Pequenos, peludos e voadores: os morcegos caçam pragas agrícolas na Madeira
Morcego-arborícola-da-madeira, uma subespécie endémica da ilha Ricardo Rocha
Estudo de cientistas portugueses conclui que 40% da dieta das três espécies destes mamíferos da ilha da Madeira é composta por insetos prejudiciais para a agricultura.
Na ilha da Madeira, há três espécies de morcegos que se alimentam de insetos. E uma equipa de cientistas portugueses investigou a dieta destes pequenos mamíferos voadores, recorrendo a uma avançada técnica genética, e concluiu que pelo menos 40% dos insetos que fazem parte da sua dieta são pragas agrícolas ou florestais, ou até vetores para a transmissão de doenças aos seres humanos.
A maior componente da dieta das três espécies de morcegos nativas da Madeira é composta por borboletas noturnas. Mas, embora a contribuição dos morcegos não seja muito conhecida, dão uma enorme ajuda aos agricultores, e ao controlo de outros insetos prejudiciais para a saúde humana. “Não estávamos à espera de que uma percentagem tão grande de presas correspondesse a pragas agrícolas ou florestais, prováveis, ou confirmadas”, disse Angelina Gonçalves, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e do laboratório associado CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, citada num comunicado de imprensa.
“As presas dos morcegos alimentam-se de um vasto leque de espécies, incluindo muitas de elevado interesse económico, como a bananeira, a estrelícia, e a cana-de-açúcar”, explicou ao Azul Ricardo Rocha, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, coordenador do trabalho publicado na semana passada na revista científica Journal of Mammology. Uma delas é a traça-da-bananeira (Opogona sacchari), que não só afecta as plantações de bananeiras, como também várias espécies ornamentais, como a famosa flor da Madeira, a estrelícia.
Mas quem são os morcegos madeirenses? “O morcego-da-madeira (Pipistrellus maderensis) habita apenas na Macaronésia, nos arquipélagos da Madeira, Canárias e provavelmente Açores”, explicou ao Azul Ricardo Rocha, “explorador” da National Geographic.
O morcego-arborícola-da-madeira (Nyctalus leisleri verrucosus) é uma subespécie endémica da Madeira. “Isto quer dizer que, apesar de a espécie ter uma distribuição mais ampla, as populações na Madeira são suficientemente diferentes para terem uma classificação própria”, indicou Ricardo Rocha.
Por fim, o morcego-orelhudo-cinzento (Plecotus austriacus), que tem uma distribuição muito mais alargada, pois existe em grande parte da Europa Ocidental, é o menos abundante na Madeira.
Código de barras genético
Como é que os cientistas analisaram a dieta destes voadores noturnos? Começaram por ter de apanhar um número significativo de morcegos das três espécies, usando redes colocadas em vários locais no Parque Ecológico do Funchal. “Foram muitas noites de trabalho árduo, mas com muito esforço conseguimos capturar mais de cem morcegos, o que nos permitiu examinar as diferenças alimentares entre as várias espécies”, adiantou Angelina Gonçalves, que é a primeira autora do estudo publicado na revista científica Journal of Mammology.
O método tradicional para perceber de que se alimenta um animal é analisar as suas fezes, quer por observação direta, quer ao microscópio, procurando vestígios daquilo de que se alimentou. “Mas como a maior parte dos morcegos caça no ar à noite e mastiga os fragmentos maiores das suas presas, estes métodos não são particularmente eficazes para analisar a sua dieta”, escrevem os investigadores no artigo.
Decidiram, portanto, usar uma técnica desenvolvida nos primeiros anos do século XXI, o código de barras de ADN. “Esta técnica tem vindo a ser cada vez mais usada em estudos de dieta”, comentou Ricardo Rocha, que dá uma explicação simples do que se trata: “De forma muito resumida, identificam-se segmentos de ADN que permitem diagnosticar determinados grupos taxonómicos – atuam como uma espécie de código de barras. Com isso, conseguimos perceber que presas foram consumidas pelos morcegos com uma resolução muito maior do que conseguíamos no passado.
“Este estudo foi um dos primeiros a usar este método do código de barras genético para avaliar a dieta de morcegos que vivem em ilhas, salientam os autores do artigo. Assim, avança em muito o conhecimento relativo à ecologia trófica [de alimentação] e serviços de supressão de pragas prestados por estes mamíferos ainda mal conhecidos”, escrevem no artigo científico.
Discretos e pouco estudados
Porque são os morcegos mal conhecidos? Responde Ricardo Rocha: “No geral, os morcegos são pouco estudados. Tendem a ser espécies pequenas, noturnas, e bastante discretas.” No caso de espécies insulares, que vivem em ilhas, essa falta de estudos é particularmente aguda, salienta.
“Este não é o padrão exclusivo dos morcegos. É um padrão geral dos vertebrados em ilhas. Salvo raras exceções, como por exemplo os tentilhões das Galápagos [aves], ou algumas aves marinhas, as espécies insulares tendem a ser particularmente pouco estudadas, se compararmos com as as espécies continentais”, explica Ricardo Rocha.
Os demais mamíferos da Madeira não são nativos. Alguns, como os gatos, são predadores de morcegos e outras espécies nativas, o que pode afetar eventuais serviços de ecossistema – como o potencial controlo de pragas, associado ao consumo de insetos nefastos à agricultura
Sem comentários:
Enviar um comentário