O Tratado de Madrid foi firmado na capital espanhola entre D. João V de Portugal e D. Fernando VI de Espanha, em 13 de janeiro de 1750, para definir os limites entre as respectivas colónias sul-americanas, pondo fim assim às disputas. O objetivo do tratado era substituir o Tratado de Tordesilhas,
o qual já não era mais respeitado na prática. Pelo tratado, ambas as
partes reconheciam ter violado o Tratado de Tordesilhas na Ásia e na América
e concordavam que, a partir de então, os limites deste tratado se
sobreporiam aos limites anteriores. As negociações basearam-se no
chamado Mapa das Cortes,
privilegiando a utilização de rios e montanhas para demarcação dos
limites. O diploma consagrou o princípio do direito privado romano do uti possidetis, ita possideatis (quem possui de facto, deve possuir de direito), delineando os contornos aproximados do Brasil de hoje.
União Ibérica
Com a União Ibérica (1580-1640),
embora os respetivos domínios ultramarinos continuassem separados
teoricamente, é certo que tanto espanhóis entravam sem grandes problemas
em territórios portugueses, quanto lusitanos entravam em terras
espanholas, estabelecendo-se e com isso obtendo títulos de propriedade
que seriam respeitados pela diplomacia posterior. Esta ótica da questão de fronteiras
durante a União é inexata, já que continuou existindo uma rivalidade
entre os dois povos, porém isso explica em parte esta expansão. Iam se
estabelecendo, assim, algumas das futuras fronteiras terrestres do
Brasil. Pela orla marítima os portugueses estenderam seus domínios da Baía de Paranaguá ao Rio Oiapoque (antes os extremos no litoral eram Cananéia e Itamaracá). Nesse período conquistaram-se muitas regiões do Nordeste e do Norte (da Paraíba ao Grão-Pará e quase toda a Amazónia).
Também houve grande expansão ao Sul (onde bandeiras de caça ao índio
destruíram assentamentos de jesuítas espanhóis nos atuais oeste
paranaense, no centro do Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul, o que contribuiu para incorporar esses territórios no atual Brasil).
Durante a União Ibérica, o Brasil continuou a ser alvo de estrangeiros como os franceses,
porém os maiores inimigos foram os holandeses - que até 1571 tinham
seu território dominado pela Espanha, o que motivou sua ação contra os
espanhóis e seus aliados. Apesar da força com que invadiram o Brasil e
aí se estabeleceram, principalmente na faixa litorânea que hoje vai do Espírito Santo ao Maranhão e de modo peculiar em Pernambuco, eles foram definitivamente expulsos em 1654, 14 anos após a Restauração de Portugal como reino independente.
A Colónia de Sacramento
Após a Restauração, em 1640, a paz entre Portugal e Espanha foi firmada em 1668. Portugal ainda não havia desistido de estender os seus domínios até à foz do rio da Prata, razão pela qual o rei ordenou, em 1678,
a fundação de uma colónia naquela região para sustentar e afirmar os
seus direitos sobre a localidade. O limite vigente, definido pelo
Tratado de Tordesilhas, não era claro, e cada parte tinha a sua
interpretação. Para os portugueses, as 370 léguas deveriam ser medidas a
partir da Ilha de Santo Antão, em Cabo Verde, mas, para os espanhóis, o ponto de partida seria a ilha de São Nicolau.
De posse de um mapa, elaborado por João Teixeira, os portugueses
afirmavam que a linha, se medida a partir da ilha de São Nicolau,
passaria a 19 léguas a leste da região, que estaria sob domínio
espanhol, mas se medida a partir da ilha de Santo Antão, passaria a 13
léguas a oeste, e a região seria de domínio português. Em 1679, o
governador da capitania do Rio de Janeiro Manuel de Lobo
partiu, com apoio dos comerciantes interessados em ampliar os seus
negócios com a América espanhola, para fundar o que seria o primeiro
assentamento europeu no território que viria a formar o Uruguai. Em
frente à cidade de Buenos Aires, na margem oposta do Prata, a colónia se
tornaria um centro de contrabando para comerciantes portugueses e
ingleses terem acesso a Buenos Aires, durante a proibição do comércio de
géneros do Brasil, como açúcar, tabaco e algodão.
Tão logo tomou ciência da ocupação portuguesa, o governador espanhol
mobilizou tropas e desalojou os portugueses da região e prendeu Manuel
de Lobo. Após protestos de Portugal que levaram à intervenção do papa Inocêncio XI, a colónia foi devolvida aos portugueses em 1683, o que foi ratificado nos tratados de Lisboa (1701) e de Utrecht
(1715). Em 1714, durante a negociação deste último, Alexandre de
Gusmão tomou conhecimento dos sentimentos envolvidos. Para os
espanhóis, o controle do estuário do Prata, e da navegação da prata
oriunda do Peru, era indispensável à segurança do seu império, ameaçado
pelos britânicos aliados dos portugueses. A posse exclusiva daquela
região representava condição de vida ou morte. Por outro lado, para os
portugueses, abandonar a região à nação que haviam derrotado na última
guerra era motivo de desonra. Após alguns atritos, o soberano espanhol
concedeu o inteiro domínio da margem setentrional do rio da Prata e em 1715, confirmou que o Prata era o limite ao sul do Brasil.
A definição geral dos limites ocorreria em 1750 com o tratado de Madrid.
Os Sete Povos das Missões foram deixados em paz até 1750. Pelo
tratado, a área dos Sete Povos das Missões passaria a pertencer a
Portugal e em troca a Colónia do Sacramento (no sul do atual Uruguai)
passaria ao domínio espanhol. Porém os portugueses exigiam a expulsão dos missionários.
O Tratado
O Tratado de Madrid foi a primeira tentativa de pôr fim ao litígio entre Espanha e Portugal a respeito dos limites de suas colónias na América do Sul.
Com as epopeias dos bandeirantes, desbravando o interior do Brasil, criando pequenos povoamentos, a validade do antigo Tratado de Tordesilhas estava em xeque. O novo Tratado tinha por objetivo "que se assinalassem os limites dos dois Estados,
tomando por balizas as paragens mais conhecidas, tais como a origem e
os cursos dos rios e dos montes mais notáveis, a fim de que em nenhum
tempo se confundissem, nem dessem ensejo a contendas, que cada parte
contratante ficasse com o território que no momento possuísse, à exceção
das mútuas concessões que nesse pacto se iam fazer e que em seu lugar
se diriam". Assinado em 1750, o tratado não usava as linhas convencionais, mas outro conceito de fronteiras, introduzido neste contexto por Alexandre de Gusmão, a posse efetiva da terra (uti possidetis) e os acidentes geográficos como limites naturais.
Com trabalhos apresentados à Corte espanhola, Gusmão comprovou que as
usurpações luso-espanholas em relação à linha de Tordesilhas (1494) eram mútuas, com as portuguesas na América (parte da Amazónia e do Centro-oeste) sendo compensadas pelas da Espanha na Ásia (Filipinas, Ilhas Marianas e Ilhas Molucas).
Apesar de Tomás da Silva Teles (Visconde de Vila Nova de Cerveira) ter representado Portugal, Alexandre de Gusmão foi o redator do Tratado e o idealizador da aplicação do uti possidetis.
Em 1746,
quando começaram as negociações diplomáticas a respeito do Tratado,
Alexandre de Gusmão já possuía os mapas mais precisos da América do Sul,
que encomendara aos melhores geógrafos do Reino. Era um dos trunfos
com que contava para a luta diplomática que duraria quatro anos.
Alexandre sabia que os espanhóis jamais deixariam em paz uma colónia (Colónia do Sacramento)
que lhes prejudicava o tesouro. Além disso, descobrira-se ouro no
Brasil, não sendo preciso entrar em conflitos por causa da prata
peruana. Para a compensação, já tinha em vista as terras convenientes à
coroa portuguesa: os campos dos Sete Povos das Missões, a oeste do Rio Grande do Sul, onde os luso-brasileiros poderiam conseguir grandes lucros criando gado.
Finalmente, em Madrid, a 13 de janeiro
de 1750, firmou-se o tratado: Portugal cedia a Colónia do Sacramento e
as suas pretensões ao estuário do Prata, e, em contrapartida,
receberia o atual estado do Rio Grande do Sul, partes de Santa Catarina
e Paraná (território das missões jesuíticas espanholas), o atual Mato Grosso do Sul, a imensa zona compreendida entre o Alto-Paraguai, o Guaporé e o Madeira de um lado e o Tapajós e Tocantins do outro, regiões estas desabitadas e que não pertenceriam aos portugueses se não fossem as negociações do tratado.
Foi meio continente assegurado a Portugal pela atividade de Alexandre
de Gusmão. Para a região mais disputada, o Sul, o santista já enviara,
em 1746, casais de açorianos para garantir a posse do terreno. Era uma
nova forma de colonização que Alexandre preconizava, através de
famílias que produzissem, sem precisar de escravos. Os primeiros
sessenta casais fundaram o Porto dos Casais, mais tarde Porto Alegre.
O tratado foi admirável em vários aspetos. Determinou que sempre
haveria paz entre as colónias americanas, mesmo quando as metrópoles
estivessem em guerra. Abandonou as decisões tomadas arbitrariamente nas
cortes europeias por uma visão mais racional das fronteiras, marcadas
pelos acidentes naturais do terreno e a posse efetiva da terra. O
princípio romano de uti possidetis deixou de se referir à posse
de direito, determinada por tratados, como até então tinha sido
compreendido, para se fundamentar na posse de facto, na ocupação do
território: as terras habitadas por portugueses eram portuguesas.
Entretanto, o tratado logo fez inimigos: os jesuítas espanhóis,
expulsos das Missões, e os comerciantes impedidos de contrabandear no rio da Prata. Os seus protestos encontraram um inesperado apoio no novo homem forte de Portugal: o Marquês de Pombal.
Um novo acordo - o de El Pardo -, firmado em 12 de fevereiro de 1761,
anulou o de Madrid. Mas as bases geográficas e os fundamentos
jurídicos, por que Alexandre tanto lutara em 1750, acabaram
prevalecendo e, em 1777, aqueles princípios anulados em El Pardo ressurgiram no Tratado de Santo Ildefonso. A questão foi ainda objeto de novo tratado do Pardo, a 11 de março de 1778.
Devido ao sucesso obtido por Gusmão no Tratado de Madrid, mais tarde o historiador paraguaio padre Bernardo Capdeville se referiria a este como "a vergonha da diplomacia espanhola".
Consequências
O Tratado de Madrid trouxe como consequências imediatas: a revogação do Tratado de Tordesilhas; a consagração do princípio do uti possidetis (quem tem a posse tem o domínio); a permuta da Colónia do Sacramento pelo território dos Sete Povos das Missões; e a definição do rio Uruguai como fronteira oeste do Brasil com a Argentina.
São apontadas como consequências indiretas deste tratado: a concessão à Espanha da navegação exclusiva do Rio da Prata;
a criação da Capitania D’El Rey de São Pedro do Rio Grande do Sul; o
aumento do poderio militar português no Sul do Brasil; a concessão de
parte da Amazónia aos portugueses; a construção do Forte Príncipe da Beira, do Forte do Macapá e do Forte de Tabatinga, entre outros. É também parcialmente responsável pela mudança da capital do Vice-Reino de Salvador para o Rio de Janeiro.
As demarcações das fronteiras impostas pelo Tratado de Madrid sofreram
resistência, particularmente por parte dos índios guaranis, apoiados
pelos jesuítas. A reação indígena guarani do cacique José (Sepé)
Tiaraju deu início à Guerra Guaranítica (1752-1756). Sepé foi morto três dias antes da última batalha, a de Caibaté, onde morreram, combatendo, mais de 1.500 índios.
O resultado final desses tratados e de outros que viriam foi fruto da colonização portuguesa desde o século XVI até o XIX
que ao penetrar o território, seja por motivos económicos (mineração
na região mais central - Minas, Mato Grosso e Goiás -, pecuária no
sertão nordestino e no sul do Brasil e recolha de produtos da floresta,
associado à facilidade de navegação da Bacia Amazónica) ou religiosos
(como é o caso das missões
jesuítas, franciscanas e carmelitas que estiveram em diversas partes
do Brasil), expandiu os domínios portugueses de norte a sul e, pelo uti possidetis, adquiriu terras que antes não lhes pertenciam.
Para a historiografia brasileira, o Tratado de Madrid representa a base
histórico-jurídica da formação territorial do país, por ser o primeiro
documento a definir com precisão as suas fronteiras naturais. Para
historiadores argentinos, no entanto, este tratado teria sido
extorquido ao governo espanhol, por incapacidade ou por influência da
rainha da Espanha, filha do rei português.
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