anteriores eram em discos de 78 rotações). Amalia Rodrigues Sings Fado From Portugal and Flamenco From Spain, lançado em 1954 pela Angel Records, assinala a sua estreia no formato do long-play, a 33 rotações, criado apenas seis anos antes e, na época, ainda longe de conhecer a expressão de mercado que depois viria a conquistar. O álbum, que seria editado em 1957 em Inglaterra e, um ano depois, em França, nunca teve prensagem portuguesa.
Amália dá ao fado um fulgor novo. Canta o repertório tradicional de uma forma diferente, num sincretismo do que é rural e do que é urbano.
Canta os grandes poetas da língua portuguesa (Camões, Bocage), além dos poetas que escrevem para ela (Pedro Homem de Mello, David Mourão Ferreira, Ary dos Santos, Manuel Alegre, O’Neill). Conhece também Alain Oulman, que lhe compõe várias canções.
O seu Fado de Peniche é proibido por ser considerado um hino aos que se encontram presos em Peniche, Amália escolhe também um poema de Pedro Homem de Mello, Povo que lavas no rio, que ganha uma dimensão política.
A 26 de abril de 1961, casa-se no Rio de Janeiro com o seu segundo marido, o engenheiro luso-brasileiro César Henrique de Moura de Seabra Rangel (Avelãs do Caminho, Anadia, circa 1920 - Zambujeira do Mar, Odemira, 11 de junho de 1997), filho de Augusto César de Seabra Rangel (Casa dos Rangel, Avelãs de Caminho, Anadia, 16 de abril de 1885 - idem, 28 de outubro de 1929), sobrinho-neto do 1.º Barão de Mogofores, e de sua mulher, Teresa de Seabra de Moura, com quem fica até à morte deste, em 1997.
Em 1966, volta aos Estados Unidos, atuando no Lincoln Center, em Nova Iorque, com o maestro Andre Kostelanetz frente a uma orquestra, num programa essencialmente feito de canções do folclore português numa das noites e num outro, feito de fados (também com orquestra), na seguinte. O mesmo espectáculo foi encenado, dias depois, no Hollywood Bowl. Voltaria ao Lincoln Center em 1968.
Ainda em 1966, o seu amigo Alain Oulman é preso pela PIDE. Amália dá todo o seu apoio ao amigo e tudo faz para que seja libertado e posto na fronteira.
Em 1970 é editado o álbum Com Que Voz.
No ano de 1971 encontra finalmente Manuel Alegre, exilado em Paris.
Em 1974 grava o álbum Encontro - Amália e Don Byas com o saxofonista Don Byas.
  
Amália após o 25 de Abril
Em 1976 é editado o disco Amália no Canecão gravado no Brasil. No mesmo ano é lançado o álbum Cantigas da boa gente. Fandangueiro e Cantigas numa Língua Antiga são lançados em 1977.
No ano de 1980 é lançado o disco Gostava de Ser Quem Era. Em 1982 é lançado o Máxi-single Senhor Extraterrestre com dois temas de Carlos Paião. É editado o álbum Amália Fado com temas de Frederico Valério.
Em 1983 é editado o álbum Lágrima a que se segue Amália na Broadway em 1984.
Em 1985 obtém grande sucesso a coletânea O Melhor de Amália: Estranha forma de vida. É lançado um novo volume: O Melhor de Amália, vol. 2: Tudo isto é fado.
Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património.
Ao longo dos anos que passam, vê desaparecer o seu compositor Alain Oulman, o seu poeta David Mourão-Ferreira e o seu marido, César Seabra, com quem era casada há 36 anos, e que morre em 1997.
Em 1997 é editado pela Valentim de Carvalho o álbum Segredo com gravações inéditas realizadas entre 1965 e 1975. É ainda publicado o livro (Versos) com os seus poemas. É-lhe feita uma homenagem nacional na Exposição Mundial de Lisboa (Expo 98).
Em abril de 1999, Amália desloca-se pela última vez a Paris, sendo condecorada na Cinemateca Francesa, pelos muitos espetáculos que deu naquela cidade e, dever-se a ela o facto da França começar a apreciar o fado. Já ligeiramente debilitada, agradeceu aos franceses o facto de se ter começado a projetar no mundo, pois era a partir de França que os seus discos começaram a espalhar-se.
A 6 de outubro de 1999, Amália Rodrigues morre, em sua casa, repentinamente, ao início da manhã, com 79 anos, poucas horas depois de regressar da sua casa de férias no litoral alentejano. Imediatamente, o então primeiro-ministro, António Guterres, decreta luto nacional por três dias. No seu funeral centenas de milhar de lisboetas descem à rua para lhe prestar uma última homenagem. Foi sepultada no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Dois anos depois, a 8 de Julho de 2001, o seu corpo foi trasladado para o Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa (após pressão dos seus admiradores e uma modificação da lei que exigia um mínimo de quatro anos antes da trasladação), e onde repousam personalidades consideradas expoentes máximos da nacionalidade.
Amália Rodrigues representou Portugal em todo o mundo, de Lisboa ao Rio de Janeiro, de Nova Iorque a Roma, de Tóquio à União Soviética, do México a Londres, de Madrid a Paris (onde atuou tantas vezes no prestigiadíssimo Olympia).
Propagou a cultura portuguesa, a língua portuguesa e o fado.
     
Túmulo de Amália, no Panteão Nacional
 
   

domingo, junho 16, 2019

David Mourão-Ferreira morreu há 23 anos

Estátua no Parque dos Poetas
  
David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.
  
Biografia
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996, a 3 de junho, foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. No mesmo ano, 1996, recebeu o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.
Em 2005 é celebrado um protocolo entre a Universidade de Bari e o Instituto Camões, decidindo, como homenagem ao poeta, abrir naquela cidade o Centro Studi Lusofoni - Cátedra David Mourão-Ferreira que, dirigida pela Professora Fernanda Toriello e com a colaboração do professor Rui Costa, tem como objetivo o estudo da obra de David Mourão-Ferreira, assim como a divulgação da língua portuguesa e das culturas lusófonas. Promove também o Prémio Europa David Mourão-Ferreira.
A Secreta Viagem


No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

 

in A Secreta Viagem (2001) - David Mourão-Ferreira

Música adequada à data...



Barco Negro

De manhã temendo que me achasses feia,
acordei tremendo deitada na areia,
mas logo os teus olhos disseram que não
e o sol penetrou no meu coração.

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
e o teu barco negro dançava na luz;
vi teu braço acenando, entre as velas já soltas.
Dizem as velhas da praia que não voltas...
São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,
que nem chegaste a partir,
pois tudo em meu redor
me diz que estás sempre comigo.

No vento que lança
areia nos vidros,
na água que canta,
no fogo mortiço,
no calor do leito,
nos bancos vazios,
dentro do meu peito
estás sempre comigo.

David Mourão-Ferreira

domingo, fevereiro 24, 2019

David Mourão-Ferreira nasceu há 92 anos

(imagem daqui)

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.
   
Biografia
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 é condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, a 3 de junho, é elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.
   
   
Elegia do Ciúme 

A tua morte, que me importa,
se o meu desejo não morreu?
Sonho contigo, virgem morta,
e assim consigo (mas que importa?)
possuir em sonho quem morreu.

Sonho contigo em sobressalto,
não vás fugir-me, como outrora.
E em cada encontro a que não falto
inda me turbo e sobressalto
à tua mínima demora.

Onde estiveste? Onde? Com quem?
— Acordo, lívido, em furor.
Súbito, sei: com mais ninguém,
ó meu amor!, com mais ninguém
repartirás o teu amor.

E se adormeço novamente
vou, tão feliz!, sem azedume
— agradecer-te, suavemente,
a tua morte que consente
tranquilidade ao meu ciúme.

 

in Tempestade de Verão (1954) - David Mourão-Ferreira

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

David Mourão-Ferreira nasceu há 90 anos

Estátua no Parque dos Poetas

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.
   
Biografia
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996, a 3 de junho, foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. No mesmo ano, 1996, recebeu o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.
Em 2005 é celebrado um protocolo entre a Universidade de Bari e o Instituto Camões, decidindo, como homenagem ao poeta, abrir naquela cidade o Centro Studi Lusofoni - Cátedra David Mourão-Ferreira que, dirigida pela Professora Fernanda Toriello e com a colaboração do professor Rui Costa, tem como objetivo o estudo da obra de David Mourão-Ferreira, assim como a divulgação da língua portuguesa e das culturas lusófonas. Promove também o Prémio Europa David Mourão-Ferreira.
Em 2005 a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor, dando o seu nome a uma avenida no Alto do Lumiar.
  

Ternura


Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

 

David Mourão-Ferreira

terça-feira, fevereiro 24, 2015

David Mourão-Ferreira nasceu há 88 anos

Estátua no Parque dos Poetas

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.
   
Biografia
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996, a 3 de junho, foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. No mesmo ano, 1996, recebeu o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.
Em 2005 é celebrado um protocolo entre a Universidade de Bari e o Instituto Camões, decidindo, como homenagem ao poeta, abrir naquela cidade o Centro Studi Lusofoni - Cátedra David Mourão-Ferreira que, dirigida pela Professora Fernanda Toriello e com a colaboração do professor Rui Costa, tem como objetivo o estudo da obra de David Mourão-Ferreira, assim como a divulgação da língua portuguesa e das culturas lusófonas. Promove também o Prémio Europa David Mourão-Ferreira.
  

Presídio


Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

 

David Mourão-Ferreira

segunda-feira, junho 16, 2014

David Mourão-Ferreira morreu há 18 anos

Estátua no Parque dos Poetas

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.

Biografia
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 foi condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996, a 3 de junho, foi elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. No mesmo ano, 1996, recebeu o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.
Em 2005 é celebrado um protocolo entre a Universidade de Bari e o Instituto Camões, decidindo, como homenagem ao poeta, abrir naquela cidade o Centro Studi Lusofoni - Cátedra David Mourão-Ferreira que, dirigida pela Professora Fernanda Toriello e com a colaboração do professor Rui Costa, tem como objetivo o estudo da obra de David Mourão-Ferreira, assim como a divulgação da língua portuguesa e das culturas lusófonas. Promove também o Prémio Europa David Mourão-Ferreira.


A Secreta Viagem


No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada...
Como podem só dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos.
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

 

in A Secreta Viagem (2001) - David Mourão-Ferreira

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Poema de Mourão-Ferreira cantado por Amália


Amália Rodrigues - Espelho Quebrado
David Mourão-Ferreira - Alain Oulman

Com o seu chicote, o vento
Quebra o espelho do lago.
Em mim, foi mais violento o estrago
Porque o vento, ao passar
Murmurava o teu nome
Depois de o murmurar, deixou-me.

Tão rápido passou,
Nem soube destruir-me
As mágoas em que sou tão firme.
Mas a sua passagem
Em vidro recortava
No lago a minha imagem de escrava.

Ó líquido cristal dos meus olhos sem ti
Em vão um vendaval pedi
Para que se quebrasse
O espelho que me enluta
E me ficasse a face enxuta.

Ai, meus olhos sem ti...
Em mim, foi mais violento, o vento!

Poema de aniversariante de hoje...

David, Amália e Alain (imagem daqui)

Soneto do Cativo

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

 

in Os Quatro Cantos do Tempo (1958) - David Mourão-Ferreira

David Mourão-Ferreira nasceu há 87 anos

(imagem daqui)

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.

Biografia
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 é condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, a 3 de junho, é elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.


Elegia do Ciúme 

A tua morte, que me importa,
se o meu desejo não morreu?
Sonho contigo, virgem morta,
e assim consigo (mas que importa?)
possuir em sonho quem morreu.

Sonho contigo em sobressalto,
não vás fugir-me, como outrora.
E em cada encontro a que não falto
inda me turbo e sobressalto
à tua mínima demora.

Onde estiveste? Onde? Com quem?
— Acordo, lívido, em furor.
Súbito, sei: com mais ninguém,
ó meu amor!, com mais ninguém
repartirás o teu amor.

E se adormeço novamente
vou, tão feliz!, sem azedume
— agradecer-te, suavemente,
a tua morte que consente
tranquilidade ao meu ciúme.

 

in Tempestade de Verão (1954) - David Mourão-Ferreira

domingo, junho 16, 2013

David Mourão-Ferreira morreu há 17 anos

(imagem daqui)

David de Jesus Mourão-Ferreira (Lisboa, 24 de fevereiro de 1927 - Lisboa, 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.

Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de Julho de 1981 é condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, a 3 de junho, é elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.


A Guerra

E tropeçavam todos nalgum vulto,
quantos iam, febris, para morrer:
era o passado, o seu passado — um vulto
de esfinge ou de mulher.

Caíam como heróis os que não o eram,
pesados de infortúnio e solidão.
(Arma secreta em cada coração:
a tortura de tudo o que perderam.)

Inimigos não tinham a não ser
aquela nostalgia que era deles.
Mas lutavam!, sonâmbulos, imbeles,
só na esp'rança de ver, de ver e ter
de novo aquele vulto
— imponderável e oculto —
de esfinge, ou de mulher.

 

in Tempestade de Verão (1954) - David Mourão-Ferreira

domingo, fevereiro 24, 2013

Ternura - João Braga cantando David Mourão-Ferreira


Fado Ternura - João Braga
Poema de David Mourão-Ferreira e música de João Braga

Desvio dos teus ombros o lençol
Que é feito de ternura amarrotada
Da frescura que vem depois do sol
Quando depois do sol não vem mais nada

Olho a roupa no chão – que tempestade
Há restos de ternura pelo meio
Como vultos perdidos na cidade
Onde uma tempestade sobreveio

Começas a vestir-te, lentamente
E é ternura também que vou vestindo
Para enfrentar lá fora aquela gente
Que da nossa ternura anda sorrindo

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
A despimos assim que estamos sós

Sombra - Amália canta David Mourão-Ferreira


Sombra - Amália Rodrigues
Letra de David Mourão-Ferreira e música de Alain Oulman


Bebi por tuas mãos esta loucura

De não poder viver longe de ti

És a noite, que à noite me procura

És a sombra da casa onde nasci



Deixa ficar comigo a madrugada

Para que a luz do Sol me não constranja

Numa taça de sombra estilhaçada

Deita sumo de Lua e de laranja



Só os frutos do céu que não existe

Só os frutos da terra que me deste

Hão fazer-te ausência menos triste

Tornar-me a solidão menos agreste



Vou recolher à casa onde nasci

Por teus dedos de sombra edificada

Nunca mais, nunca mais longe de ti

Se comigo ficar a madrugada

David Mourão-Ferreira nasceu há 86 anos

Estátua dedicada a David Mourão-Ferreira no Parque dos Poetas

David de Jesus Mourão-Ferreira (24 de fevereiro de 1927 - 16 de junho de 1996) foi um escritor e poeta lisboeta.

Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1951, onde mais tarde em 1957 foi professor, tendo-se destacado como um dos grandes poetas contemporâneos do Século XX.
Na sua obra, são famosos alguns dos poemas que compôs para a voz de Amália Rodrigues, como Sombra, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche e sobretudo Barco Negro, entre outros.
Mourão-Ferreira trabalhou para vários jornais, dos quais se destacam a Seara Nova e o Diário Popular, para além de ter sido um dos fundadores da revista Távola Redonda. Entre 1963 e 1973 foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores. No pós-25 de Abril, foi director do jornal A Capital e director-adjunto do O Dia.
No governo, desempenhou o cargo de Secretário de Estado da Cultura (de 1976 a janeiro de 1978, e em 1979). Foi por ele assinado, em 1977, o despacho que criou a Companhia Nacional de Bailado.
Foi autor de alguns programas de televisão de que se destacam "Imagens da Poesia Europeia", para a RTP.
A 13 de julho de 1981 é condecorado com o grau de Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Em 1996 recebe o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e, no mesmo ano, a 3 de junho, é elevado a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.
Do primeiro casamento, com Maria Eulália, sobrinha de Valentim de Carvalho, teve dois filhos, David João e Adelaide Constança, que lhe deram 11 netos e netas.


Soneto do Cativo

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

in
Os Quatro Cantos do Tempo (1958) - David Mourão-Ferreira