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sexta-feira, outubro 20, 2023

Hoje é dia de recordar como morrem os ditadores...

(imagem daqui)


23

Mostravam-nos o corpo espedaçado de Khadafi,
depois das primaveras árabes, o mundo
entrava dentro do quarto
a golpes de metralhadora. Os mercados
eram seres bovinos, invisíveis, violando a Europa
num simulacro virtual de Zeus.
Só tu, obstinada, ensanguentavas o olhar, tensíssima,
na tua espera de Deus.


24

Somos o mesmo sangue, querias tu dizer,
e bebias o sumo sem uma palavra.
Um sangue que devia revoltar-se contra o tempo
e escorria das ampolas bebíveis,
ampulhetas sinistras,
quebradas pelos meus dedos.

 


in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho

quinta-feira, outubro 20, 2022

Poesia para recordar como morrem os ditadores...

(imagem daqui)

23

Mostravam-nos o corpo espedaçado de Khadafi,
depois das primaveras árabes, o mundo
entrava dentro do quarto
a golpes de metralhadora. Os mercados
eram seres bovinos, invisíveis, violando a Europa
num simulacro virtual de Zeus.
Só tu, obstinada, ensanguentavas o olhar, tensíssima,
na tua espera de Deus.


24

Somos o mesmo sangue, querias tu dizer,
e bebias o sumo sem uma palavra.
Um sangue que devia revoltar-se contra o tempo
e escorria das ampolas bebíveis,
ampulhetas sinistras,
quebradas pelos meus dedos.


in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho

quarta-feira, outubro 20, 2021

Poesia adequada à data...

(imagem daqui)

23

Mostravam-nos o corpo espedaçado de Khadafi,
depois das primaveras árabes, o mundo
entrava dentro do quarto
a golpes de metralhadora. Os mercados
eram seres bovinos, invisíveis, violando a Europa
num simulacro virtual de Zeus.
Só tu, obstinada, ensanguentavas o olhar, tensíssima,
na tua espera de Deus.


24

Somos o mesmo sangue, querias tu dizer,
e bebias o sumo sem uma palavra.
Um sangue que devia revoltar-se contra o tempo
e escorria das ampolas bebíveis,
ampulhetas sinistras,
quebradas pelos meus dedos.


in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho

quinta-feira, junho 18, 2020

Hoje é dia de recordar os eternos namorados de Lanzarote...

(imagem daqui)

OS DOIS DE LANZAROTE

Eram um casal aéreo, cruzavam aeroportos,
digo eu o delator, o escriba acocorado, e sigo-os
nas suas fantasias voadoras,
açambarcando as nuvens, os romances,
toda a luta de classes
nas longas, estreitíssimas passagens dos jactos
pelo céu alucinante e cru.

Um casal a encher uma península.
Ruídos pérfidos perseguiam a sua alta rota revoltada,
a ela lambuzavam-lhe os vestidos, transparentes,
abertos sobre as nuvens.
E a ele arrancavam-lhe os cabelos
agarrados ao cérebro.
Mas eles voam mais alto, no assombro, mais livres.

Só eu pareço agora um cão acabrunhado
nas coxias deste chão sem ar,
e os olhos presos naquela exuberância.
Eles são dois padrões erguidos na terra retalhada
pelos elegantes domadores da fala,
e do mar mediterrâneo.

Recordai, ó leitores, a exibição da ternura,
a estridência feliz dos abraços frente à multidão,
a imponência do sucesso a pulso.
Um velho, uma mulher madura, uma ilha vulcânica.
E o ar que acolhe os seus impulsos
com a firme decisão de fazer estremecer
o mundo.

  
    

in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho

segunda-feira, janeiro 07, 2019

Porque Inês de Castro foi assassinada há 664 anos

Túmulo de D. Inês de Castro - Juízo Final (imagem daqui)

Ainda a rainha depois de morta

Arranca corações, esse punho cruel
que vem fustigando a história
dos amantes e chega até aos púlpitos, tronos,
e matérias de arte.

Na pedra burilada, os anjos muito agudos
pecam por desvelo.
Nas naves ressoa o bramar enrolado em raiva
da realeza sepulta:
eu amei-a viva, vocês venerem-na morta.

Foi um punho cruel.
Talvez houvesse um sexo absoluto em tanto movimento
de ouro, brocado,
soluços ébrios de temor ou de outra natureza
mais embevecida.

A história neste caso é sedutora:
traz o poder ao sol duns seios, à luz duma vagina,
abre a flor dos sentidos, desfeita
a golpes de espada,
de traição.

Aqui neste frio erguido ao redor das naves
a matéria humana
que percorre viva a tarde histórica
tem pressa de fugir
ao pesadelo:
o amor não mata, ninguém o assassina,
é ele e só ele que se expõe
já morto.


 

in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho

quinta-feira, outubro 20, 2016

Khadafi morreu há 5 anos...

(imagem daqui)

23

Mostravam-nos o corpo espedaçado de Khadafi,
depois das primaveras árabes, o mundo
entrava dentro do quarto
a golpes de metralhadora. Os mercados
eram seres bovinos, invisíveis, violando a Europa
num simulacro virtual de Zeus.
Só tu, obstinada, ensanguentavas o olhar, tensíssima,
na tua espera de Deus.


24

Somos o mesmo sangue, querias tu dizer,
e bebias o sumo sem uma palavra.
Um sangue que devia revoltar-se contra o tempo
e escorria das ampolas bebíveis,
ampulhetas sinistras,
quebradas pelos meus dedos.


in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho

terça-feira, janeiro 07, 2014

Inês de Castro foi assassinada há 659 anos

Túmulo de D. Inês de Castro - Juízo Final (imagem daqui)

Ainda a rainha depois de morta

Arranca corações, esse punho cruel
que vem fustigando a história
dos amantes e chega até aos púlpitos, tronos,
e matérias de arte.

Na pedra burilada, os anjos muito agudos
pecam por desvelo.
Nas naves ressoa o bramar enrolado em raiva
da realeza sepulta:
eu amei-a viva, vocês venerem-na morta.

Foi um punho cruel.
Talvez houvesse um sexo absoluto em tanto movimento
de ouro, brocado,
soluços ébrios de temor ou de outra natureza
mais embevecida.

A história neste caso é sedutora:
traz o poder ao sol duns seios, à luz duma vagina,
abre a flor dos sentidos, desfeita
a golpes de espada,
de traição.

Aqui neste frio erguido ao redor das naves
a matéria humana
que percorre viva a tarde histórica
tem pressa de fugir
ao pesadelo:
o amor não mata, ninguém o assassina,
é ele e só ele que se expõe
já morto.


 

in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho

terça-feira, junho 18, 2013

Hoje é dia de recordar o casal luso-castelhano de Lanzarote

(imagem daqui)

OS DOIS DE LANZAROTE

Eram um casal aéreo, cruzavam aeroportos,
digo eu o delator, o escriba acocorado, e sigo-os
nas suas fantasias voadoras,
açambarcando as nuvens, os romances,
toda a luta de classes
nas longas, estreitíssimas passagens dos jactos
pelo céu alucinante e cru.

Um casal a encher uma península.
Ruídos pérfidos perseguiam a sua alta rota revoltada,
a ela lambuzavam-lhe os vestidos, transparentes,
abertos sobre as nuvens.
E a ele arrancavam-lhe os cabelos
agarrados ao cérebro.
Mas eles voam mais alto, no assombro, mais livres.

Só eu pareço agora um cão acabrunhado
nas coxias deste chão sem ar,
e os olhos presos naquela exuberância.
Eles são dois padrões erguidos na terra retalhada
pelos elegantes domadores da fala,
e do mar mediterrâneo.

Recordai, ó leitores, a exibição da ternura,
a estridência feliz dos abraços frente à multidão,
a imponência do sucesso a pulso.
Um velho, uma mulher madura, uma ilha vulcânica.
E o ar que acolhe os seus impulsos
com a firme decisão de fazer estremecer
o mundo.



 

in De Amore (2012) - Armando Silva Carvalho